Fugi da Minha Mãe Tóxica, Mas Caí Numa Armadilha Sem Amor: Ainda Posso Lutar Por Mim?
— Não vais sair daqui vestida assim, Mariana! — O grito da minha mãe ecoou pela casa, cortando o silêncio da manhã como uma faca afiada. Eu tinha 17 anos e, naquele momento, sentia-me mais prisioneira do que nunca. Olhei para o espelho do corredor, tentando ver em mim a mulher que queria ser, mas só via a sombra de uma filha submissa.
— Mãe, é só um vestido. Vou à festa da escola, toda a gente vai… — tentei argumentar, mas sabia que era inútil. Os olhos dela, frios e calculistas, não deixavam espaço para discussão.
— Enquanto viveres debaixo do meu teto, fazes o que eu mando! — Ela virou-me as costas, deixando-me sozinha com a minha raiva e frustração.
Cresci assim: cada passo vigiado, cada escolha questionada. O meu pai morreu cedo, e a minha mãe nunca superou a perda. Descarregava em mim as suas frustrações, controlando tudo — desde as roupas que vestia até os amigos que podia ter. O amor era condicionado, sempre à espera de um erro para ser retirado.
Aos 19 anos, conheci o Ricardo. Ele era dois anos mais velho, trabalhava na padaria do bairro e parecia ser a minha tábua de salvação. Falava-me com doçura, ouvia-me como ninguém. Quando me pediu em namoro, aceitei sem hesitar. Era a minha oportunidade de fugir.
— Mariana, tens a certeza? — perguntou a minha melhor amiga, Sofia, numa tarde de verão, enquanto tomávamos café na esplanada.
— Tenho. Não aguento mais a minha mãe. O Ricardo é diferente. Ele faz-me sentir livre — respondi, tentando convencer-me mais do que a ela.
Casei-me aos 21 anos. A cerimónia foi simples, só com alguns familiares e amigos. A minha mãe não apareceu. Mandou uma mensagem seca: “Fizeste a tua escolha. Agora desenrasca-te.”
No início, o Ricardo era atencioso. Trabalhava muito, mas sempre trazia um pastel de nata para mim ao fim do dia. Mas com o tempo, o silêncio instalou-se entre nós. As conversas tornaram-se monossilábicas, os gestos automáticos. Ele chegava tarde, cansado, e eu sentia-me cada vez mais sozinha.
— O que se passa contigo? — perguntei-lhe uma noite, depois de mais um jantar em silêncio.
— Nada. O trabalho está puxado. Não compliques — respondeu sem me olhar nos olhos.
Tentei animar a casa, sugeri viagens pequenas, convidei amigos. Mas ele recusava tudo. Comecei a sentir que tinha trocado uma prisão por outra. Só que desta vez, não havia gritos — havia indiferença.
Os anos passaram. Tive dois filhos: a Matilde e o Tomás. Eles tornaram-se a minha razão de viver. Fazia tudo por eles: levava-os à escola, ajudava nos trabalhos de casa, inventava brincadeiras para preencher o vazio que sentia dentro de mim.
A minha mãe ligava de vez em quando, só para criticar:
— A Matilde está muito magra. Não sabes alimentar os teus filhos? — dizia ela, sem nunca perguntar como eu estava.
— Estão bem, mãe. Eu faço o melhor que posso — respondia, engolindo as lágrimas.
O Ricardo tornou-se um estranho dentro de casa. Dormíamos em quartos separados há meses. Às vezes, ouvia-o falar ao telemóvel baixinho na varanda. Desconfiei de traição, mas não tinha forças para confrontá-lo. Sentia-me invisível.
Uma noite, depois de deitar as crianças, sentei-me no sofá e chorei baixinho. Senti uma mão pequena no meu ombro. Era a Matilde.
— Mamã, porque estás triste? — perguntou com aqueles olhos grandes e inocentes.
— Não estou triste, filha. Só estou cansada — menti, abraçando-a com força.
Foi nesse momento que percebi: estava a repetir o ciclo da minha mãe. Estava a viver sem amor e a ensinar os meus filhos a fazer o mesmo.
No dia seguinte, decidi procurar ajuda. Fui ao centro de saúde e marquei consulta com uma psicóloga. Chamei-lhe Ana. Ela ouviu-me durante uma hora inteira sem me interromper.
— Mariana, tens direito à tua felicidade. Não tens de viver presa ao passado ou ao medo do futuro — disse ela no final da sessão.
Saí dali com uma mistura de esperança e medo. Comecei a escrever num diário tudo o que sentia. Aos poucos, fui ganhando coragem para falar com o Ricardo.
— Precisamos de conversar — disse-lhe numa noite, depois de pôr as crianças na cama.
Ele olhou-me com surpresa, como se não esperasse que eu ainda tivesse voz.
— O nosso casamento acabou há muito tempo. Estamos juntos porquê? Pelos miúdos? Eles merecem ver os pais felizes, mesmo que seja separados — disse-lhe, sentindo o coração a bater descompassado.
Ele ficou calado durante um longo minuto.
— Não sei viver sozinho — confessou finalmente. — Mas tens razão. Isto não é vida para ninguém.
Decidimos separar-nos de forma civilizada. Foi difícil explicar às crianças, mas tentei ser honesta:
— A mamã e o papá vão viver em casas diferentes, mas vamos continuar a amar-vos muito.
A Matilde chorou; o Tomás ficou em silêncio. Senti-me a pior mãe do mundo naquele momento. Mas sabia que era preciso coragem para quebrar o ciclo.
A minha mãe apareceu em casa dias depois da separação:
— És igual ao teu pai: fraca! Não consegues manter uma família unida! — gritou ela à porta da minha casa nova.
Desta vez, não chorei nem me encolhi.
— Mãe, chega. Eu não sou fraca por escolher ser feliz. E não vou deixar que continues a controlar a minha vida — respondi com firmeza pela primeira vez na vida.
Ela saiu furiosa e nunca mais me ligou.
Os meses seguintes foram duros: noites sem dormir, contas para pagar sozinha, saudades dos filhos quando estavam com o pai. Mas também houve momentos de paz: risos à mesa só nossos, tardes no parque sem pressa, silêncios que já não doíam tanto.
Comecei a estudar à noite para tentar arranjar um emprego melhor. Conheci pessoas novas no curso de enfermagem; fiz amigas que me apoiaram quando mais precisei.
Hoje olho para trás e vejo o quanto cresci. Ainda tenho medo do futuro? Sim. Mas já não deixo que esse medo me paralise.
Às vezes pergunto-me: será que fiz bem? Será que os meus filhos vão entender um dia? Será possível recomeçar depois de tantos anos presa em prisões invisíveis?
E vocês? Já sentiram que estavam a viver a vida de outra pessoa? O que fariam no meu lugar?