Porque Nunca Mais Quero Tomar Conta do Meu Neto: Um Dia de Lágrimas e Revelações

— Mãe, por favor, só hoje. O Tomás está doente e eu não posso mesmo faltar ao trabalho. — A voz da minha filha, Inês, tremia do outro lado da linha. Senti o peso do pedido antes mesmo de responder. O relógio marcava sete da manhã e eu ainda mal tinha tomado o pequeno-almoço.

Olhei para a chávena de café, as mãos a tremerem ligeiramente. Não era só cansaço; era medo de não estar à altura, de falhar mais uma vez. Desde que o meu marido morreu, há três anos, sinto-me cada vez mais sozinha e vulnerável. Mas como dizer não à minha filha? Como explicar-lhe que o meu corpo já não aguenta correr atrás de uma criança de cinco anos, ainda por cima doente?

— Está bem, Inês. Trá-lo cá — respondi, tentando esconder a hesitação.

Meia hora depois, Inês entrou em casa com o Tomás ao colo. O menino estava pálido, os olhos semicerrados, a respiração pesada. Inês pousou-o no sofá e olhou-me com uma expressão de culpa misturada com alívio.

— Obrigada, mãe. Eu volto assim que sair do trabalho. — Beijou-me na testa e saiu apressada, sem olhar para trás.

Fiquei sozinha com o Tomás. Sentei-me ao lado dele e passei-lhe a mão pela testa. Estava quente como um forno.

— Avó… dói-me a barriga — murmurou ele.

O meu coração apertou-se. Fui buscar um termómetro e medi-lhe a febre: 38,7ºC. Dei-lhe um pouco de água e tentei distraí-lo com desenhos animados, mas ele só queria dormir. Sentei-me ao lado dele e fiquei a observá-lo, lembrando-me de quando a Inês era pequena e eu fazia tudo sozinha porque o meu marido estava sempre a trabalhar.

As horas passaram devagar. O Tomás choramingava de vez em quando, chamando pela mãe. Eu sentia-me impotente. Liguei à Inês para perguntar se podia dar-lhe paracetamol.

— Mãe, faz como achares melhor — respondeu ela, apressada. — Eu confio em ti.

Mas será que confia mesmo? Ou será que só me procura quando precisa? Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Lembrei-me das vezes em que pedi ajuda à Inês depois da morte do pai dela e ela nunca tinha tempo. Agora era eu quem não tinha tempo nem forças.

Ao meio-dia, tentei dar sopa ao Tomás, mas ele recusou-se a comer. Começou a chorar alto, gritando pela mãe. Senti-me desesperada.

— Tomás, por favor… a avó está aqui… — tentei acalmá-lo, mas ele empurrou-me e atirou a tigela ao chão.

O barulho da loiça partida ecoou pela casa como um trovão. Senti as lágrimas a subir-me aos olhos. Fui buscar a vassoura e comecei a limpar os cacos enquanto o Tomás soluçava no sofá.

Foi então que ouvi o telemóvel a vibrar: uma mensagem da minha irmã, Teresa.

“Ainda vais ao médico hoje? Não te esqueças do teu exame!”

Tinha-me esquecido completamente da consulta marcada para aquela tarde. O médico já me tinha avisado que não podia faltar; andava preocupada com umas dores no peito há semanas. Mas agora não podia sair de casa com o Tomás doente.

Senti-me encurralada entre as necessidades da minha filha e as minhas próprias fragilidades. Liguei à Inês outra vez.

— Inês, preciso mesmo de ir ao médico hoje à tarde…

— Mãe, não posso sair agora! Faltam-me dois clientes importantes! Não podes remarcar?

— Não é assim tão simples…

— Por favor, mãe! Aguenta só mais umas horas! — E desligou.

Fiquei ali parada, com o telemóvel na mão e uma sensação de abandono a crescer dentro de mim. Lembrei-me de todas as vezes em que pus os outros à frente de mim própria: o marido, os filhos, agora o neto. E eu? Quem cuida de mim?

O Tomás adormeceu finalmente no sofá. Sentei-me na poltrona ao lado dele e deixei as lágrimas correrem livremente pelo rosto. Senti uma dor antiga no peito — não física, mas emocional — como se todas as mágoas guardadas durante anos viessem à tona naquele momento.

De repente ouvi a chave na porta. Era o meu filho mais velho, Miguel.

— Mãe? Está tudo bem?

Olhei para ele com olhos vermelhos.

— Não está nada bem, Miguel… Sinto-me exausta… A Inês pediu-me para ficar com o Tomás mas eu também preciso de cuidar de mim…

Miguel sentou-se ao meu lado e pegou-me na mão.

— Mãe… tu tens de aprender a dizer não à Inês. Ela abusa da tua boa vontade há anos…

— Ela é minha filha…

— E tu és nossa mãe! Também tens direito a descanso! — disse ele, quase zangado.

Ouvimos o Tomás tossir no sofá. Miguel foi buscar um copo de água para ele enquanto eu tentava recompor-me. Pela primeira vez em muitos anos senti que alguém via realmente o meu sofrimento.

Quando Inês chegou ao final do dia, encontrou-me sentada à mesa da cozinha com Miguel.

— Então? Como correu? — perguntou ela sem olhar para mim.

Miguel levantou-se primeiro:

— Correu mal, Inês. A mãe está exausta e tu nem sequer perguntas como ela está… Só pensas no teu trabalho!

Inês olhou para mim surpreendida:

— Mãe… desculpa… Eu só queria resolver tudo…

— Eu sei — respondi baixinho — mas eu também preciso de ajuda às vezes… Não sou indestrutível.

O silêncio caiu sobre nós como um manto pesado. Inês começou a chorar baixinho e abraçou-me com força.

— Desculpa, mãe… prometo que vou tentar estar mais presente…

Miguel olhou para nós duas e suspirou:

— A família devia ser apoio mútuo… não só quando dá jeito.

Naquela noite fiquei muito tempo acordada a pensar em tudo o que se passou. Percebi que durante anos fui prisioneira das expectativas dos outros — e das minhas próprias culpas por querer ser sempre forte. Mas talvez amar também seja saber impor limites.

Agora pergunto-me: quantas avós há por aí que se sentem assim? Quantas mulheres carregam sozinhas o peso da família sem nunca serem vistas? Será que chegou a minha vez de pedir ajuda?