O meu marido viajou em primeira classe com a mãe dele e deixou-me para trás – Uma história portuguesa de família, aeroportos e escolhas

— Não percebo porque é que estás assim, Mariana. Foi só uma questão de conforto, não é nada pessoal — disse o Ricardo, desviando o olhar enquanto segurava o cartão de embarque dourado entre os dedos.

Eu olhei para ele, sentindo o nó na garganta apertar-se ainda mais. O barulho do aeroporto de Lisboa parecia abafar tudo à minha volta, menos aquela frase. Ao meu lado, os nossos filhos, o Tiago e a Inês, olhavam para mim com olhos grandes e confusos. A minha sogra, Dona Lurdes, ajeitava o casaco de lã azul-escuro com um ar triunfante.

— Mariana, não faças disso um drama — disse ela, baixinho, mas com aquele tom que sempre me fez sentir pequena. — O Ricardo só quer que eu viaje confortável. Já sabes como tenho as costas…

Eu queria gritar. Queria dizer-lhe que as minhas costas também doíam, que também estava cansada depois de semanas a preparar esta viagem para todos. Mas limitei-me a apertar a mão da Inês e a sorrir-lhe, tentando esconder as lágrimas que ameaçavam cair.

Quando nos separámos no portão de embarque — eles para a fila prioritária, nós para a fila interminável da classe económica — senti-me mais sozinha do que nunca. O Tiago perguntou:

— Mãe, porque é que o pai vai noutro sítio?

Não soube responder. Disse-lhe apenas que era uma questão de lugares e que logo nos encontrávamos no destino. Mas por dentro sentia-me traída. Não era só o desconforto do avião; era o simbolismo daquela escolha. O Ricardo tinha escolhido a mãe dele em vez de mim. Tinha escolhido o conforto dele em vez do nosso.

Durante o voo, tentei distrair as crianças com jogos e histórias. A Inês adormeceu encostada ao meu ombro; o Tiago ficou vidrado no pequeno ecrã à nossa frente. Eu olhava para o corredor, esperando ver o Ricardo aparecer para nos perguntar se precisávamos de alguma coisa. Mas ele não veio.

Quando aterrámos em Ponta Delgada, encontrei-o à saída do avião, fresco e sorridente. A Dona Lurdes vinha ao lado dele, a contar-lhe como o vinho servido em primeira classe era excelente.

— Então, correu tudo bem? — perguntou-me ele.

— Sim — respondi, seca. — Correu tudo como esperavas.

Os dias seguintes foram um desfile de pequenas humilhações. A Dona Lurdes fazia questão de se sentar sempre ao lado do Ricardo nos restaurantes. Quando íamos passear, ela reclamava se eu sugeria algum sítio diferente do que ela queria visitar. O Ricardo parecia não notar — ou não querer notar.

Numa noite, depois de deitar as crianças, sentei-me na varanda do hotel e esperei que ele viesse falar comigo. Quando finalmente apareceu, já vinha com um copo de vinho na mão.

— Mariana, não podes continuar assim. Estás sempre com essa cara — disse ele.

— Achas mesmo que isto é só uma questão de cara? Achas normal o que fizeste no avião? Achas normal estares sempre do lado da tua mãe?

Ele suspirou.

— Mariana… A minha mãe já não é nova. Precisa de atenção. E tu sabes como ela é exigente…

— E eu? Eu não conto? Não sou tua mulher? Não sou mãe dos teus filhos?

Ele ficou calado. Pela primeira vez em muitos anos vi-o sem resposta.

Na manhã seguinte acordei decidida a não deixar passar mais nada em branco. No pequeno-almoço sentei-me ao lado do Ricardo antes que a Dona Lurdes chegasse. Quando ela apareceu e fez menção de se sentar entre nós, olhei-a nos olhos e disse:

— Hoje fico eu aqui. Preciso de conversar com o Ricardo.

Ela ficou surpreendida mas não disse nada. O Ricardo olhou-me com estranheza.

— O que é que se passa?

— Passa-se que estou cansada de ser invisível nesta família. Passa-se que quero ser tratada como tua mulher e não como uma criada ou uma acompanhante da tua mãe.

Ele ficou sem palavras outra vez. Pela primeira vez senti que tinha algum poder naquela relação.

Os dias seguintes foram diferentes. O Ricardo começou a perguntar-me o que eu queria fazer. A Dona Lurdes resmungava mas já não conseguia impor-se como antes. Senti-me mais leve — mas também mais triste por ter sido preciso chegar a este ponto.

Quando voltámos a Lisboa, decidi procurar uma terapeuta. Precisava de perceber porque é que tinha deixado chegar as coisas tão longe. Nas sessões comecei a falar das pequenas coisas: dos jantares em casa dos meus sogros onde eu era sempre quem servia à mesa; das férias em que eu planeava tudo mas nunca era ouvida; dos aniversários em que o presente da Dona Lurdes era sempre mais importante do que o meu.

Comecei também a falar com amigas sobre isto. Descobri que muitas delas sentiam o mesmo: postas de lado nas próprias famílias, sempre em segundo plano em relação às sogras ou aos maridos.

Uma noite, depois de uma dessas sessões de terapia, sentei-me com o Ricardo na sala.

— Preciso que me oiças — disse-lhe. — Preciso que percebas que isto não é só sobre aviões ou lugares à mesa. É sobre respeito. Sobre sermos parceiros nesta vida.

Ele ouviu-me. Pela primeira vez em muito tempo ouviu mesmo.

Começámos juntos um caminho novo: terapia de casal, conversas difíceis mas honestas, pequenas mudanças no dia-a-dia. A Dona Lurdes continuou a ser ela própria — mas agora já não tinha tanto poder sobre nós.

Hoje olho para trás e penso: porque é que tantas mulheres aceitam ser postas de lado? Porque é tão difícil dizer basta? Será que um dia vamos conseguir mudar esta cultura onde a sogra manda mais do que a mulher? E vocês? Já sentiram isto nas vossas famílias?