Entre o Amor de Mãe e o Amor de Filho: Quando o Meu Mundo Desabou

— Não percebes, Miguel! — gritei-lhe, com a voz embargada de lágrimas. — Sempre fui eu que estive aqui para ti! E agora… agora parece que só a Ana Rita importa!

Ele olhou para mim, cansado, como se eu fosse uma criança birrenta. — Mãe, por favor… Não faças isto outra vez. A Ana Rita não fez nada de mal. Só quer ajudar.

Ajuda? Ajuda? Era isso que ele chamava àquela mania de querer mudar tudo cá em casa? Desde que se casaram, há dois anos, a Ana Rita entrou na nossa vida como um furacão. Primeiro foi a sala: “Oh, Dona Maria, estas cortinas já estão tão velhas…”, dizia ela com aquele sorriso doce, mas sempre com um olhar crítico. Depois foi a cozinha: “O azeite faz melhor do que o óleo, sabia?” E o Miguel… sempre do lado dela.

Lembro-me do dia em que tudo mudou. Era domingo, como sempre, e eu estava a preparar o almoço de família. O cheiro do assado enchia a casa, e eu sentia-me feliz por ter os meus filhos à mesa. Mas quando a Ana Rita entrou na cozinha e começou a mexer nas panelas, perdi o chão.

— Deixe, Dona Maria, eu faço o arroz — disse ela, afastando-me delicadamente.

— Não é preciso, Ana Rita. Eu faço como sempre fiz — respondi, tentando manter a calma.

— Mas assim fica mais solto… — insistiu ela.

O Miguel apareceu à porta nesse momento. — Mãe, deixa a Ana Rita ajudar. Ela só quer participar.

Senti uma pontada no peito. O meu filho… o meu menino… agora era dela. Fui para o quarto e fechei a porta. Chorei baixinho para ninguém ouvir.

Desde então, tudo se tornou uma competição silenciosa. Quem fazia melhor o arroz? Quem sabia mais sobre os remédios para a tosse? Quem era mais importante para o Miguel?

A minha filha mais nova, a Joana, tentava apaziguar as coisas. — Mãe, não ligues. O Miguel está apaixonado, é normal dar mais atenção à mulher…

Mas não era só isso. Era como se eu tivesse perdido o meu lugar na vida dele. E cada vez que tentava aproximar-me, sentia-me mais afastada.

Uma noite, depois de um jantar tenso em minha casa — onde quase não se falou — liguei ao Miguel.

— Filho… preciso de falar contigo.

— Agora não posso, mãe. Estou com a Ana Rita no hospital. O pai dela está mal…

Senti-me egoísta por querer falar dos meus problemas quando havia alguém doente. Mas também me senti invisível.

Os dias passaram e comecei a evitar ligar-lhes. A casa ficou mais silenciosa do que nunca. O relógio da sala marcava as horas devagarinho e eu dava por mim a olhar para as fotografias antigas: o Miguel pequeno no colo do pai; eu e ele na praia da Nazaré; os natais cheios de risos antes de tudo mudar.

Um dia, decidi ir à missa da aldeia para ver se encontrava alguém com quem conversar. A Dona Lurdes percebeu logo que algo não estava bem.

— Então, Maria do Carmo? Está tão calada…

— São coisas da vida, Dona Lurdes… Os filhos crescem e esquecem-se das mães.

Ela sorriu com tristeza. — Não esquecem, minha querida. Só mudam de prioridades.

As palavras dela ficaram-me na cabeça durante dias. Será que era isso? Será que eu estava a ser egoísta?

Mas depois vinha aquela voz dentro de mim: “Foste tu que criaste o Miguel! Foste tu que lhe deste tudo! Agora ele nem te liga!”

A situação piorou quando o Miguel me pediu para passar o Natal com os sogros.

— Este ano vamos à casa da Ana Rita, mãe. O pai dela ainda está fraco…

— E eu? — perguntei, sentindo as lágrimas a quererem saltar dos olhos.

— Mãe… podes vir connosco se quiseres…

Mas eu sabia que não era bem-vinda naquela casa. A sogra da Ana Rita olhava para mim como quem vê um bicho raro. Sempre com aquele ar superior de quem acha que sabe tudo sobre criar filhos.

Na noite de Natal fiquei sozinha pela primeira vez na vida. Fiz um prato de bacalhau só para mim e sentei-me à mesa com o rádio ligado baixinho. Quando ouvi as badaladas da meia-noite chorei como uma criança perdida.

A Joana veio visitar-me no dia seguinte.

— Mãe… tens de aceitar que as coisas mudam. O Miguel ama-te, mas agora tem outra família também.

— E eu? Fico aqui sozinha?

Ela abraçou-me com força. — Nunca estás sozinha enquanto tiveres quem te ame.

Mas será mesmo assim? Porque é que sinto este vazio tão grande?

Comecei a sair mais de casa, a ir ao café da vila, a fazer caminhadas pelo campo. Mas nada preenchia aquele buraco no peito.

Um dia recebi uma mensagem do Miguel: “Mãe, podemos falar?”

O coração bateu mais forte. Quando ele chegou cá a casa vinha sozinho.

— Mãe… desculpa se te magoei. Não era minha intenção. Só quero que sejas feliz.

Olhei para ele e vi nos olhos dele o menino que criei e o homem que já não me pertence totalmente.

— Eu só queria sentir que ainda sou importante para ti…

Ele pegou nas minhas mãos.

— És sempre importante para mim, mãe. Mas preciso que aceites a Ana Rita também…

Chorei ali mesmo no sofá, sem vergonha nenhuma.

Agora tento aceitar esta nova realidade. Tento gostar da Ana Rita como se fosse minha filha. Tento não me sentir tão sozinha quando eles não me ligam durante dias.

Mas às vezes pergunto-me: será possível amar sem ciúme? Será possível ser mãe sem querer ser sempre o centro do mundo dos filhos?

E vocês? Já sentiram este vazio? Como é que se aprende a deixar ir sem perder quem somos?