Entre o Amor e o Limite: O Dilema de uma Mãe Tardia

— Mãe, não quero ir à escola hoje! — gritou o Tiago, atirando a mochila para o chão da sala. O som ecoou pela casa, como se cada objeto ali dentro sentisse o peso da minha exaustão. Olhei para ele, olhos marejados, e pensei: “Como é que cheguei aqui? Como é que este menino, tão desejado, se tornou tão difícil de amar nestes momentos?”

Aos 38 anos, depois de uma década de tentativas frustradas, tratamentos dolorosos e noites em claro a chorar no ombro do Rui, o meu marido, finalmente engravidei. O Tiago foi recebido como um milagre. Os meus pais já tinham perdido a esperança de serem avós e os sogros faziam sempre aquele comentário: “Já não tens idade para isso, filha.” Mas quando ele nasceu, tudo mudou. O mundo girava à volta daquele bebé.

Talvez tenha começado aí o erro. Cada choro era atendido, cada desejo era ordem. “Coitado, esperámos tanto por ele”, dizia a minha mãe. “Deixa-o estar, não lhe negues nada”, insistia o Rui. E eu, cansada e grata por finalmente ser mãe, cedia. Cedia sempre.

Agora, aos oito anos, o Tiago é um pequeno tirano. Não aceita um não. Faz birras monumentais por coisas mínimas: quer mais tempo no tablet, quer chocolates antes do jantar, quer brinquedos novos todas as semanas. E eu? Eu sinto-me refém da minha própria culpa.

— Tiago, por favor, veste-te — pedi, tentando manter a calma.

— Não vou! Odeio aquela professora! Ela ralhou comigo ontem! — gritou ele, cruzando os braços.

O Rui entrou na sala nesse momento. Olhou para mim com aquele olhar cansado de quem já não sabe o que fazer.

— Deixa-o ficar hoje — sugeriu em voz baixa. — Está cansado, coitado.

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim. Porque é que sou sempre eu a má da fita? Porque é que ninguém me apoia quando tento impor limites?

— Não podemos continuar assim! — explodi. — Ele tem de aprender que há regras!

O Tiago começou a chorar alto, como se lhe tivessem batido. O Rui suspirou e saiu da sala. Fiquei sozinha com aquele choro estridente e com a sensação de falhar todos os dias.

Lembro-me das conversas com as outras mães à porta da escola. A Carla tem três filhos e diz sempre: “Ai, eu não tenho paciência para birras! Aqui em casa quem manda sou eu.” A inveja corrói-me por dentro. Porque é que para mim tudo parece tão difícil?

À noite, depois de finalmente adormecer o Tiago (com mais um episódio do desenho animado preferido dele como suborno), sentei-me no sofá ao lado do Rui.

— Achas que estamos a estragar o miúdo? — perguntei em voz baixa.

Ele olhou para mim com ternura.

— Só queremos dar-lhe tudo o que não tivemos. Mas talvez estejamos a dar-lhe demasiado…

As palavras dele ficaram a ecoar na minha cabeça durante dias. Comecei a reparar em pequenos detalhes: o Tiago nunca agradecia nada; falava connosco como se fôssemos empregados; fazia birras em público sem vergonha nenhuma. E eu… eu sentia-me cada vez mais pequena.

Um sábado à tarde, fomos ao supermercado. O Tiago queria um brinquedo caro. Disse-lhe que não podia ser.

— És má! Odeio-te! — gritou ele no meio do corredor.

As pessoas olharam para mim com aquele olhar de julgamento silencioso. Senti-me envergonhada e furiosa ao mesmo tempo.

— Chega! — disse-lhe, segurando-lhe o braço com firmeza. — Não vais levar nada hoje e se continuares assim, não vais sair mais comigo!

Ele chorou durante todo o caminho para casa. O Rui ficou calado ao volante. Em casa, fechou-se no quarto e não quis jantar.

Nessa noite chorei baixinho na casa de banho. Senti-me uma péssima mãe. Mas também percebi que algo tinha de mudar.

No dia seguinte, sentei-me com o Rui à mesa da cozinha.

— Não podemos continuar assim — disse-lhe. — O Tiago precisa de limites. E eu preciso do teu apoio.

Ele assentiu devagar.

— Tens razão. Vamos tentar juntos.

Começámos pequenas mudanças: horários para tudo, menos tempo no tablet, tarefas simples em casa. No início foi um inferno: birras maiores ainda, gritos, portas a bater. Mas resistimos.

A minha mãe ligava todos os dias:

— Coitadinho do menino… Não sejas tão dura!

Mas eu mantive-me firme. Pela primeira vez desde que sou mãe, senti que estava a fazer alguma coisa certa.

Com o tempo, as birras foram diminuindo. O Tiago começou a ajudar a pôr a mesa (a contragosto), a pedir desculpa quando se portava mal (às vezes forçado). Não foi fácil nem rápido. Houve dias em que quis desistir de tudo e voltar ao conforto do mimo sem regras.

Um dia, ao buscar o Tiago à escola, a professora chamou-me à parte:

— Parabéns, Dona Sofia. O Tiago está muito mais calmo e respeitador ultimamente.

Saí dali com lágrimas nos olhos. Talvez ainda fosse possível corrigir os erros do passado.

Mas nada é perfeito. Há dias em que tudo volta atrás: uma birra inesperada, uma discussão com o Rui sobre métodos de educação, um comentário venenoso da minha mãe ou da sogra.

Às vezes pergunto-me se teria sido diferente se tivesse tido filhos mais cedo ou se tivesse tido mais do que um. Talvez não sentisse esta necessidade de compensar tudo…

Hoje olho para o Tiago a dormir e penso: será que algum dia ele vai perceber tudo o que fiz por ele? Será que algum dia vai agradecer ou vai apenas lembrar-se das vezes em que lhe disse não?

E vocês? Também sentem esta culpa constante? Como conseguem equilibrar amor e limites sem se perderem pelo caminho?