Casa para o filho, amargura para mim: Entre o divórcio, ciúmes e recomeços

— Não percebo como é que ele pôde fazer isto sem me consultar! — O grito de Patrícia ecoava pela escada do prédio, enquanto eu esperava no patamar com o Luís, a tentar não tremer. O Ricardo, com aquele ar cansado de quem já não sabe como agradar a ninguém, olhava para o chão.

Eu só queria entregar o Luís para o fim de semana. Era suposto ser simples: tocar à campainha, dar-lhe um beijo e desejar-lhe boa estadia com o pai. Mas desde que o Ricardo comprou aquele T2 em Benfica para o nosso filho, tudo se tornou um campo de batalha.

Patrícia nunca me suportou. Sempre achei que era insegurança dela, mas agora, com a compra do apartamento, tornou-se uma obsessão. “Porque é que ele faz tudo pelo Luís? Porque é que não pensa em nós?”, ouvi-a dizer mais de uma vez. E eu ali, no meio do corredor, a sentir-me culpada por algo que nem sequer pedi.

O Luís, com os seus 17 anos, percebe mais do que devia. Finge que não ouve, mas sei que cada palavra fica-lhe cravada no peito. Quando finalmente entra em casa do pai, olha-me de lado e sussurra:

— Mãe, desculpa. Eu não queria isto.

Aperto-lhe a mão e sorrio. “Não tens de pedir desculpa por nada, filho. Vai lá. Aproveita o fim de semana.”

Quando volto para casa, o silêncio pesa. Sento-me no sofá e olho para as fotografias antigas: eu, o Ricardo e o Luís na praia da Nazaré, todos a rir. Como é que tudo se desfez assim?

A Dona Teresa costumava ligar-me todos os domingos. “Filha, como estás? Precisas de alguma coisa?” Era quase uma segunda mãe para mim. Mas desde que o Ricardo se casou com a Patrícia, as chamadas rarearam. No Natal passado, nem sequer me convidaram para a ceia em família. O Luís foi sozinho. Voltou calado.

Uma tarde, enquanto fazia compras no Pingo Doce, encontrei a Dona Teresa junto às frutas.

— Olá, minha querida — disse ela, mas sem aquele brilho nos olhos de antes.

— Olá, Dona Teresa. Está tudo bem?

Ela hesitou antes de responder:

— Sabes… isto tudo está a ser muito difícil para mim também. A Patrícia não gosta que eu fale contigo. Diz que é falta de respeito ao Ricardo.

Senti um nó na garganta. Quis dizer-lhe que não era justo, que sempre a tratei como família. Mas limitei-me a sorrir e a perguntar pelo neto.

— O Luís sente muito a sua falta — disse eu.

Ela baixou os olhos:

— Eu também sinto falta dele… e tua. Mas agora tenho de ter cuidado com o que digo e com quem falo.

Saí do supermercado com as lágrimas a escorrerem-me pela cara. Como é possível perder tanto só porque alguém novo entrou na família?

Os meses passaram e os conflitos aumentaram. O Luís começou a evitar ir à casa do pai. Dizia que estava cansado das discussões entre o Ricardo e a Patrícia.

Uma noite, ele chegou a casa mais cedo do que o combinado. Atirou a mochila para o chão e sentou-se à mesa sem dizer palavra.

— O que se passa? — perguntei.

Ele olhou-me nos olhos:

— A Patrícia disse ao pai que eu só quero saber do dinheiro dele. Que sou igual a ti.

O meu coração parou por um segundo.

— Eu nunca pedi nada ao teu pai — respondi, tentando controlar as lágrimas.

— Eu sei, mãe. Mas ele não disse nada. Ficou calado.

Fiquei ali sentada ao lado dele até adormecer na mesa da cozinha. Passei-lhe uma manta pelos ombros e fui para o quarto chorar em silêncio.

No dia seguinte, recebi uma mensagem do Ricardo: “Podemos falar?”

Encontrei-o num café perto do trabalho dele. Estava mais magro, com olheiras fundas.

— Não sei o que fazer — disse ele assim que me sentei. — A Patrícia está cada vez pior. Diz que eu devia vender o apartamento do Luís e comprar uma casa maior para nós dois.

Olhei-o nos olhos:

— O Luís precisa de estabilidade. Já chega de mudanças na vida dele.

Ele passou as mãos pelo cabelo.

— Eu sei… mas sinto-me preso entre vocês as duas.

Respirei fundo:

— Não estou aqui para te dificultar a vida. Só quero que o nosso filho seja feliz.

Ele assentiu em silêncio. Saí dali com uma sensação estranha: pena por ele, raiva por mim e medo pelo Luís.

As discussões continuaram. A Patrícia começou a enviar-me mensagens anónimas no Facebook: “Aproveitadora”, “Nunca vais ser feliz”… Apaguei-as todas sem responder, mas cada palavra ficava-me gravada na pele como uma queimadura.

O Luís começou a ter más notas na escola. Os professores chamaram-me para uma reunião.

— Ele está distraído, parece triste — disse a diretora de turma.

Tentei explicar sem entrar em detalhes:

— Estamos a passar uma fase complicada em casa…

Ela olhou-me com compaixão:

— Se precisar de ajuda, temos uma psicóloga na escola.

Levei o Luís à psicóloga. No início ele recusou-se a falar. Mas depois de algumas sessões começou a abrir-se:

— Sinto que ninguém me quer — confessou-lhe um dia.

Quando ela me contou isto, senti-me esmagada pela culpa. Será que fiz tudo mal?

Numa noite chuvosa de março, recebi uma chamada da Dona Teresa.

— Preciso de te ver — disse ela com voz trémula.

Encontrámo-nos num banco do jardim da Estrela. Ela estava encolhida dentro do casaco grosso.

— Não aguento mais esta situação — desabafou. — O Ricardo está infeliz, tu estás infeliz e o meu neto está a sofrer.

Olhei-a nos olhos:

— Eu só quero paz para todos…

Ela pegou-me nas mãos:

— Não deixes que esta amargura te consuma. Tens direito a recomeçar.

Nesse momento percebi: estava presa ao passado por medo de magoar ainda mais o Luís. Mas talvez fosse altura de pensar em mim também.

Comecei a sair mais com amigas antigas, voltei a pintar e até aceitei um convite para jantar com o João, um colega do trabalho sempre bem-disposto.

O Luís notou a diferença:

— Estás diferente, mãe…

Sorri-lhe:

— Estou a tentar ser feliz outra vez.

Ele abraçou-me com força:

— Também quero isso para ti.

Hoje olho para trás e vejo tudo o que perdi: uma família unida, uma sogra amiga, um marido companheiro… Mas também vejo tudo o que ganhei: força para recomeçar e coragem para proteger o meu filho acima de tudo.

Às vezes pergunto-me: será possível reconstruir laços partidos? Ou há feridas que nunca saram? E vocês… já sentiram esta dor de perder uma família sem culpa própria?