“Faz as malas e vem já!” – Como a minha sogra tomou conta da nossa vida

— Faz as malas e vem já! — A voz da Dona Lurdes ecoava do outro lado do telefone, tão autoritária que até o meu coração pareceu parar por um segundo. Olhei para o meu marido, o Miguel, que estava sentado no sofá, de cabeça baixa, como se aquela ordem não lhe dissesse respeito. O nosso filho, o pequeno Tomás, dormia no berço, alheio à tempestade que se formava à nossa volta.

— Não podemos ir agora, mãe. O Tomás ainda está com febre e a Ana está exausta — tentou o Miguel, mas a resposta veio rápida e cortante:

— Se não vêm, eu vou aí! Não quero saber. O menino precisa de cuidados a sério, não dessas modernices que vocês inventam.

Desligou sem esperar resposta. Senti um nó na garganta. Não era a primeira vez que a Dona Lurdes se intrometia, mas desde o nascimento do Tomás, parecia que a nossa casa tinha deixado de ser nossa. Tudo era motivo para críticas: a forma como o vestia, o que lhe dava de comer, até o modo como o embalava ao colo.

— Miguel, não aguento mais — sussurrei, com lágrimas nos olhos. — Sinto-me uma estranha na minha própria casa.

Ele aproximou-se, abraçou-me, mas o abraço dele já não era o mesmo. Havia uma distância, uma hesitação. — Ela só quer ajudar, Ana. Sabes como é a minha mãe…

Mas eu sabia. Sabia demasiado bem. Dona Lurdes era daquelas mulheres que nunca aceitavam um não como resposta. Viúva desde cedo, criou o Miguel e a irmã sozinha, sempre com mão de ferro. Agora, parecia que queria criar o nosso filho também.

Naquela noite, não dormi. Ouvia cada ruído, cada respiração do Tomás, e imaginava a Dona Lurdes a entrar pela porta, a tomar conta de tudo. Quando finalmente adormeci, sonhei que estava presa numa casa cheia de portas, mas todas davam para o mesmo corredor, onde ela me esperava com aquele olhar de reprovação.

Na manhã seguinte, ouvi o intercomunicador tocar. O Miguel foi abrir. Era ela. Entrou sem pedir licença, como sempre, e foi direta ao berço.

— Coitadinho do meu neto… Está tão pálido! — exclamou, pegando no Tomás sem me perguntar nada. — Isto não pode ser. Vou já fazer-lhe um chá de camomila, como fazia ao Miguel. E tu, Ana, devias descansar mais. Olha para ti, estás um caco.

Senti-me pequena, inútil. Tentei protestar, mas ela já estava na cozinha, a dar ordens ao Miguel, a criticar a desarrumação, a dizer que eu não sabia cozinhar.

Os dias passaram assim, com Dona Lurdes a instalar-se cada vez mais. Começou a dormir no sofá, “para ajudar”, dizia ela. Mas eu sabia que era para controlar. O Miguel parecia aliviado por não ter de discutir. Eu sentia-me cada vez mais sozinha.

Uma noite, ouvi-os a falar baixinho na cozinha.

— A Ana não está bem, mãe. Acho que está a ficar deprimida.

— Isso é falta de trabalho! No meu tempo, ninguém tinha tempo para essas coisas. Ela tem é de se pôr direita. E tu, Miguel, não deixes que ela te vire contra mim. Eu só quero o melhor para vocês.

Chorei em silêncio, agarrada ao Tomás. No dia seguinte, tentei falar com o Miguel.

— Preciso que escolhas, Miguel. Ou ela ou eu. Não aguento mais.

Ele ficou em silêncio. O silêncio dele doeu mais do que qualquer palavra.

Comecei a sair de casa com o Tomás, só para respirar. Ia ao jardim, sentava-me no banco e via as outras mães a brincar com os filhos. Sentia inveja delas, da leveza com que riam, da liberdade que pareciam ter. Uma vez, uma senhora idosa sentou-se ao meu lado.

— Está tudo bem, menina?

Desabei. Contei-lhe tudo, como se fosse minha avó. Ela ouviu-me, depois disse:

— Não deixe que ninguém lhe roube o lugar de mãe. Nem sogras, nem maridos. O seu filho precisa de si, não de perfeição.

Voltei para casa com uma coragem nova. Quando entrei, Dona Lurdes estava a dar banho ao Tomás. Fiquei à porta, a vê-la. Ela olhou para mim, com aquele ar de quem sabe tudo.

— Vê-se logo que não tens jeito para isto, Ana. O menino nem chora comigo.

— Basta, Dona Lurdes. — A minha voz saiu mais firme do que esperava. — O Tomás é meu filho. Agradeço a ajuda, mas a partir de agora, as decisões são minhas e do Miguel. Se não respeitar isso, vai ter de sair.

Ela ficou vermelha, depois branca. O Miguel entrou na casa de banho nesse momento. Olhou para mim, depois para a mãe.

— A Ana tem razão, mãe. Temos de fazer isto à nossa maneira.

Dona Lurdes largou o Tomás, saiu da casa de banho e foi arrumar as coisas. Antes de sair, olhou-me nos olhos.

— Um dia vais perceber que só fiz isto por amor.

Quando a porta se fechou, sentei-me no chão e chorei. O Miguel abraçou-me, desta vez com força. — Desculpa, Ana. Devia ter-te defendido antes.

A casa ficou mais silenciosa, mas também mais leve. O Tomás sorriu para mim, como se soubesse que algo tinha mudado.

Hoje, meses depois, ainda tenho medo que tudo volte atrás. Dona Lurdes liga menos, mas ainda tenta controlar à distância. O Miguel e eu estamos a aprender a ser uma equipa. Não é fácil. Às vezes sinto-me culpada, outras vezes livre.

Pergunto-me muitas vezes: será possível agradar a todos sem nos perdermos a nós próprios? Quantas mulheres vivem presas entre o amor à família e o direito à sua própria voz?

E vocês, já sentiram que alguém tentou tomar conta da vossa vida? Como encontraram o vosso lugar?