Portas Fechadas: Sinto-me Estranha na Vida Deles

— Não podes entrar, mãe. A Sofia não está bem hoje. — A voz do meu filho, Miguel, soava cansada, quase envergonhada, enquanto eu segurava um bolo de laranja ainda quente, embrulhado num pano de linho.

Fiquei parada à porta, sentindo o cheiro doce do bolo misturar-se com o ar frio da manhã. Olhei para ele, procurando nos olhos castanhos do meu menino — sempre será o meu menino — algum sinal de ternura, de saudade. Mas ele desviou o olhar, como se a minha presença fosse um incómodo.

— Miguel, já passaram cinco anos desde que entrei nesta casa. Cinco anos! — a minha voz tremeu, mas não cedi. — Só queria tomar um café convosco, ver os meus netos…

Ele suspirou, encostando-se ao batente da porta. — A Sofia está cansada, mãe. O trabalho dela é muito exigente. E as crianças têm atividades… Não é um bom dia.

A porta fechou-se devagar, quase com pena. Fiquei ali, sozinha no patamar, com o bolo nas mãos e o coração apertado. O silêncio do prédio era pesado, como se todos os vizinhos soubessem da minha vergonha.

Desci as escadas devagar, cada degrau mais difícil que o anterior. Lembrei-me de quando o Miguel era pequeno e corria para mim com os joelhos esfolados, a pedir colo. Onde foi parar aquele amor? Onde me perdi?

Cheguei à rua e sentei-me num banco do jardim em frente ao prédio. O sol batia-me no rosto, mas não aquecia nada por dentro. Olhei para o bolo e pensei em deixá-lo ali, para alguém levar. Mas não consegui. Era o meu presente para eles — uma tentativa de aproximação, de mostrar que ainda existo.

O telemóvel vibrou no bolso. Era a minha irmã, Teresa.

— Então, Helena? Já viste os meninos?

— Não… A Sofia não quer visitas. Diz que está cansada.

— Sempre a mesma desculpa! — bufou ela. — Não percebo como o Miguel permite isto.

— Ele mudou, Teresa. Ou talvez fui eu que mudei…

— Tu só queres estar presente! — insistiu ela. — Eles é que são ingratos.

Desliguei sem responder. A verdade é que me sinto culpada. Será que fui uma mãe demasiado controladora? Será que invadi demasiado a vida deles quando casaram? Recordo-me das discussões com a Sofia nos primeiros anos: ela queria fazer tudo à maneira dela — desde a sopa dos bebés até à decoração da casa. Eu só queria ajudar…

Lembro-me de uma tarde em que entrei sem avisar para levar sopa caseira aos netos. A Sofia ficou furiosa.

— Helena, não pode entrar assim! Preciso de privacidade!

— Mas eu só queria ajudar…

— Não pedi ajuda! — respondeu ela, olhos brilhantes de raiva.

Miguel ficou calado nesse dia. E eu saí a chorar.

Desde então, tudo mudou. Os convites rarearam, as chamadas tornaram-se formais e curtas. No Natal passado, nem sequer fui convidada para a ceia. Passei a noite sozinha com o rádio ligado e uma garrafa de vinho barato.

No bairro todos sabem da minha solidão. A dona Amélia do café olha para mim com pena quando peço um galão e uma torrada ao domingo de manhã.

— Então, dona Helena, os netos estão bem?

— Estão… — minto sempre.

Às vezes vejo-os no parque com a Sofia. As crianças correm e riem, mas quando me aproximo, ela agarra-os pela mão e afasta-se discretamente.

Sinto-me invisível na vida deles. Uma sombra do passado que todos querem esquecer.

O meu marido morreu há dez anos. Desde então, dediquei-me ao Miguel e aos netos. A minha vida era cozinhar para eles, costurar roupinhas, contar histórias ao serão. Agora tenho apenas o silêncio das paredes e as fotografias antigas na estante.

Tentei falar com a Sofia várias vezes. Escrevi-lhe cartas que nunca respondeu. Liguei-lhe nos aniversários dos meninos; ela agradeceu friamente e desligou logo depois.

Uma vez encontrei-a no supermercado.

— Sofia… podemos conversar?

Ela olhou-me como se eu fosse uma estranha.

— Não tenho tempo agora, Helena.

Fiquei ali parada entre as prateleiras de arroz e massa, sentindo-me pequena e ridícula.

Pergunto-me todos os dias: onde errei? Será que fui demasiado presente? Será que não soube dar espaço? Ou será apenas ciúme de nora e sogra?

A vizinha do lado diz que as noras hoje em dia querem independência. Que as mães são vistas como intrusas.

Mas eu só queria ser amada. Só queria fazer parte da vida deles.

Na semana passada fiz anos. O Miguel mandou uma mensagem: “Parabéns mãe”. Só isso. Nem uma chamada, nem um bolo dos netos.

Chorei sozinha na cozinha enquanto soprava uma vela espetada num pastel de nata.

Às vezes penso em bater à porta deles outra vez. Mas tenho medo da rejeição. Medo de ouvir o “não” nos olhos do meu filho.

A Teresa diz para eu ser forte, para sair mais de casa, fazer amigas novas no centro de dia. Mas como posso preencher este vazio?

Hoje voltei ao jardim em frente ao prédio deles com o mesmo bolo de laranja nas mãos. Sentei-me no banco e vi os meus netos descerem com a Sofia para irem à escola.

O mais novo olhou para mim e acenou timidamente antes de ser puxado pela mãe.

Senti uma pontada no peito — esperança ou tristeza? Não sei.

Fiquei ali até o sol se pôr, com o bolo intacto no colo e as lágrimas a caírem devagar.

Será que alguma vez vou voltar a ser bem-vinda naquela casa? Será que mereço este afastamento? Ou será apenas o destino das mães portuguesas: dar tudo e acabar sozinhas?

E vocês? Já sentiram esta solidão? Já foram portas fechadas na vida dos vossos filhos?