Entre Dois Amores: O Meu Coração Dividido

— Miguel, tu ainda pensas nela, não pensas? — A voz da Sofia ecoou pela cozinha fria, enquanto eu mexia o café sem vontade. O cheiro do café acabado de fazer misturava-se com a tensão no ar. Olhei para ela, os olhos castanhos dela brilhando de mágoa e desconfiança.

Não consegui responder logo. O nome da Catarina pairava na minha cabeça como uma sombra que não me largava. Desde que a Matilde, a nossa filha de oito anos, começou a perguntar porque é que já não jantávamos todos juntos, senti o peso do passado a esmagar-me.

— Sofia… — comecei, mas a voz falhou-me. — Não é isso. Eu amo-te. Só que…

Ela interrompeu-me, lágrimas a ameaçar cair. — Só que o quê? Passas os dias a falar da Catarina, da Matilde… Até parece que eu sou só uma substituta!

O silêncio caiu entre nós como uma sentença. Lembrei-me do dia em que conheci a Sofia, no café da praça em Aveiro. Ela era tão diferente da Catarina: espontânea, risonha, cheia de sonhos. Achei que com ela conseguiria esquecer tudo o que tinha corrido mal no meu casamento anterior. Mas não é assim tão simples apagar uma vida inteira.

A Catarina e eu casámos cedo demais. Tínhamos vinte e poucos anos e achávamos que o amor bastava. Mas depois vieram as discussões sobre dinheiro, as noites sem dormir por causa da Matilde bebé, as frustrações do trabalho — eu na repartição de finanças, ela como professora primária. Um dia acordei e percebi que já não nos reconhecíamos um ao outro.

A separação foi um alívio e uma dor ao mesmo tempo. Fiquei com saudades dos pequenos-almoços de domingo, das conversas sobre livros antes de adormecer. Mas também me senti livre para respirar outra vez.

Quando conheci a Sofia, achei que era uma segunda oportunidade. Ela era dez anos mais nova, cheia de energia e vontade de construir uma família comigo. No início tudo era paixão e novidade. Mas depois vieram as comparações inevitáveis.

— Miguel, tu nunca estás realmente aqui — disse ela um dia, enquanto arrumava os pratos do jantar. — Quando estamos juntos, parece que estás sempre noutro sítio.

Tentei explicar-lhe que era difícil desligar-me da Matilde. Que ser pai não acaba com o divórcio. Que a Catarina fazia parte da minha vida porque partilhávamos uma filha. Mas ela não entendia.

— E se fosses tu? E se eu passasse os dias a falar do meu ex-namorado? — atirou ela numa noite em que cheguei tarde do trabalho.

Senti-me injustiçado, mas no fundo sabia que ela tinha razão. Eu próprio não sabia onde pertencia. Sentia-me dividido entre dois mundos: o passado com Catarina e Matilde, e o presente com Sofia.

As coisas pioraram quando a Matilde ficou doente com uma gripe forte. Passei mais tempo em casa da Catarina para ajudar com os cuidados à nossa filha. A Sofia ficou furiosa.

— Achas normal passares lá as noites? — gritou ela ao telefone. — Eu sou tua mulher! Ou já te esqueceste?

Eu não sabia o que responder. Sentia-me culpado por deixar a Sofia sozinha, mas também não conseguia abandonar a Matilde quando ela mais precisava de mim.

Uma noite, depois de adormecer a Matilde, fiquei sentado na sala da Catarina. Ela trouxe-me um chá e sentou-se ao meu lado.

— Ainda te lembras de quando viemos viver para esta casa? — perguntou ela com um sorriso triste.

Assenti em silêncio. O cheiro do chá de camomila trouxe-me memórias de outros tempos: risos na varanda ao pôr-do-sol, discussões sobre quem ia buscar a Matilde à escola.

— Achas que fizemos bem em separar-nos? — perguntou ela baixinho.

Fiquei sem palavras. Por momentos desejei poder voltar atrás e fazer tudo diferente. Mas sabia que não era possível.

— Não sei — respondi finalmente. — Às vezes penso que sim… outras vezes não.

Ela pousou a mão na minha e ficámos assim por uns instantes, sem dizer nada.

Quando voltei para casa nessa noite, encontrei a Sofia sentada no sofá, olhos vermelhos de tanto chorar.

— Não aguento mais isto — disse ela num sussurro. — Ou escolhes ficar comigo ou voltas para ela. Mas assim não dá.

Senti o chão fugir-me dos pés. Como podia escolher entre duas partes de mim? A Sofia era o meu presente e talvez o meu futuro; mas a Catarina e a Matilde eram as minhas raízes, a minha história.

Passei noites em claro a pensar no que fazer. Falei com o meu irmão Rui, que sempre foi mais pragmático.

— Miguel, tens de ser honesto contigo próprio — disse ele enquanto bebíamos uma cerveja no café do bairro. — Não podes continuar assim. Vais acabar por perder as duas.

Mas como ser honesto quando nem eu sabia o que sentia? Sentia falta da leveza da Sofia, mas também da cumplicidade silenciosa da Catarina. Sentia-me um traidor em qualquer escolha.

A tensão em casa aumentava todos os dias. A Sofia começou a sair mais com as amigas, chegava tarde sem avisar. Um dia encontrei-a a chorar no quarto.

— Eu só queria ser suficiente para ti — disse ela entre soluços.

Abracei-a com força, mas senti que algo se tinha partido entre nós.

No aniversário da Matilde, fomos todos jantar fora: eu, Catarina, Matilde e até a Sofia aceitou ir por insistência da menina. O ambiente estava carregado de silêncios desconfortáveis e olhares furtivos.

No final do jantar, Matilde agarrou-me na mão e disse:

— Pai, porque é que não podemos ser todos felizes juntos?

Olhei para ela e senti as lágrimas a quererem saltar dos olhos. Como explicar-lhe que os adultos complicam tudo?

Depois dessa noite, percebi que tinha de tomar uma decisão. Não podia continuar a arrastar todos neste limbo doloroso.

Chamei a Sofia para conversar.

— Mereces alguém inteiro — disse-lhe com voz trémula. — Eu ainda estou preso ao passado… Não é justo para ti.

Ela chorou muito, mas no fundo acho que ficou aliviada por ouvir finalmente aquilo em voz alta.

Fui falar com a Catarina também.

— Não quero voltar só porque estou perdido — disse-lhe honestamente. — Quero ser um bom pai para a Matilde e um amigo para ti… Mas preciso de tempo para me encontrar outra vez.

Hoje vivo sozinho num pequeno apartamento perto do rio Vouga. Vejo a Matilde todas as semanas e mantenho uma relação cordial com ambas as mulheres que marcaram a minha vida.

Às vezes olho para trás e pergunto-me: será possível amar duas pessoas ao mesmo tempo? Ou será apenas medo de ficar sozinho? E vocês… já sentiram o coração dividido entre dois amores?