Quando o Meu Filho Me Ligou: A Verdade Sobre a Minha Ex-Sogra Que Nunca Quis Ouvir
— Mãe, tens de vir cá. É urgente.
A voz do meu filho, o Miguel, tremia do outro lado da linha. Era uma manhã fria de fevereiro, e eu estava a tentar ignorar o vazio da casa desde que o divórcio se tornou definitivo. O telefone tocou com aquela insistência que só as más notícias têm. O Miguel nunca me ligava assim, a não ser que algo estivesse realmente errado.
— O que se passa, filho? — perguntei, já com o coração aos saltos.
— É a avó… a avó Teresa. Ela caiu. Está no hospital. O pai está em Lisboa, não consegue vir. Preciso de ti aqui.
A avó Teresa. A minha ex-sogra. A mulher que durante vinte anos foi a sombra dos meus dias, o espinho cravado na minha relação com o António, o meu ex-marido. Quantas vezes desejei nunca mais ouvir falar dela? E agora, ali estava eu, a calçar os sapatos à pressa, a tentar não pensar no passado, só no Miguel, no medo dele.
O caminho até ao hospital de Santa Maria parecia interminável. O trânsito, as buzinas, o céu cinzento — tudo conspirava para me fazer voltar para trás. Mas o rosto do Miguel, aos oito anos, quando me pediu para não discutirmos mais à mesa de Natal, assombrava-me. Ele merecia mais do que as nossas guerras silenciosas.
Quando cheguei ao hospital, encontrei o Miguel sentado num banco de plástico, com as mãos entrelaçadas e os olhos vermelhos.
— Mãe… — levantou-se e abraçou-me com força. — Ela está lá dentro. Dizem que partiu o fémur. Está muito confusa.
Sentei-me ao lado dele, sem saber o que dizer. O silêncio entre nós era pesado, cheio de tudo o que nunca dissemos sobre aquela mulher. Lembrei-me das vezes em que a Teresa me criticou por tudo: pela forma como vestia o Miguel, pelo jantar que preparei no aniversário do António, por ter voltado a trabalhar quando ele ainda era pequeno.
— Queres que vá vê-la? — perguntei, quase num sussurro.
O Miguel assentiu. — Ela perguntou por ti. Não sei porquê.
Entrei no quarto devagar, como quem entra numa igreja abandonada. A Teresa estava deitada, pálida, com os olhos perdidos no tecto. Quando me viu, sorriu de um jeito estranho, como se não acreditasse.
— Ana… vieste mesmo.
A voz dela era fraca, mas havia ali uma ternura que nunca lhe conheci. Sentei-me ao lado da cama, sem saber onde pôr as mãos.
— O Miguel pediu-me — respondi, seca.
Ela riu-se baixinho. — Sempre foste directa. Gosto disso em ti, embora nunca tenha dito.
Ficámos em silêncio durante um tempo que pareceu uma eternidade. O cheiro a desinfectante misturava-se com as memórias amargas dos nossos confrontos.
— Sabes, Ana… — começou ela, olhando para as mãos magras — sempre tive medo de perder o meu filho. Quando o António te trouxe para casa, vi logo que eras diferente. Independente. Forte. E eu… eu sentia-me tão pequena ao pé de ti.
Fiquei sem palavras. Nunca imaginei ouvir aquilo da boca dela. Sempre pensei que o seu desprezo era puro ódio, nunca medo.
— Não sabia disso — murmurei.
Ela sorriu, com lágrimas nos olhos. — Nunca te pedi desculpa por tudo o que disse e fiz. Agora já é tarde para muita coisa, mas não para isso.
Senti um nó na garganta. Lembrei-me das noites em que chorei sozinha na casa de banho, depois de mais uma discussão com o António por causa dela. Lembrei-me do dia em que decidi sair de casa, porque já não aguentava mais ser a vilã da história dela.
— Não sei se consigo perdoar tudo — confessei.
Ela fechou os olhos e respirou fundo. — Não te peço isso. Só queria que soubesses que nunca foi por ti. Foi pelo medo de ficar sozinha.
Saí do quarto com o coração pesado. O Miguel olhou para mim, ansioso.
— Falaste com ela?
Assenti. — Falámos. Disse-me coisas que nunca pensei ouvir.
Ele sorriu, aliviado. — Ainda bem que vieste, mãe.
Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções. A Teresa precisava de cuidados e o António continuava ausente, sempre com desculpas de trabalho. O Miguel dividia-se entre a faculdade e o hospital, e eu acabei por ser arrastada para aquela rotina de visitas, conversas e silêncios desconfortáveis.
Uma tarde, enquanto lhe dava sopa à boca, ela olhou para mim com uma expressão séria.
— Ana, preciso pedir-te um favor.
Suspirei, já à espera do pior.
— Se eu não sair daqui… cuida do Miguel. Ele precisa de ti mais do que do pai.
Fiquei gelada. — Não digas isso. Vais recuperar.
Ela abanou a cabeça. — Não sei se quero recuperar. Estou cansada. Só quero paz.
Nesse momento percebi que a Teresa era só uma mulher assustada, envelhecida pelos próprios medos e solidão. Pela primeira vez senti compaixão por ela.
Na semana seguinte, o António apareceu finalmente no hospital. Entrou no quarto como se fosse um estranho.
— Ana… Miguel… — cumprimentou-nos com um aceno frio.
A Teresa olhou para ele e depois para mim.
— António, preciso falar contigo e com a Ana. Sozinhos.
O Miguel saiu do quarto contrariado. Ficámos os três em silêncio até ela falar:
— António, falhei contigo como mãe. E falhei com a Ana como sogra. Mas agora quero pedir-vos uma coisa: não deixem que o Miguel cresça com este peso nas costas. Sejam melhores do que eu fui.
O António olhou para mim, desconfortável. — Não percebo onde queres chegar, mãe.
Ela sorriu tristemente. — Quero paz na família. Quero que se perdoem.
Saí do hospital naquele dia com uma sensação estranha de alívio e tristeza. O António e eu trocámos poucas palavras no carro. Quando chegámos a casa dele para buscar umas roupas do Miguel, ele finalmente falou:
— Achas que algum dia vamos conseguir perdoar tudo?
Olhei para ele e vi o mesmo rapaz inseguro que conheci há vinte anos.
— Não sei, António. Mas talvez possamos tentar.
As semanas passaram e a Teresa foi piorando. No último dia dela, estávamos todos ao lado da cama: eu, o António e o Miguel. Ela apertou-me a mão e sussurrou:
— Obrigada por teres vindo.
Chorei como há muito não chorava. Não só por ela, mas por tudo o que ficou por dizer e por fazer.
Agora, sentada na sala vazia da minha casa, penso em tudo isto e pergunto-me: quantas vezes deixamos o orgulho falar mais alto do que o amor? Será que é possível recomeçar quando o passado pesa tanto? Gostava de saber o que vocês fariam no meu lugar.