“Devolve o vestido — nunca vais caber nele”: sogra, intrigas e uma família que não é minha

— Devolve o vestido, Mariana. Nunca vais caber nele — disse a minha sogra, Dona Lurdes, com aquele sorriso frio que só ela sabia dar. O vestido era simples, azul-escuro, comprado para o casamento da prima do João, meu marido. Eu tinha-o escolhido com tanto cuidado, imaginando como me sentiria bonita naquela noite. Mas ali estava ela, a cortar-me as asas antes mesmo de eu as abrir.

Fiquei parada à porta do quarto de hóspedes, o vestido ainda no cabide. O João estava na sala, a discutir futebol com o pai, alheio ao que se passava. Senti o rosto a arder de vergonha e raiva. Tinha engordado uns quilos nos últimos meses — o stress do trabalho, as noites mal dormidas — mas nunca pensei que alguém da família dele mo atirasse à cara assim.

— Dona Lurdes, eu gosto do vestido — tentei responder, a voz a tremer.

— Gostar não chega, querida. Tens de ser realista. Não queremos constrangimentos na festa, pois não? — Ela ajeitou o cabelo loiro pintado e saiu do quarto como se tivesse acabado de me dar um conselho valioso.

Sentei-me na cama e olhei para o vestido. Lembrei-me da minha mãe, que sempre dizia: “Nunca deixes ninguém dizer-te quem és.” Mas ali, naquela casa cheia de móveis antigos e retratos de família, sentia-me uma intrusa. Desde que casei com o João, há dois anos, nunca consegui sentir-me parte daquela família. Eles eram todos tão unidos… ou talvez apenas bons a fingir.

No jantar, Dona Lurdes fez questão de servir-me menos comida do que aos outros. — Mariana está de dieta — anunciou, piscando o olho ao resto da mesa. O João riu-se, achando graça. O sogro nem olhou para mim. Senti-me pequena, invisível.

Depois do jantar, fui buscar um copo de água à cozinha e ouvi vozes baixas na sala. Encostei-me à porta e ouvi Dona Lurdes a falar com o João:

— Ela não faz esforço nenhum para se integrar. Nem ajuda na cozinha, nem conversa com a família…

— Mãe, ela está cansada do trabalho — respondeu o João, mas sem convicção.

— Trabalho? Todas trabalhamos! Eu trabalhava e nunca deixei de cuidar da casa e da família. Não sei onde foste buscar esta mulher…

Senti um nó na garganta. Voltei para o quarto sem dizer nada. Passei a noite em claro, a pensar se algum dia seria suficiente para aquela família.

No dia seguinte, acordei cedo e fui dar uma volta pelo bairro. Precisava de ar. Passei pela padaria onde costumava ir com a minha mãe antes dela adoecer. Senti saudades dela como nunca. Ela teria sabido o que dizer. Talvez tivesse dito para lutar pelo meu lugar ou para não me importar com a opinião dos outros.

Quando voltei a casa dos sogros, Dona Lurdes estava na cozinha com a cunhada Rosa. Pararam de falar assim que entrei.

— Mariana, vais ajudar-nos a preparar o almoço? — perguntou Rosa, num tom que não admitia resposta.

Passei a manhã a descascar batatas e a ouvir as duas falarem das outras noras da família: “A Carla é tão prendada… A Ana faz uns doces maravilhosos…” Senti que cada palavra era uma comparação silenciosa comigo.

Durante o almoço, Dona Lurdes voltou ao ataque:

— O João sempre gostou de mulheres elegantes… Lembras-te daquela namorada dele do liceu? Como é que ela se chamava mesmo?

O João olhou para mim, desconfortável.

— Mãe, chega — disse ele finalmente.

Mas Dona Lurdes não parou:

— Só quero o melhor para ti, filho. Não quero ver-te infeliz.

Levantei-me da mesa sem dizer palavra e fui fechar-me no quarto. Chorei baixinho para não me ouvirem. Senti-me sozinha como nunca.

À noite, tentei falar com o João:

— Não aguento mais isto… A tua mãe faz-me sentir uma estranha nesta casa.

Ele suspirou:

— Mariana, sabes como ela é… Não vale a pena levares a peito.

— Não levo a peito? João, ela humilha-me à frente de toda a gente! E tu ficas calado!

Ele ficou em silêncio. Percebi que estava sozinho nesta luta.

No domingo à tarde, antes de irmos embora, Dona Lurdes chamou-me ao jardim:

— Mariana, sei que és sensível… Mas nesta família somos diretos. Se queres ser feliz aqui, tens de te esforçar mais. O João merece uma mulher forte.

Olhei-a nos olhos e respondi:

— Talvez o problema não seja eu não ser forte… Talvez seja esta família não saber aceitar quem é diferente.

Ela ficou sem palavras pela primeira vez desde que a conheci.

No carro, a caminho de casa, o João tentou pegar-me na mão. Afastei-a.

— Preciso de pensar — disse-lhe apenas.

Durante semanas evitei falar sobre o assunto. O João tentava agir como se nada tivesse acontecido. Mas eu sentia-me cada vez mais distante dele e da família dele. Comecei a sair mais com as minhas amigas, voltei ao ginásio — não por causa do vestido ou da Dona Lurdes, mas por mim.

Um dia, ao arrumar o armário, encontrei o vestido azul-escuro ainda com a etiqueta. Experimentei-o sozinha em casa. Servia-me perfeitamente. Olhei-me ao espelho e sorri pela primeira vez em muito tempo.

Na festa da prima do João fui com aquele vestido. Quando entrei na sala de festas com ele ao meu lado, senti todos os olhares sobre mim — incluindo o da Dona Lurdes. Ela não disse nada dessa vez. Apenas me olhou de cima a baixo e desviou o olhar.

No fim da noite, enquanto dançava com o João, ele sussurrou:

— Estás linda.

Sorri-lhe mas sabia que havia feridas que não se curam com um elogio ou um vestido bonito.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas mulheres passam pelo mesmo? Quantas vezes deixamos que as palavras dos outros nos definam? Será possível perdoar quando quem mais amamos é quem mais nos magoa?