“Faz as malas e vem já!” – Como a minha sogra tomou conta da nossa vida

“Faz as malas e vem já! Não quero saber de desculpas!” A voz da Dona Emília ecoava pelo telefone, cortando o silêncio da noite como uma faca afiada. O Rui olhou para mim, olhos vermelhos de cansaço e medo. O nosso filho, o pequeno Tomás, dormia finalmente nos meus braços depois de horas de choro. Eu sentia o peito apertado, como se cada palavra da minha sogra me esmagasse mais um pouco.

“Mas mãe, não podemos… a Inês ainda está a recuperar do parto, o Tomás é tão pequenino…” tentou o Rui, mas do outro lado só ouvi gritos e ameaças. “Ou vens agora ou nunca mais ponhas os pés nesta casa! Achas que vou deixar o meu neto ao abandono? Achas que a Inês sabe sequer cuidar dele?”

Senti as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto. Não era só cansaço. Era medo. Era vergonha. Era raiva. O Rui desligou o telefone e ficou ali parado, sem saber o que fazer. Eu sabia que ele estava dividido entre mim e a mãe dele. E eu? Eu só queria paz. Só queria poder ser mãe sem ter de provar nada a ninguém.

Naquela madrugada, fizemos as malas às pressas. O Tomás chorava outra vez. Eu chorava também. O Rui tentava acalmar-nos aos dois, mas era inútil. Quando chegámos à casa da Dona Emília em Almada, ela estava à porta, braços cruzados e olhar de reprovação.

“Finalmente! Já estava a ver que tinham fugido com o miúdo para algum lado. Anda cá, meu menino!” E sem pedir licença, arrancou o Tomás dos meus braços. Senti-me vazia. Senti-me inútil.

Os dias seguintes foram um pesadelo. A Dona Emília controlava tudo: o que comíamos, quando dávamos banho ao Tomás, até como eu devia amamentar. “Estás a fazer mal! Assim o miúdo engasga-se!” dizia ela, tirando-me o bebé das mãos. O Rui tentava defender-me, mas acabava sempre por ceder à mãe.

As noites eram ainda piores. O Tomás chorava muito e eu não conseguia descansar. Uma noite, levantei-me para o acalmar e encontrei a Dona Emília já no quarto dele.

“Vai dormir, Inês. Tu não sabes fazer isto.”

Senti-me tão pequena. Tão invisível.

Comecei a evitar sair do quarto durante o dia. Só saía para dar de mamar ao Tomás ou para comer qualquer coisa à pressa na cozinha. A Dona Emília fazia questão de comentar tudo:

“Olha para ti! Nem te arranjas! O Rui merece melhor.”

O Rui tentava animar-me: “Tem calma, amor… é só até arranjarmos casa.” Mas eu sabia que ele não tinha coragem de enfrentar a mãe.

Um dia, ouvi-as na cozinha:

“O Rui nunca devia ter casado com ela. Não sabe cozinhar, não sabe cuidar do filho… só chora!”

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Queria gritar, queria fugir dali com o meu filho nos braços. Mas para onde? Não tinha família em Lisboa, os meus pais estavam no Porto e não tinham condições para nos receber.

As discussões começaram a ser diárias. Um dia, ao almoço, a Dona Emília serviu sopa ao Tomás sem me perguntar nada.

“Mãe! Ele só tem quatro meses!” gritou o Rui.

“Na minha altura já comiam de tudo! Não é agora que vão morrer por causa disso!”

Levantei-me da mesa e fui chorar para o quarto. O Rui veio atrás de mim:

“Desculpa… eu não sei o que fazer.”

“Escolhe, Rui! Ou ela ou eu!” gritei-lhe pela primeira vez.

Ele ficou em silêncio. E eu percebi que estava sozinha.

As semanas passaram e eu sentia-me cada vez mais perdida. Comecei a ter ataques de pânico. Não conseguia dormir nem comer. Um dia desmaiei na casa de banho. Acordei com a Dona Emília aos gritos:

“Vês? Nem para mãe serves! O Rui devia ter ouvido o que eu lhe disse!”

O Rui levou-me ao hospital nesse dia. O médico disse-lhe que eu estava em depressão pós-parto.

Quando voltámos para casa da Dona Emília, ela olhou para mim com desprezo:

“Agora é moda dizer que estão deprimidas… Na minha altura era trabalhar e calar!”

Foi nesse momento que percebi que tinha de sair dali nem que fosse sozinha com o Tomás.

Nessa noite esperei que todos dormissem. Peguei no Tomás, pus algumas roupas numa mochila e saí porta fora sem olhar para trás.

Fui andando pelas ruas de Almada até encontrar um banco de jardim onde me sentei a chorar baixinho enquanto embalava o meu filho.

Liguei à minha amiga Marta:

“Marta… preciso de ajuda.”

Ela veio buscar-me e levou-nos para casa dela em Setúbal. Lá chorei tudo o que tinha guardado durante meses.

O Rui ligou-me dezenas de vezes nessa noite. Não atendi.

No dia seguinte apareceu em casa da Marta:

“Inês… desculpa… eu amo-te… não sabia como te ajudar…”

Olhei para ele com mágoa:

“Rui… amar não chega se não me defenderes.”

Ele chorou pela primeira vez desde que tudo começou.

Com a ajuda da Marta arranjei um pequeno quarto para mim e para o Tomás numa pensão barata. Comecei a procurar trabalho como professora primária – era difícil com um bebé tão pequeno, mas não podia voltar atrás.

O Rui começou a visitar-nos todos os dias depois do trabalho. Aos poucos foi ganhando coragem para enfrentar a mãe dele.

Um dia apareceu com uma chave na mão:

“Arranjei um T1 pequenino em Almada… Queres tentar outra vez?”

Olhei para ele e para o Tomás nos meus braços. Tinha tanto medo de voltar a sofrer… mas também tinha esperança.

Aceitei.

Mudámo-nos juntos para aquele T1 minúsculo mas cheio de luz e silêncio – finalmente silêncio! A Dona Emília ligava todos os dias no início, mas o Rui aprendeu a dizer “não”.

Aos poucos fui recuperando quem era antes do medo e da vergonha. Voltei a sorrir ao ver o Tomás dar os primeiros passos na nossa sala minúscula.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres em Portugal vivem presas entre agradar à sogra e salvar-se a si próprias? Será possível ser boa nora sem deixar de ser mulher? E vocês… já sentiram que tiveram de escolher entre a vossa família e vocês mesmas?