“Este é o apartamento do meu filho, e tu aqui não és ninguém” – A história que mudou a minha vida

— Este é o apartamento do meu filho, e tu aqui não és ninguém. — As palavras de Dona Amélia ecoaram pela sala como um trovão, gelando-me o sangue nas veias. Eu mal tinha pousado a mala no chão da entrada, ainda com o cheiro do autocarro e da ansiedade colado à pele, quando percebi que aquele não seria o lar acolhedor que imaginei. O Miguel, meu marido há apenas seis meses, olhou-me de relance, envergonhado, mas não disse nada. O silêncio dele doeu-me mais do que as palavras dela.

Naquela noite, deitei-me ao lado do Miguel, mas senti-me sozinha como nunca. O colchão era duro, o quarto pequeno, e o som da televisão da sala — sempre demasiado alto — parecia um lembrete constante de que eu era uma intrusa. “Será que fiz bem em casar-me tão depressa?”, perguntei-me, olhando para o teto manchado de humidade. O Miguel virou-se para mim e murmurou:

— A minha mãe é assim, não ligues. Vai passar.

Mas não passou. No dia seguinte, Dona Amélia já estava à porta do quarto às sete da manhã, a bater com força.

— Aqui não é hotel! Levanta-te, há muito que fazer! — gritou, sem sequer esperar resposta.

Levantei-me, ainda meio zonza, e fui para a cozinha. Ela já estava a preparar o pequeno-almoço para o Miguel, mas para mim nem uma chávena de café. Sentei-me à mesa, tentando sorrir, mas ela lançou-me um olhar de desprezo.

— Não te habitues. O Miguel sempre teve tudo feito por mim. Não preciso de mais uma boca para alimentar.

O Miguel entrou na cozinha, beijou a mãe na testa e sentou-se ao lado dela, como se nada fosse. Senti-me invisível. Tentei puxar conversa, mas ela ignorou-me. O Miguel limitou-se a olhar para o telemóvel.

Os dias passaram assim. Eu procurava emprego, mas Dona Amélia fazia questão de me lembrar, todos os dias, que estava ali de favor. Quando finalmente consegui um trabalho numa loja de roupa no centro de Lisboa, ela comentou:

— Ao menos assim já podes pagar a tua parte da comida.

O Miguel continuava calado. À noite, quando eu tentava desabafar, ele dizia:

— Não percebes que ela é sozinha? Só tem a mim. Tens de ter paciência.

Mas eu já não tinha paciência. Sentia-me sufocada. Comecei a evitar estar em casa. Saía cedo, voltava tarde. No trabalho, as colegas perguntavam-me porque estava sempre tão triste. Eu sorria e dizia que era do cansaço, mas por dentro sentia-me a desmoronar.

Um dia, cheguei a casa e encontrei as minhas roupas atiradas para o corredor. Dona Amélia estava à porta do quarto, braços cruzados.

— Não admito que tragas lixo para casa do meu filho. — apontou para um saco com as minhas coisas do trabalho.

— Não é lixo, são as minhas coisas! — respondi, a voz a tremer.

— Aqui só entra o que eu quero. — disse ela, fria.

O Miguel chegou nesse momento. Olhou para mim, depois para a mãe.

— Não comecem outra vez, por favor. — suspirou.

— Não comecem? — gritei, já sem forças. — Ela trata-me como se eu fosse uma intrusa! E tu não fazes nada!

Ele encolheu os ombros.

— É a casa dela…

Foi nesse momento que percebi: eu nunca teria lugar ali. Não importava o quanto me esforçasse, o quanto tentasse agradar. Para Dona Amélia, eu era sempre a estranha que veio roubar-lhe o filho. Para o Miguel, eu era apenas mais uma preocupação.

Nessa noite, sentei-me na varanda, a olhar para as luzes da cidade. Liguei à minha mãe, em Braga. Ela ouviu-me em silêncio, depois disse:

— Filha, ninguém merece viver assim. Tens de pensar em ti.

Chorei baixinho, para ninguém ouvir. No dia seguinte, tomei uma decisão. Arrumei as minhas coisas, meti-as numa mala e esperei que o Miguel chegasse a casa.

— Vou embora. — disse-lhe, sem rodeios.

Ele olhou para mim, surpreso.

— Vais onde?

— Para casa da minha mãe. Não aguento mais isto. Não aguento a tua mãe, não aguento o teu silêncio.

Ele não tentou impedir-me. Apenas disse:

— Faz o que achares melhor.

Saí do apartamento com o coração apertado, mas também com um estranho alívio. No comboio para Braga, olhei pela janela e senti as lágrimas a correrem-me pelo rosto. Mas eram lágrimas de libertação.

Em casa da minha mãe, fui recebida com um abraço apertado e um prato de sopa quente. Senti-me, finalmente, em casa. Nos dias seguintes, comecei a reconstruir-me. Arranjei trabalho numa pastelaria, voltei a sair com as minhas amigas, voltei a sorrir.

O Miguel ligou-me algumas vezes, mas eu já não tinha vontade de voltar. Percebi que merecia mais. Merecia respeito, merecia amor, merecia paz.

Hoje, olho para trás e vejo aquela rapariga assustada, perdida num apartamento onde nunca foi bem-vinda. E pergunto-me: quantas mulheres vivem assim, presas em relações onde não têm voz nem lugar? Quantas continuam a sacrificar-se por quem nunca as vai valorizar?

Será que é preciso perder tudo para nos encontrarmos a nós próprias? E vocês, já sentiram que tiveram de escolher entre o vosso amor-próprio e o amor dos outros?