Dois anos depois: Casei-me com um homem divorciado, agora peço o divórcio – A filha dele e os nossos sonhos na T1
— Não é justo, Ricardo! Não é justo comigo, nem contigo, nem com a Inês! — gritei, sentindo a voz embargar-se de lágrimas que já não conseguia conter.
Ele olhou-me, cansado, os olhos fundos de quem já não dorme bem há semanas. O relógio da cozinha marcava quase meia-noite e a luz amarela fazia as paredes da nossa T1 parecerem ainda mais apertadas. Inês dormia no sofá-cama, enrolada na manta dos flamingos, alheia ao mundo dos adultos e das suas dores.
— O que queres que eu faça, Sofia? Ela é minha filha. Não posso simplesmente… — Ricardo hesitou, como se a palavra abandonar lhe queimasse a língua.
— Eu sei! — interrompi, baixando o tom. — Mas também sou tua mulher. E já não aguento viver assim, nesta corda bamba entre ser madrasta e ser invisível.
Dois anos antes, quando aceitei casar-me com Ricardo, sabia que ele trazia uma história. Sabia da ex-mulher, Vera, que nunca perdia uma oportunidade de me lançar olhares de desdém à porta da escola. Sabia da Inês, claro, mas nunca pensei que a nossa vida pudesse ser tão pequena para três corações tão grandes.
No início era tudo paixão. O nosso amor parecia capaz de vencer tudo: o passado dele, as minhas inseguranças, o olhar crítico da minha mãe — “Sofia, vais meter-te nisso? Um homem já feito, com filha e tudo?” — e até o salário curto que nos obrigou a alugar aquela T1 minúscula em Arroios.
Mas depois veio a pandemia, o teletrabalho, os dias intermináveis fechados em casa. E veio a decisão do tribunal: Inês passaria metade do tempo connosco. De repente, o nosso refúgio tornou-se um campo de batalha silencioso. O sofá-cama era cama dela; a mesa da cozinha era o meu escritório improvisado; o quarto era o único lugar onde podíamos discutir sem acordar a criança.
— Mãe, porque é que a Sofia nunca sorri para mim? — ouvi Inês perguntar ao telefone uma noite. Fingi não ouvir, mas aquela pergunta ficou-me cravada no peito como uma farpa.
Ricardo tentava ser justo. Dividia-se entre mim e a filha como quem reparte um pão demasiado pequeno para matar a fome dos dois. Eu tentava ser paciente, mas cada vez que via os desenhos da Inês colados na porta do frigorífico sentia-me uma intrusa na minha própria casa.
— Sofia, ela é só uma criança… — dizia ele.
— E eu? Eu sou só uma mulher que queria ser feliz contigo! — respondia eu, já sem forças para esconder o ressentimento.
As discussões tornaram-se rotina. Pequenas coisas ganhavam proporções gigantescas: a loiça por lavar, os brinquedos espalhados pela sala, o barulho dos desenhos animados quando eu precisava de silêncio para trabalhar. Uma noite, depois de mais uma discussão sobre quem ficava com a casa de banho primeiro de manhã, sentei-me no chão da cozinha e chorei baixinho para não acordar ninguém.
A minha mãe dizia-me ao telefone:
— Sofia, tu não tens de carregar o mundo às costas. Se não és feliz, sai daí enquanto é tempo.
Mas sair parecia tão difícil quanto ficar. Amava Ricardo. Amava-o com aquela intensidade irracional que nos faz acreditar que tudo é possível. Mas também me sentia cada vez mais sozinha ao lado dele.
A gota de água foi um domingo à tarde. Vera apareceu sem avisar para buscar Inês mais cedo. Entrou em casa como se ainda fosse dela e lançou-me aquele olhar gelado:
— Espero que esteja tudo bem aqui para a minha filha…
Senti-me humilhada. Ricardo não disse nada. Limitou-se a baixar os olhos e ajudar Inês a vestir o casaco.
Depois disso, comecei a evitar chegar cedo a casa. Ficava horas no café da esquina só para não ter de enfrentar aquele ambiente pesado. As noites tornaram-se longas e frias. Ricardo tentava conversar comigo:
— Sofia, por favor… Não desistas de nós.
Mas eu já estava cansada de lutar sozinha.
Na última noite antes de tomar a decisão final, sentei-me ao lado dele na cama:
— Ricardo… Eu amo-te. Mas isto não está a resultar. Não sou feliz assim. E tu também não pareces feliz.
Ele ficou em silêncio durante muito tempo. Depois abraçou-me como quem se despede de um sonho.
No dia seguinte fui ao advogado e pedi o divórcio.
Agora estou aqui, sentada no mesmo café onde tantas vezes procurei refúgio. Olho para trás e pergunto-me: onde é que errámos? Será que o amor chega quando a vida se torna demasiado apertada? Ou será que há sonhos que simplesmente não cabem numa T1?
E vocês? Já sentiram que o amor não chega para vencer as dificuldades do dia-a-dia?