O Segredo de António: Quando a Verdade Abala um Casamento
— António, quem é a Marta? — perguntei, com a voz a tremer, enquanto segurava o telemóvel dele nas mãos. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocou. Ele olhou para mim, olhos arregalados, como se eu tivesse acabado de lhe apontar uma arma.
Nunca pensei que aos 63 anos, depois de quarenta anos de casamento, me encontraria nesta situação. Sempre fui uma mulher de confiança, daquelas que acreditam no marido, que defendem a família acima de tudo. Mas naquele instante, com aquela mensagem aberta diante dos meus olhos — “Saudades tuas. Quando voltas a passar pelo café?” — senti o chão fugir-me dos pés.
António desviou o olhar, mexeu nervosamente nos bolsos das calças. — Lídia, não é nada do que estás a pensar…
— Então explica-me! — interrompi, sentindo as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. — Explica-me porque é que uma mulher te manda mensagens destas à noite!
Ele suspirou fundo e sentou-se à mesa da cozinha, aquela mesma mesa onde tantas vezes partilhámos risos e discussões sobre os filhos, as contas da casa, as notícias do jornal. — É só uma amiga do café…
— Uma amiga? — repeti, quase a gritar. — Uma amiga não manda mensagens destas a um homem casado!
O relógio da parede marcava dez e meia da noite. Lá fora, ouvia-se o vento a bater nas persianas. Dentro de mim, tudo era tempestade.
Lembro-me de quando conheci o António. Eu tinha 19 anos, ele 22. Trabalhava na padaria do meu pai em Setúbal e ele era cliente habitual. Trazia sempre um sorriso e um ramo de flores murchas que apanhava pelo caminho. Casámos cedo, tivemos dois filhos — o Rui e a Joana — e juntos enfrentámos tudo: desemprego, doença, até a morte precoce do meu pai.
Sempre achei que éramos invencíveis. Mas agora… agora não sabia em que acreditar.
Naquela noite não dormi. Fiquei na sala, enrolada numa manta, a ouvir os ponteiros do relógio. A cabeça cheia de perguntas: Será que me traiu? Será que fui cega durante anos? Ou será apenas uma amizade inocente?
No dia seguinte, tentei agir normalmente. Preparei o pequeno-almoço como sempre: café forte para ele, chá para mim, pão torrado com manteiga. António entrou na cozinha em silêncio. Senti o peso do olhar dele nas minhas costas.
— Lídia… — começou ele.
— Não quero falar agora — respondi secamente.
O Rui ligou-me à hora de almoço. — Mãe, está tudo bem? Pareces estranha ao telefone…
Quis contar-lhe tudo, mas calei-me. Não queria envolver os filhos nos nossos problemas. Sempre fui assim: guardo tudo para mim, engulo as mágoas para proteger os outros.
À tarde fui ao mercado comprar legumes para a sopa. A dona Rosa, vizinha do terceiro andar, cumprimentou-me com aquele sorriso fofoqueiro de quem sabe sempre mais do que devia.
— Então Lídia, está tudo bem com o António? Tenho-o visto muito pelo café da esquina…
Senti um nó na garganta. Sorri amarelo e despachei-me.
Quando voltei para casa, António estava sentado no sofá com o telemóvel na mão. Levantei-me para ir ao quarto, mas ele chamou-me:
— Lídia, precisamos mesmo de falar.
Sentei-me à frente dele. O coração batia tão forte que pensei que ele fosse ouvir.
— Não te traí — disse ele baixinho. — A Marta é só uma amiga do café onde costumo ir depois do trabalho. Ela tem passado por um momento difícil… perdeu o marido há pouco tempo e às vezes desabafa comigo.
Olhei-o nos olhos à procura de sinceridade. Queria acreditar nele, queria tanto… mas aquela mensagem não me saía da cabeça.
— E porque não me disseste nada? Porque é que escondeste?
Ele encolheu os ombros.
— Achei que ias ficar chateada… E talvez tenha gostado da atenção dela. Senti-me… importante outra vez.
Essas palavras magoaram-me mais do que qualquer traição física poderia magoar. Senti-me invisível. Será que deixei de ser suficiente para ele? Será que envelhecer juntos significa isto: tornarmo-nos estranhos sob o mesmo teto?
Durante dias andámos assim: dois fantasmas a circular pela casa, evitando conversas sérias, fingindo normalidade perante os filhos e os vizinhos.
Uma noite, depois do jantar, sentei-me ao lado dele no sofá.
— António… achas que ainda somos felizes?
Ele demorou a responder.
— Não sei… Acho que nos perdemos um bocado pelo caminho.
Chorei baixinho. Ele abraçou-me como há muito tempo não fazia.
— Desculpa — sussurrou ele ao meu ouvido.
No dia seguinte decidi ligar à Joana. Precisava de desabafar com alguém em quem confiasse plenamente.
— Mãe, vocês têm de conversar! Não deixes isto crescer dentro de ti… — aconselhou ela.
Tentei seguir o conselho da minha filha. Convidei António para irmos passear à beira-mar em Sesimbra, como fazíamos quando éramos jovens.
Enquanto caminhávamos na areia fria, falei-lhe dos meus medos: medo de envelhecer sozinha, medo de perder o amor dele, medo de não ser mais suficiente.
Ele ouviu-me em silêncio e depois pegou na minha mão.
— Lídia… eu amo-te. Mas acho que precisamos de nos reencontrar um ao outro.
Voltámos para casa com uma promessa: tentaríamos recuperar aquilo que nos uniu há tantos anos atrás. Procurámos ajuda numa terapeuta familiar — algo impensável para nós há uns anos atrás — e começámos devagarinho a reconstruir a confiança perdida.
Não foi fácil. Houve dias em que quis desistir de tudo; outros em que me senti mais próxima dele do que nunca.
Hoje olho para trás e vejo como é frágil aquilo que julgamos sólido. O amor não é garantido; precisa de ser cuidado todos os dias.
Às vezes pergunto-me: quantos casais vivem assim calados, com segredos e medos escondidos atrás das portas fechadas? Quantos têm coragem de enfrentar as suas dores em vez de fingir que está tudo bem?
E vocês? Já sentiram este medo de perder quem mais amam? O que fariam no meu lugar?