Resolvi Tratar o Meu Filho e a Minha Nora Como Eles Me Tratam: Um Retrato de Respeito e Desilusão
— Mãe, podes vir cá a casa ficar com a Leonor? A Sofia está doente, eu tenho de ir trabalhar e não temos mais ninguém — suplicou o Miguel ao telefone, a voz carregada de urgência.
Olhei para o relógio. Eram seis e meia da manhã. O céu ainda nem tinha clareado. Senti o coração apertar, mas não pela preocupação com a minha neta ou com a doença da Sofia. Era um aperto diferente, uma mistura de cansaço e mágoa. Quantas vezes já tinha largado tudo para acudir ao chamado deles? Quantas vezes me tinham agradecido verdadeiramente?
Respirei fundo, tentando afastar as lágrimas que ameaçavam cair. — Desculpa, Miguel, mas hoje não posso. Tenho consulta no centro de saúde e depois preciso ir ao supermercado. Também tenho a minha vida, sabes?
Do outro lado, silêncio. Depois, uma resposta fria: — Está bem, mãe. Não faz mal.
Desliguei o telefone com as mãos a tremer. Sentei-me à mesa da cozinha, onde o cheiro do café acabado de fazer me envolvia como um abraço antigo. Olhei para as fotografias na parede: Miguel em pequeno, com os joelhos esfolados e um sorriso maroto; Sofia no dia do casamento, radiante; Leonor ainda bebé, nos meus braços. Senti uma pontada no peito. Quando foi que deixei de ser importante para eles? Quando foi que passei a ser apenas uma solução de recurso?
Lembrei-me do Natal passado. Tinha passado horas a preparar o bacalhau, os sonhos e as rabanadas. Sofia chegou tarde, com ar aborrecido, e passou metade da noite ao telemóvel. Miguel mal olhou para mim. Leonor brincava sozinha no tapete da sala. No fim da noite, agradecimentos apressados e um “até para o ano” dito sem olhar nos olhos.
A verdade é que sempre fui aquela mãe que dizia sim. Sim aos pedidos de última hora, sim aos favores, sim aos sacrifícios. Quando o Miguel era pequeno e o pai nos deixou, fui mãe e pai ao mesmo tempo. Trabalhei em dois empregos para lhe dar tudo o que podia. Nunca me queixei. Mas agora… agora sentia-me invisível.
Na semana anterior, tinha feito anos. Esperei por uma chamada, uma mensagem, qualquer coisa. Só à noite recebi um “Parabéns, mãe” seco no WhatsApp. Nem uma visita, nem um bolo comprado à pressa no supermercado.
Levantei-me da cadeira e fui até à janela. Lá fora, os vizinhos começavam a sair para o trabalho. A dona Amélia acenou-me do outro lado da rua.
— Então, D. Teresa! Já vai às compras tão cedo?
Sorri-lhe sem vontade.
— Vou sim, Amélia. Hoje tenho consulta também.
— Olhe que faz muito bem em cuidar de si! Os filhos crescem e esquecem-se das mães… — disse ela com um sorriso triste.
As palavras dela ecoaram dentro de mim. Era isso mesmo: esquecimento. Não era só falta de tempo ou de jeito; era desinteresse.
Nesse dia decidi: ia começar a tratar o Miguel e a Sofia como eles me tratavam a mim. Não por vingança, mas por respeito próprio.
Durante as semanas seguintes, recusei convites apressados para ficar com a Leonor quando lhes dava jeito. Quando me ligavam à última da hora para pedir alguma coisa — “Mãe, podes passar cá por casa trazer pão?”, “Mãe, podes ir buscar a Leonor à escola?” — respondia sempre com um educado “Hoje não posso” ou “Tenho outros planos”.
No início, Miguel ficou surpreendido.
— O que se passa contigo ultimamente? — perguntou-me um dia ao telefone.
— Nada de especial. Só decidi cuidar mais de mim — respondi.
Do outro lado ouvi um suspiro impaciente.
— Mas precisamos mesmo da tua ajuda…
— E eu precisei tantas vezes da vossa companhia e nunca vieram — atirei sem pensar.
Silêncio.
A partir daí começaram as conversas difíceis em família. Sofia ligou-me num domingo à tarde:
— Teresa, está tudo bem consigo? O Miguel diz que anda diferente…
— Está tudo bem, Sofia. Só estou cansada de ser sempre eu a dar sem receber nada em troca.
Ela ficou calada durante uns segundos.
— Não sabia que se sentia assim…
— Pois não sabias porque nunca perguntaste — respondi, sentindo-me finalmente capaz de dizer aquilo que me magoava há anos.
Nessa noite chorei sozinha na cama. Não era fácil ser dura com eles. Mas também não era fácil continuar a ser tratada como uma empregada sem salário nem reconhecimento.
O tempo foi passando e as coisas começaram a mudar devagarinho. Miguel apareceu em minha casa num sábado de manhã com um bolo na mão.
— Trouxe-te pequeno-almoço — disse ele, meio envergonhado.
Sentei-me com ele à mesa e conversámos como há muito não fazíamos.
— Mãe… desculpa se te magoei. Eu e a Sofia andamos tão ocupados…
— Eu sei que têm as vossas vidas, Miguel. Mas eu também tenho sentimentos. Não sou só vossa mãe; sou uma pessoa inteira.
Ele baixou os olhos.
— Prometo tentar estar mais presente.
A partir daí começaram a convidar-me para almoços em família sem ser só para pedir favores. Sofia começou a ligar-me só para conversar ou perguntar como estava o meu dia. Leonor vinha passar tardes comigo só porque sim — não porque era preciso babysitting.
Mas nem tudo ficou perfeito. Houve discussões pelo caminho.
Uma vez, quando recusei ficar com Leonor porque ia sair com amigas para ir ao teatro, Sofia ficou ofendida:
— Mas quem é que vai ficar com ela então? — perguntou num tom ríspido.
— Não sei, Sofia. Hoje é o meu dia — respondi calmamente.
Ela bufou do outro lado da linha:
— Nunca pensei que fosse tão egoísta…
Respirei fundo antes de responder:
— Egoísmo é esperar sempre tudo dos outros sem dar nada em troca.
Depois disso passou-se quase um mês sem me falarem direito. Doeu-me mais do que queria admitir. Mas mantive-me firme na decisão de não voltar atrás.
Foi preciso tempo até perceberem que eu não estava zangada; estava apenas cansada de ser desvalorizada.
No aniversário seguinte recebi flores e um almoço feito por eles em minha casa. Pela primeira vez em muitos anos senti-me verdadeiramente vista e apreciada.
Hoje olho para trás e percebo que foi preciso coragem para mudar o rumo das coisas. Se não tivesse dito basta, continuaria presa naquele ciclo de dar sem receber nada em troca.
Às vezes pergunto-me: quantas mães há por aí presas neste papel invisível? Quantas continuam a dar até não terem mais nada para si próprias?
E vocês? Já sentiram que precisavam de ser respeitados pelos vossos filhos — ou pelos vossos pais? O que fariam no meu lugar?