Quando o Coração Bate em Dobro: O Drama dos Meus Filhos Gémeos
— Mãe, porque é que o Tomás não está a respirar direito? — perguntou a minha filha mais velha, Inês, com os olhos arregalados de medo, enquanto eu tentava acalmar o choro dos meus gémeos recém-nascidos.
O quarto estava mergulhado numa luz pálida de fim de tarde, mas dentro de mim tudo era escuridão. O Tomás, tão pequeno, tão frágil, arfava como se cada respiração fosse uma batalha. O Rodrigo, ao lado dele, dormia tranquilo — ou assim parecia. O meu marido, João, entrou no quarto com um ar cansado e preocupado.
— Marta, achas que devemos ligar à Saúde 24? — perguntou ele, tentando esconder o pânico na voz.
— Não sei, João. Não sei! — gritei, já com as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto. — Eles nasceram tão saudáveis… porque é que isto está a acontecer?
Naquela noite, não dormi. Fiquei sentada entre os berços, a vigiar cada movimento dos meus meninos. O Tomás piorou. O seu peito subia e descia de forma irregular e os lábios começaram a ficar azulados. Peguei nele nos braços e corri para o carro. O João agarrou no Rodrigo e seguimos para o Hospital de Santa Maria.
Na urgência, tudo aconteceu depressa demais. Médicos e enfermeiros rodearam-nos, perguntas rápidas, exames, máquinas a apitar. Senti-me esmagada por uma onda de impotência.
— Mãe, precisamos que nos diga se há historial de doenças cardíacas na família — disse uma médica jovem, com um olhar sério mas compassivo.
— Não… não que eu saiba… — respondi, sentindo-me culpada por não saber mais sobre a minha própria família.
O diagnóstico chegou como uma sentença: cardiomiopatia congénita rara. O Tomás precisava de ser internado imediatamente. O Rodrigo foi examinado por precaução.
— Não se preocupe, é só rotina — disseram-me.
Mas no dia seguinte, o mundo desabou de novo. O Rodrigo também tinha a mesma condição. Dois filhos, dois corações frágeis. Senti-me a afundar num abismo sem fundo.
O João tentou ser forte por nós todos, mas vi-o chorar no corredor do hospital quando pensava que ninguém via. A Inês ficou em casa da minha mãe e perguntava todos os dias quando podia ver os irmãos.
As semanas seguintes foram um turbilhão de consultas, exames e noites passadas em cadeiras desconfortáveis ao lado das incubadoras. O som dos monitores cardíacos tornou-se a banda sonora da minha vida. Aprendi a distinguir cada apito: o normal, o preocupante, o que me fazia saltar da cadeira em pânico.
Uma noite, ouvi duas enfermeiras a conversar à porta do quarto:
— Coitada da Marta… dois bebés assim… não sei como aguenta.
Aguentava porque não tinha escolha. Mas dentro de mim crescia uma raiva surda: porque é que isto nos aconteceu? Porque é que ninguém da família tinha avisado que podia haver problemas cardíacos? Comecei a interrogar a minha mãe sobre o passado.
— Mãe, tens a certeza que ninguém na família teve problemas do coração?
Ela hesitou antes de responder:
— Olha filha… o teu avô morreu novo… mas nunca se falou muito disso…
Senti-me traída. Porque é que estas coisas são sempre segredos? Porque é que as famílias portuguesas têm tanto medo de falar do passado?
O João também começou a afastar-se. Passava mais tempo no trabalho e menos no hospital. Uma noite discutimos alto no corredor:
— Achas que isto é fácil para mim? — gritou ele. — Eu também estou a sofrer!
— Então mostra! Não me deixes sozinha nisto!
A enfermeira veio pedir silêncio e eu desatei a chorar ali mesmo, sem vergonha.
Os meses passaram devagar. Os gémeos foram operados aos seis meses. Vi-os serem levados para o bloco operatório com as suas mantinhas azuis e senti-me despedaçada. Fiquei horas à espera com o João ao meu lado, mãos dadas em silêncio.
Quando finalmente os trouxeram de volta, cheios de tubos e ligaduras, prometi-lhes baixinho:
— Vocês vão viver. Eu vou lutar por vocês até ao fim.
A recuperação foi lenta e cheia de sustos. Uma infeção aqui, uma febre ali. A Inês começou a ter problemas na escola — sentia-se esquecida no meio do drama dos irmãos.
— Mãe, já não gostas de mim? — perguntou-me um dia, com lágrimas nos olhos.
O meu coração partiu-se outra vez. Abracei-a com força:
— Amo-te tanto como aos teus irmãos. Só estou muito cansada…
A minha mãe ajudava como podia, mas também ela estava exausta. Uma vez ouvi-a ao telefone com a minha tia:
— A Marta está a perder-se… já nem sorri…
E era verdade. Eu já não sabia quem era sem ser mãe dos gémeos doentes.
Um dia, durante uma consulta de rotina, o médico olhou para mim com um sorriso tímido:
— Os meninos estão estáveis. Se tudo correr bem, podem ir para casa daqui a duas semanas.
Chorei de alívio pela primeira vez em meses.
O regresso a casa foi agridoce. Tínhamos medo de tudo: infeções, recaídas, qualquer tosse era motivo para pânico. A nossa vida social desapareceu; os amigos deixaram de ligar depois das primeiras semanas.
O João e eu tentámos reconstruir o nosso casamento aos poucos. Fomos juntos à praia pela primeira vez em dois anos — só nós dois — e falámos sobre tudo o que tínhamos perdido… e tudo o que ainda podíamos ganhar.
Hoje os gémeos têm três anos. Continuam frágeis mas são felizes. Correm pelo jardim da casa dos meus pais como se nunca tivessem estado entre a vida e a morte.
Às vezes pergunto-me: será que alguma vez vou deixar de ter medo? Será que algum dia vou conseguir perdoar-me por não ter visto os sinais mais cedo?
E vocês? O que fariam se tivessem de lutar pelo coração dos vossos filhos todos os dias?