“Acabou,” Disse Ele. Concordei, Depois Vi-o com a Minha Melhor Amiga

— Então é só isto? — perguntei, sentindo a garganta apertada, enquanto o Rui desviava o olhar para o chão da sala. O cheiro a café frio misturava-se com o silêncio pesado que pairava entre nós. — Vais acabar comigo assim, sem sequer me dizeres porquê?

Ele suspirou, mexendo nervosamente no fecho do casaco. — Não faz sentido continuar, Leonor. Já não somos os mesmos. — A voz dele soava distante, quase como se estivesse a falar de outra pessoa.

— Mas… — tentei argumentar, mas as palavras morreram-me nos lábios. O Rui já não era o rapaz que me fazia rir nas tardes de domingo, nem o cúmplice dos meus sonhos de faculdade. Era um estranho, ali, na minha sala, a desfazer quatro anos de história com meia dúzia de frases.

— Só quero que fiques bem, — murmurou, antes de se levantar e sair, deixando-me sozinha com o eco da porta a fechar-se.

Fiquei ali, sentada no sofá, a olhar para o vazio. O relógio da parede marcava 19h17. O tempo parecia não passar, ou talvez fosse eu que tinha deixado de existir naquele instante. Peguei no telemóvel, hesitei em ligar à Sofia, a minha melhor amiga desde o secundário. Mas algo me travou. Não queria ouvir conselhos, nem frases feitas. Queria apenas silêncio.

Naquela noite, a minha mãe entrou no quarto sem bater. — Leonor, tens de comer qualquer coisa. — A preocupação dela era quase palpável, mas eu só conseguia pensar em como tudo tinha mudado tão depressa.

— Não tenho fome, mãe. — A minha voz saiu rouca, como se tivesse chorado durante horas, mas as lágrimas ainda não tinham caído.

Ela sentou-se ao meu lado, passando-me a mão pelos cabelos. — Sabes, às vezes as pessoas mudam. O importante é não te perderes a ti própria.

Queria acreditar nela, mas sentia-me vazia. Passei os dias seguintes num estado de apatia, arrastando-me entre a faculdade e casa, evitando cruzar-me com o Rui nos corredores. A Sofia mandava mensagens, mas eu não respondia. Não queria falar com ninguém.

Até que, numa sexta-feira à tarde, decidi sair para apanhar ar. Fui até ao Jardim da Estrela, onde costumávamos ir todos juntos. Sentei-me num banco, observando as crianças a brincar, tentando lembrar-me de como era sentir alegria sem esforço.

Foi então que os vi. O Rui e a Sofia, de mãos dadas, a rir como se nada mais existisse. O mundo parou. O sangue gelou-me nas veias. Senti o estômago revirar-se, como se tivesse levado um murro.

— Não pode ser… — murmurei, incapaz de acreditar no que via.

Eles não me viram. Fiquei ali, imóvel, a assistir à cena como se fosse um filme de terror. A Sofia, a minha confidente, a minha irmã de coração, traía-me da forma mais cruel possível. O Rui, o homem que dizia amar-me, já tinha encontrado consolo nos braços dela.

Saí dali a correr, as lágrimas finalmente a escorrerem-me pelo rosto. Cheguei a casa sem saber como. Tranquei-me no quarto, ignorei as chamadas da Sofia e do Rui. Não queria ouvir desculpas, nem justificações.

No dia seguinte, a Sofia apareceu à porta de minha casa. A minha mãe chamou-me, mas eu recusei-me a descer. Ela insistiu, chorou, pediu-me para falar com ela. — Leonor, por favor, deixa-me explicar!

Abri a porta, mas não consegui encará-la. — Não há nada para explicar, Sofia. Escolheste o Rui. Escolheste trair a nossa amizade.

Ela tentou agarrar-me a mão, mas afastei-me. — Eu não queria que fosse assim… — soluçou. — Foi tudo tão rápido, nem sei como aconteceu.

— Sabes sim, — respondi, a voz a tremer de raiva e tristeza. — Sabias o que fazias. E ele também.

Ela chorou, pediu-me perdão, mas eu sentia-me demasiado magoada para perdoar. Fechei-lhe a porta na cara, sentindo o peso de anos de amizade a desmoronar-se.

Os dias seguintes foram um tormento. Na faculdade, os olhares curiosos, os sussurros nos corredores. A minha mãe tentava animar-me, mas eu sentia-me cada vez mais sozinha. O meu pai, sempre ausente, ligou-me uma vez, mas não soube o que dizer. — Vais superar, filha. — Só isso. Como se fosse fácil.

Comecei a faltar às aulas, a fechar-me em casa. A minha irmã mais nova, a Mariana, tentou animar-me com piadas e filmes, mas eu só queria dormir, esquecer. Uma noite, ouvi os meus pais a discutir na cozinha.

— Ela não pode continuar assim, — dizia a minha mãe, aflita. — Está a perder-se.

— Dá-lhe tempo, — respondia o meu pai, mas a voz dele soava cansada, distante.

Senti-me um fardo, um peso na vida de todos. Pensei em desistir da faculdade, em fugir para longe, onde ninguém me conhecesse. Mas a Mariana entrou no meu quarto, sentou-se ao meu lado e disse:

— Sabes, mana, eu também já me senti invisível. Mas tu és a minha heroína. Sempre foste. Não deixes que eles te roubem isso.

As palavras dela tocaram-me mais do que qualquer conselho de adulto. Chorei nos braços dela, pela primeira vez desde tudo aquilo. No dia seguinte, decidi levantar-me. Tomei banho, vesti-me, fui à faculdade. Os olhares ainda estavam lá, mas já não me importavam tanto.

Comecei a sair com colegas que antes ignorava. Descobri novos cafés, novos lugares. Aos poucos, fui reconstruindo-me. O Rui tentou falar comigo, mas recusei. A Sofia escreveu-me uma carta, mas não consegui lê-la. Talvez um dia consiga perdoar, mas ainda não era o momento.

Meses depois, numa festa de aniversário, conheci o Miguel. Era diferente do Rui em tudo: calmo, atento, fazia-me rir sem esforço. Não me apaixonei logo, mas aprendi a confiar de novo, a acreditar que podia ser feliz.

A minha família, aos poucos, voltou a sorrir comigo. A Mariana tornou-se a minha melhor amiga. A dor da traição nunca desapareceu completamente, mas deixou de me definir.

Hoje, olho para trás e pergunto-me: como é possível que as pessoas que mais amamos nos magoem tanto? Será que alguma vez conseguimos perdoar verdadeiramente uma traição assim? E vocês, já passaram por algo semelhante? Como conseguiram seguir em frente?