A Minha Melhor Amiga Casou-se com o Meu Ex-Marido e Abandonou-me Quando Mais Precisei
— Não podes estar a falar a sério, Inês! — gritei, sentindo o chão fugir-me dos pés. O eco da minha voz encheu a cozinha, onde ainda pairava o cheiro do café que tínhamos acabado de beber. Ela olhou para mim, olhos húmidos mas firmes, como se já tivesse ensaiado aquela conversa mil vezes.
— Desculpa, Marta. Eu tentei evitar isto… mas não consegui. O Miguel e eu… apaixonámo-nos. — A voz dela tremia, mas não havia hesitação nas palavras.
O meu coração batia tão forte que temi desmaiar. A Inês, a minha melhor amiga desde os tempos do liceu, aquela que sabia todos os meus segredos, estava ali, à minha frente, a confessar que estava com o homem que eu amei durante dez anos. O pai da minha filha. O homem que me prometeu o mundo e depois me deixou com os cacos.
Lembro-me de ter ficado em silêncio durante minutos. O relógio da parede marcava as 18h47. Oiço ainda hoje o tique-taque, como se cada segundo fosse uma facada. Finalmente, consegui sussurrar:
— Como é que foste capaz?
Ela não respondeu. Pegou na mala e saiu, deixando-me sozinha com o som do meu próprio choro. Naquela noite, sentei-me no chão da sala, rodeada de fotografias antigas: férias no Algarve, aniversários, noites de copos em Lisboa. Em todas elas, estávamos juntas. Sempre juntas.
O divórcio com o Miguel tinha sido difícil. Ele tinha-se afastado aos poucos, arranjando desculpas para chegar tarde a casa, para não me tocar, para não falar comigo. Eu achava que era o stress do trabalho, as contas para pagar, a rotina. Nunca imaginei que fosse outra mulher — muito menos a Inês.
Quando finalmente me contou que queria separar-se, senti-me perdida. Tínhamos uma filha pequena, a Leonor, que na altura tinha apenas cinco anos. Tive de ser forte por ela, mesmo quando tudo em mim gritava por ajuda. E foi aí que procurei a Inês. Liguei-lhe vezes sem conta naquela semana fatídica. Mensagens não lidas, chamadas rejeitadas. Só percebi porquê quando ela apareceu em minha casa para me contar tudo.
Os meses seguintes foram um pesadelo. A minha mãe dizia-me para ser forte, para não mostrar fraqueza à Leonor. O meu pai limitava-se a abanar a cabeça e a perguntar como é que eu não tinha visto os sinais. Os meus irmãos evitavam falar do assunto — era como se o divórcio fosse uma doença contagiosa.
No trabalho, tentava manter a compostura. Sou professora numa escola secundária em Almada e os meus alunos notaram logo que algo não estava bem. Um dia, uma aluna perguntou-me:
— Professora Marta, está tudo bem?
Sorri e disse que sim. Mas por dentro sentia-me vazia.
A Inês desapareceu da minha vida como se nunca tivesse existido. Bloqueou-me nas redes sociais, deixou de responder às mensagens. Só soube do casamento dela com o Miguel porque vi uma fotografia no Facebook de uma amiga em comum: estavam os dois de mãos dadas na praia da Costa da Caparica, sorridentes, rodeados de amigos — muitos deles também meus amigos.
Senti uma raiva tão grande que tive vontade de partir tudo à minha volta. Como é possível alguém que te conhece tão bem ser capaz de te magoar assim? Como é possível alguém escolher o amor à amizade?
A Leonor começou a perguntar pelo pai mais vezes. Aos fins-de-semana ia para casa dele e voltava sempre diferente: mais calada, mais distante. Um dia, quando lhe fui buscar, vi a Inês à janela do apartamento deles. Escondeu-se assim que me viu.
— Mãe, porque é que tu e a tia Inês já não falam? — perguntou-me a Leonor no carro.
Engoli em seco.
— Às vezes as pessoas afastam-se, filha. Mas eu estou aqui para ti.
Ela ficou em silêncio o resto do caminho.
As noites eram as piores. Deitava-me na cama e revivia cada momento: as conversas com a Inês até às tantas da manhã, os conselhos dela quando tive medo de engravidar, as gargalhadas partilhadas nos jantares de família. Agora tudo parecia mentira.
Comecei a isolar-me dos outros amigos. Não queria ouvir perguntas nem conselhos vazios. A minha mãe insistia para eu ir à missa com ela aos domingos — dizia que só Deus podia curar feridas assim profundas. Mas eu sentia-me traída até por Deus.
Um dia, recebi uma mensagem inesperada da Inês:
“Preciso de falar contigo.”
O coração disparou. Passei horas a olhar para o telemóvel antes de responder:
“Agora queres falar? Depois de tudo?”
Ela insistiu e acabámos por marcar encontro num café discreto perto do rio Tejo.
Quando chegou, parecia mais velha — ou talvez fosse só o peso da culpa nos ombros dela.
— Marta… — começou ela, mas eu interrompi-a.
— Não quero ouvir desculpas. Só quero saber porquê.
Ela baixou os olhos.
— Senti-me sozinha depois do teu divórcio… O Miguel procurou-me para desabafar… As coisas aconteceram sem darmos conta…
— E achaste justo esconder isso de mim? Roubares-me o marido e depois desapareces?
Ela chorou baixinho.
— Eu não queria magoar-te…
— Mas magoaste! — gritei tão alto que algumas pessoas olharam para nós.
Saí dali sem olhar para trás.
Durante meses tentei reconstruir-me sozinha. Procurei terapia — foi difícil admitir que precisava de ajuda. Comecei a correr ao fim da tarde pela marginal de Almada; sentia o vento no rosto e imaginava que cada passo era um pedaço da dor a ficar para trás.
A Leonor foi crescendo e aprendendo a lidar com as ausências do pai e da Inês na nossa vida quotidiana. Um dia trouxe-me um desenho: éramos só nós duas num jardim cheio de flores.
— Faltam pessoas aqui? — perguntei-lhe.
Ela abanou a cabeça.
— Não mãe. Somos só nós agora.
Chorei nesse dia como há muito não chorava — mas foi um choro diferente: um choro de alívio por perceber que ainda havia amor suficiente entre nós duas para recomeçar.
Hoje olho para trás e vejo uma mulher diferente no espelho: mais forte, mais cautelosa mas também mais aberta ao perdão — não por eles, mas por mim própria.
Às vezes pergunto-me: será possível perdoar uma traição destas? Ou será que certas feridas nunca cicatrizam totalmente? E vocês… já sentiram algo assim?