O Brinde Que Mudou o Meu Casamento – Uma Noite Que Nunca Esquecerei
— Não faças isso, mãe. Por favor, não agora. — Sussurrei, sentindo o suor frio escorrer-me pelas costas, enquanto via a minha mãe levantar-se, copo de vinho na mão, olhos brilhantes de uma emoção que eu não conseguia decifrar.
O salão estava cheio. Os convidados riam, brindavam, dançavam. O cheiro do bacalhau com natas misturava-se ao perfume das flores frescas. Era o meu casamento com o Miguel, o homem que eu amava desde os tempos do liceu. Tudo parecia perfeito, até aquele momento.
A minha mãe, Maria do Carmo, sempre fora uma mulher intensa, mas nunca imaginei que escolheria o meu casamento para expor as feridas da nossa família. Ela ergueu o copo, a voz trémula mas firme:
— Quero fazer um brinde à minha filha, Inês, e ao novo genro, Miguel. Que sejam felizes… e que nunca tenham de esconder nada um do outro, como eu tive de fazer durante tantos anos.
O silêncio caiu sobre a sala. O meu pai, António, olhou-a de esguelha, os lábios cerrados. O Miguel apertou-me a mão debaixo da mesa, mas eu sentia o tremor nos seus dedos.
— Mãe, chega — tentei intervir, mas ela continuou, como se não me ouvisse.
— Inês, tu mereces saber a verdade. Todos merecem. — Ela olhou para mim, depois para o meu pai. — António, está na hora de contares à nossa filha quem é realmente o Miguel para esta família.
Senti o chão fugir-me dos pés. O Miguel largou-me a mão. O meu pai ficou lívido.
— Maria do Carmo, cala-te! — gritou ele, mas já era tarde demais. Os convidados murmuravam, as cabeças viravam-se, os telemóveis começavam a gravar.
A minha mãe chorava agora, mas não parava:
— Inês, o Miguel… ele é teu primo. Filho do teu tio Jorge, aquele que foi para França e nunca mais voltou. O António sabia. Eu soube há poucos meses, mas ele nunca quis contar-te. — A voz dela quebrou-se. — Eu não podia deixar que começasses uma vida baseada numa mentira.
O Miguel olhava para mim, olhos arregalados, a boca entreaberta. Eu sentia-me a sufocar. O salão parecia girar à minha volta. Lembrei-me das histórias que o meu pai contava sobre o tio Jorge, o irmão mais novo que fugira de casa depois de uma discussão violenta. Nunca mais ouvimos falar dele. E agora…
— Isso não pode ser verdade — sussurrei, mas a minha mãe apenas abanou a cabeça.
O meu pai levantou-se de rompante, a cadeira a cair atrás dele.
— Maria do Carmo, já chega! — berrou. — Não estragues a vida da nossa filha por causa dos teus ressentimentos!
Ela virou-se para ele, olhos cheios de raiva e mágoa:
— Eu estragar? Foste tu que estragaste tudo quando escondeste a verdade! — E virou-se para mim. — Inês, perdoa-me. Eu só queria proteger-te.
O Miguel saiu da mesa, tropeçando nas cadeiras. Corri atrás dele, ignorando os olhares, os sussurros, as câmaras dos telemóveis. Encontrei-o no jardim, debruçado sobre a fonte, a respirar com dificuldade.
— Miguel… — toquei-lhe no ombro, mas ele afastou-se.
— Inês, eu não sabia. Juro-te. A minha mãe sempre me disse que o meu pai era um homem qualquer em França. Nunca imaginei… — Ele chorava agora, como uma criança perdida.
— Eu acredito em ti — disse, mas a minha voz soava estranha, distante. — Mas o que é que fazemos agora?
Ele olhou para mim, olhos vermelhos:
— Não sei. Não sei se consigo olhar para o teu pai outra vez. Não sei se consigo olhar para mim próprio.
Voltámos para o salão. Os convidados evitavam-nos o olhar. A minha avó materna chorava baixinho num canto. O meu pai estava encostado à parede, a fumar um cigarro atrás do outro, coisa que não fazia há anos.
A festa acabou ali. Os músicos arrumaram os instrumentos em silêncio. Os empregados recolheram os restos do bolo de noiva, agora intocado. Os meus amigos tentaram consolar-me, mas eu sentia-me anestesiada.
Naquela noite, deitada na cama do hotel, ouvi o Miguel chorar baixinho ao meu lado. Não consegui dormir. Ouvia as palavras da minha mãe a ecoar-me na cabeça: “Nunca tenham de esconder nada um do outro”. Mas como é que se recomeça depois de uma revelação destas?
Nos dias seguintes, a notícia espalhou-se pela vila. As pessoas olhavam para mim com pena, para o Miguel com desconfiança. A minha mãe tentou ligar-me dezenas de vezes, mas eu não atendia. O meu pai desapareceu durante dois dias, só voltou para casa quando a minha avó ameaçou chamar a polícia.
Quando finalmente me sentei com os meus pais, a tensão era palpável.
— Porquê, pai? — perguntei, a voz embargada. — Porquê esconder-me isto?
Ele olhou para mim, olhos cansados:
— Queria proteger-te, filha. O Jorge fez muitas asneiras, deixou-nos numa situação difícil. Quando soube que o Miguel era filho dele, achei que nunca irias saber. Pensei que era melhor assim.
— Melhor para quem? — gritei. — Para ti? Para a tua consciência? E eu? E o Miguel?
A minha mãe chorava em silêncio. O meu pai baixou a cabeça.
— Desculpa, Inês. Só queria o melhor para ti.
O Miguel afastou-se de mim durante semanas. Disse que precisava de tempo para pensar, para digerir tudo aquilo. Eu sentia-me sozinha, traída por aqueles que mais amava.
Os meses passaram. A vila esqueceu-se do escândalo, mas eu não conseguia esquecer. O Miguel voltou a falar comigo, devagarinho, como quem pisa vidro partido.
— Ainda me amas? — perguntou ele uma noite, no café onde nos conhecemos.
Olhei para ele, vi nos seus olhos a mesma dor que sentia em mim.
— Amo. Mas não sei se consigo perdoar tudo isto. Não sei se consigo confiar outra vez.
Ele pegou na minha mão.
— Podemos tentar? Recomeçar?
Suspirei. Não sabia a resposta. Só sabia que a verdade tinha mudado tudo, mas talvez ainda houvesse espaço para o amor.
Hoje, passados dois anos, ainda me pergunto: teria sido melhor viver na ignorância? Ou a verdade, por mais dolorosa que seja, é sempre preferível à mentira? E vocês, o que fariam no meu lugar?