Mãe, assina por mim – Como a fé me ajudou a tomar a decisão mais difícil da minha vida
— Mãe, por favor, assina por mim. Eu não tenho outra saída. — A voz da Mariana tremia, os olhos vermelhos de tanto chorar. O papel estendido entre nós parecia pesar toneladas. Era apenas uma folha, mas carregava o peso de toda a nossa história.
O relógio da cozinha marcava quase meia-noite. O silêncio da casa era cortado apenas pelo som abafado do choro da minha filha. O meu marido, António, estava no quarto, fingindo dormir. Desde que tudo começou, ele evitava conversas, evitava-me a mim e à Mariana. Eu sentia-me sozinha, esmagada entre o desespero da minha filha e o orgulho ferido do meu marido.
— Mariana, tu sabes o que isto significa? Se eu assinar este papel, estou a pôr tudo em risco. A casa, o pouco que temos… — A minha voz falhava. Eu queria ser forte, mas sentia-me a desmoronar por dentro.
Ela caiu de joelhos à minha frente, agarrando-me as mãos com força.
— Mãe, eu juro que vou conseguir pagar. Só preciso deste empréstimo para abrir o salão. Se não for agora, nunca mais vou ter esta oportunidade. Por favor…
O salão de cabeleireiro era o sonho dela desde pequena. Lembro-me de quando cortava o cabelo às bonecas e fazia penteados às amigas na escola. Mas agora era diferente. Agora havia bancos, juros, dívidas e uma pandemia que tinha deixado tudo ainda mais incerto.
O António entrou na cozinha sem fazer barulho, mas a sua presença era impossível de ignorar.
— Não vais assinar nada, Maria. — Disse ele seco, sem olhar para mim nem para a filha.
— António… — Tentei argumentar, mas ele levantou a mão.
— Já chega de sonhos. Já chega de problemas. Se ela quer arriscar, que arrisque sozinha. Nós já demos tudo o que podíamos.
A Mariana levantou-se num salto.
— Pai, eu não estou a pedir dinheiro! Só preciso que a mãe seja minha fiadora! Eu pago tudo! — A voz dela ecoou pela casa vazia.
O António virou costas e saiu da cozinha. O som da porta do quarto a fechar foi como um murro no estômago.
Ficámos as duas ali, em silêncio. Eu olhava para o papel e via nele todos os meus medos: perder a casa onde cresci, onde vi os meus filhos darem os primeiros passos; perder o pouco que tínhamos conseguido juntar depois de anos de sacrifícios; perder a confiança do meu marido.
Mas também via esperança nos olhos da Mariana. Uma esperança que eu já não sentia há muito tempo.
Naquela noite não dormi. Sentei-me na sala com o terço nas mãos, rezando baixinho para não acordar ninguém. Pedi forças à Nossa Senhora de Fátima, pedi um sinal, uma luz.
No dia seguinte, fui trabalhar como sempre. Sou empregada de limpeza numa escola primária aqui em Setúbal. As colegas perceberam logo que eu estava diferente.
— Estás bem, Maria? — perguntou a Dona Rosa enquanto limpávamos as casas de banho.
— Não sei… A Mariana quer abrir um salão e precisa que eu seja fiadora do empréstimo. O António está contra… — Senti as lágrimas a quererem cair outra vez.
A Dona Rosa pousou o balde e abraçou-me.
— Filha, ser mãe é isto mesmo: é sofrer pelos filhos. Mas também é saber quando devemos protegê-los deles próprios…
As palavras dela ficaram a ecoar na minha cabeça todo o dia.
Quando cheguei a casa, encontrei a Mariana sentada à mesa com os olhos inchados e o olhar perdido.
— Mãe… Desculpa estar a pôr-te nesta situação. Se não quiseres assinar, eu percebo…
Sentei-me ao lado dela e peguei-lhe nas mãos.
— Mariana, tu és tudo para mim. Mas preciso que me prometas uma coisa: se eu assinar este papel, tu vais fazer tudo para não falhar. Vais trabalhar até cair para o lado se for preciso. E se correr mal… voltamos as duas à estaca zero, juntas.
Ela abraçou-me com tanta força que quase me tirou o ar.
No dia seguinte fomos ao banco juntas. As mãos dela tremiam enquanto assinava os papéis. As minhas também. Senti um nó no estômago quando entreguei o meu cartão do cidadão à funcionária do banco.
Durante semanas vivi num estado de ansiedade constante. O António mal me falava. Dormíamos costas com costas na mesma cama. Às vezes ouvia-o chorar baixinho durante a noite — coisa rara num homem como ele.
A Mariana abriu o salão num pequeno espaço alugado no centro da cidade. Nos primeiros dias quase não tinha clientes. Eu ia lá todos os dias depois do trabalho para ajudar a limpar ou só para lhe fazer companhia.
Um dia apareceu uma senhora idosa com um cabelo branco lindo e pediu um corte simples. A Mariana tratou-a com tanto carinho que a senhora saiu de lá a sorrir como uma menina. No dia seguinte voltou com duas amigas.
O boca-a-boca começou a funcionar e aos poucos o salão foi enchendo-se de vida e de risos.
Mas nem tudo correu bem. Um mês depois de abrir portas, um cano rebentou e inundou metade do salão. A Mariana chorava desesperada ao telefone:
— Mãe! Eu não aguento mais! Isto é um sinal de que nunca devia ter tentado!
Corri até lá e abracei-a no meio da água suja.
— Filha, isto são só pedras no caminho. Vamos limpar isto juntas.
Passámos horas ali dentro, de balde na mão e lágrimas nos olhos. Mas no fim do dia o salão estava limpo e pronto para reabrir.
O António continuava distante. Um dia cheguei a casa e encontrei-o sentado à mesa com uma carta na mão.
— Maria… — disse ele com a voz embargada — Eu só queria proteger-vos. Tenho medo de perder tudo outra vez…
Sentei-me ao lado dele e peguei-lhe na mão pela primeira vez em semanas.
— Eu também tenho medo, António. Mas às vezes temos de arriscar pelos nossos filhos…
Ele chorou nos meus braços como nunca tinha visto antes.
Os meses passaram e o salão começou finalmente a dar lucro. A Mariana pagava as prestações do empréstimo religiosamente todos os meses. O António começou a passar por lá de vez em quando para lhe levar café ou só para ver como estava tudo.
Hoje olho para trás e vejo como esta decisão nos mudou a todos: aproximou-me da minha filha, obrigou-me a enfrentar os meus próprios medos e ensinou-me que às vezes é preciso ter fé mesmo quando tudo parece perdido.
Às vezes pergunto-me: teria tido coragem se não fosse pela fé? Quantas mães já passaram pelo mesmo dilema? E vocês — até onde iriam pelos vossos filhos?