Excluída do Amor: Um Coração de Mãe à Beira do Abismo
— Não, Margarida. Eu não quero que venhas ao meu casamento. — As palavras da Inês caíram como pedras no fundo de um poço escuro. O silêncio que se seguiu foi tão denso que quase me sufocou. Oiço ainda o eco da sua voz, fria, distante, como se nunca tivesse sido aquela menina de olhos grandes que me pedia colo quando o pai chegava tarde.
A sala estava cheia de luz, mas dentro de mim tudo escureceu. O meu marido, António, olhava para mim com um misto de pena e impotência. Tentei falar, mas a garganta fechou-se. Como é que se responde a uma filha — mesmo que não seja de sangue — quando ela nos rejeita assim?
Lembro-me do primeiro dia em que conheci a Inês. Tinha seis anos, o cabelo apanhado num rabo-de-cavalo desalinhado e os joelhos esfolados de brincar no parque. A mãe dela tinha partido para o estrangeiro e António estava perdido entre o trabalho e as birras da filha. Fui entrando devagarinho na vida delas, com paciência, tentando nunca ocupar o lugar de ninguém. Mas será que alguma vez tive um lugar?
— Não percebo, Inês. — A minha voz saiu trémula. — Sempre tentei ser boa para ti. Sempre te tratei como filha.
Ela desviou o olhar, mexendo nervosamente no telemóvel. — Não é isso, Margarida. Mas… não és minha mãe. E a mãe vai vir de França só para o casamento. Não quero confusões.
O António suspirou fundo. — Inês, a Margarida fez tanto por ti…
— Não quero falar mais sobre isto! — gritou ela, levantando-se abruptamente e saindo da sala.
Fiquei ali sentada, a olhar para as mãos vazias no colo. O António aproximou-se e pousou uma mão no meu ombro. — Desculpa, Margarida. Ela está nervosa… talvez mude de ideias.
Mas eu sabia que não ia mudar. Senti uma dor funda, como se alguém me tivesse arrancado uma parte do peito. Quantas vezes fui eu que fiquei acordada com ela nas noites de febre? Quem lhe fez tranças antes dos testes importantes? Quem lhe ensinou a andar de bicicleta? E agora… agora era apenas a madrasta inconveniente.
Os dias seguintes foram um tormento. A casa encheu-se de telefonemas, listas de convidados, provas de vestidos e conversas sussurradas entre pai e filha. Eu era uma sombra, alguém que passava despercebida nos corredores da própria casa.
Uma noite, ouvi António ao telefone com a ex-mulher:
— Não achas injusto? A Margarida sempre esteve presente…
Do outro lado, uma voz fria: — A Inês quer assim. E eu não quero problemas no meu regresso.
Senti-me pequena, descartável. Comecei a evitar os dois, refugiando-me no jardim com as minhas flores. Ali pelo menos ninguém me rejeitava.
Certa tarde, enquanto regava as roseiras, ouvi passos atrás de mim. Era o meu filho, João, do meu primeiro casamento. Já adulto, vinha poucas vezes a casa.
— Mãe… ouvi dizer que não vais ao casamento da Inês.
Assenti em silêncio.
— Isso é ridículo! Tu criaste-a! — João estava indignado.
— Não vale a pena discutir… — tentei sorrir, mas os olhos encheram-se de lágrimas.
Ele abraçou-me com força. — Se fosse eu, nunca te faria isto.
Aquelas palavras aqueceram-me o coração por instantes, mas logo voltaram as dúvidas: será que falhei? Será que forcei demasiado? Ou nunca fui suficiente?
Na semana do casamento, a casa parecia um campo minado. Inês evitava-me; António andava calado; eu fingia indiferença enquanto o peito ardia por dentro.
Na véspera do grande dia, António entrou no quarto onde eu lia para tentar esquecer.
— Margarida… desculpa por tudo isto. Não sei o que fazer.
Fechei o livro devagar. — Não há nada a fazer, António. Ela fez a escolha dela.
Ele sentou-se na beira da cama e pegou na minha mão. — Eu amo-te. E agradeço-te tudo o que fizeste por nós.
Chorei baixinho, sem conseguir responder.
No dia do casamento acordei cedo, como sempre. Preparei o pequeno-almoço para todos e saí para o jardim antes que acordassem. Ouvia risos vindos da casa: vozes femininas excitadas com vestidos e maquilhagem. Eu era apenas um eco distante.
Quando vi Inês sair com o vestido branco, linda como nunca a tinha visto, senti orgulho misturado com tristeza profunda. Quis correr até ela, abraçá-la e desejar-lhe felicidade… mas fiquei imóvel entre as roseiras.
O carro partiu e levou consigo uma parte da minha vida.
À noite, António voltou sozinho. Sentou-se ao meu lado na varanda e ficámos em silêncio muito tempo.
— Ela perguntou por ti — disse ele finalmente.
— E tu?
— Disse-lhe que estavas aqui… à espera dela.
Olhei para as estrelas e perguntei-me se algum dia ela voltaria para mim.
Agora escrevo estas palavras com o coração apertado: quantas mães de coração existem por aí, invisíveis nos momentos importantes? Quantos laços se desfazem porque alguém decide quem pertence ou não à família?
Será que algum dia serei mais do que uma sombra na vida dela? Será que o amor dado sem sangue vale menos? E vocês… já sentiram esta dor de serem excluídos do amor?