Amor Sob Ataque: Quando Disseram Que a Andreia Não Era Bonita o Suficiente Para Mim

— Diogo, tu mereces alguém melhor. — A voz da minha mãe ecoava pela sala, fria e cortante, enquanto eu olhava para as minhas mãos, incapaz de encará-la nos olhos. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com a tensão no ar. O relógio da parede marcava sete da tarde, mas parecia que o tempo tinha parado naquele instante.

— Mãe, por favor… — tentei começar, mas ela interrompeu-me com um gesto brusco.

— Não me peças para fingir que está tudo bem. Toda a gente comenta, Diogo! Os teus amigos, os vizinhos… até a tua tia Lurdes me ligou ontem! Dizem que a Andreia não é bonita para ti. Que tu podias ter escolhido melhor.

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Como é que podiam reduzir a Andreia — a mulher mais generosa e inteligente que conheci — ao seu aspeto físico? Lembrei-me do primeiro dia em que a vi, na biblioteca municipal de Setúbal, com os cabelos castanhos presos num coque desajeitado e os olhos brilhantes por detrás dos óculos. Tinha um sorriso tímido, mas quando falava sobre livros, parecia iluminar toda a sala.

— Mãe, eu amo a Andreia. — A minha voz saiu mais firme do que esperava. — E não me interessa o que dizem.

Ela suspirou, exasperada, e saiu da sala, deixando-me sozinho com os meus pensamentos. Senti-me esmagado entre dois mundos: o da minha família tradicional, sempre preocupada com as aparências, e o da Andreia, onde tudo era simples e verdadeiro.

Quando contei à Andreia sobre os comentários, ela ficou em silêncio durante uns segundos longos demais.

— Achas que eles têm razão? — perguntou-me, com a voz embargada.

— Claro que não! — respondi de imediato, mas vi nos seus olhos uma sombra de dúvida.

A partir desse dia, as coisas mudaram. Andreia começou a evitar sair comigo em público. Recusava convites para jantares de família e até deixou de publicar fotografias nossas nas redes sociais. Eu tentava animá-la, mas sentia-a cada vez mais distante.

Uma noite, depois de um jantar silencioso, ela explodiu:

— Não aguento mais isto, Diogo! Sinto-me julgada em todo o lado. Até na mercearia do senhor Joaquim ouvi duas mulheres a cochicharem sobre mim!

Abracei-a com força, mas ela afastou-se.

— Se calhar devias mesmo ter escolhido outra pessoa… alguém de quem a tua família gostasse.

Essas palavras doeram mais do que qualquer comentário alheio. Passei horas acordado nessa noite, a olhar para o teto do nosso pequeno apartamento em Almada. Perguntei-me se tinha feito mal em contar-lhe tudo. Se devia ter protegido mais o nosso espaço.

No dia seguinte, decidi enfrentar os meus pais. Cheguei a casa deles sem avisar. O meu pai estava sentado na varanda, a ler o jornal.

— Pai, preciso de falar contigo.

Ele pousou o jornal e olhou-me com aquele olhar sério que sempre me intimidou em criança.

— O que se passa?

— Porque é que ninguém consegue aceitar a Andreia? Ela faz-me feliz! Não percebem isso?

O meu pai suspirou.

— Sabes como é esta terra, filho. As pessoas falam…

— Mas porque é que têm de falar? Porque é que não podem simplesmente ficar felizes por mim?

Ele encolheu os ombros.

— Porque são invejosos. Porque têm medo do diferente. Mas se tu amas mesmo essa rapariga… então luta por ela.

Essas palavras ficaram comigo durante dias. Decidi organizar um jantar em nossa casa e convidei toda a família. Andreia hesitou, mas acabou por aceitar.

Na noite do jantar, Andreia estava nervosa. Vesti-lhe o vestido azul que ela tanto gostava e tentei animá-la:

— Vais ver que vai correr bem.

Quando os meus pais chegaram, senti o ambiente pesado. A minha mãe mal olhou para Andreia. Durante o jantar, os comentários passivo-agressivos não pararam:

— A comida está… diferente — disse a minha tia Lurdes, torcendo o nariz ao arroz de pato da Andreia.

Andreia sorriu timidamente e baixou os olhos. Eu sentia-me impotente.

Depois do jantar, fui ter com a minha mãe à cozinha.

— Porque é que fazes isto? — perguntei-lhe em voz baixa.

Ela olhou para mim com lágrimas nos olhos.

— Só quero o melhor para ti…

— O melhor para mim é estar com quem amo! — respondi, já sem conseguir conter as lágrimas.

Nessa noite, Andreia chorou nos meus braços. Disse-me que não sabia se conseguia continuar assim. Que sentia que nunca seria suficiente para a minha família ou para os meus amigos.

Os dias seguintes foram um tormento. No trabalho, sentia os olhares dos colegas quando falavam sobre mim nas costas. No café da esquina, ouvi um grupo de rapazes a fazer piadas sobre “o Diogo e a feiosa”. Cada comentário era uma facada no peito.

Comecei a evitar sair de casa. Andreia fechou-se ainda mais no seu mundo. A nossa relação estava por um fio.

Foi então que recebi uma mensagem inesperada da minha irmã mais nova, Mariana:

“Diogo, desculpa tudo o que tens passado. Queres vir dar uma volta comigo?”

Aceitei o convite e fomos até à praia da Costa da Caparica. Sentámo-nos na areia fria e ouvimos o mar durante algum tempo em silêncio.

— Sabes… eu admiro-te — disse ela finalmente. — Por lutares pelo teu amor. Eu própria já sofri com comentários por causa do meu namorado…

Olhei para ela surpreendido. Nunca tinha pensado nisso.

— Não deixes que ninguém vos afaste — continuou Mariana. — O amor não tem nada a ver com aparência.

Aquelas palavras deram-me força para voltar para casa e falar abertamente com Andreia.

— Chega! — disse-lhe assim que entrei pela porta. — Não podemos deixar que os outros destruam aquilo que temos. Eu amo-te tal como és! E se for preciso afastar-nos de todos para sermos felizes… então vamos fazê-lo!

Andreia olhou para mim com lágrimas nos olhos, mas desta vez eram lágrimas de alívio.

A partir desse dia decidimos mudar de vida: procurámos um novo emprego noutra cidade e começámos do zero em Aveiro. Longe dos olhares e dos comentários maldosos, voltámos a encontrar-nos um ao outro. Fizemos novos amigos, pessoas que nos aceitavam tal como éramos.

O tempo passou e as feridas foram sarando devagarinho. A relação com a minha família nunca mais foi igual, mas aprendi a pôr limites e a proteger aquilo que realmente importa: o nosso amor.

Hoje olho para trás e pergunto-me: quantas pessoas desistem do amor por causa do preconceito dos outros? Quantas vidas são destruídas por palavras cruéis? Será que algum dia vamos aprender a ver além das aparências?