No Meu Aniversário, Ouvia a Verdade Que Sempre Tive Medo de Enfrentar
— Olá? — atendi o telefone com a voz trémula, ainda com restos de bolo nos lábios e o som abafado dos parabéns ecoando na sala ao lado.
— Olá, Mariana. Desculpa ligar-te assim, mas não consegui calar-me mais — a voz do outro lado era baixa, quase um sussurro, mas reconheci-a de imediato. Era a Sofia, a ex-mulher do Dário. O meu coração disparou, como se já soubesse que nada de bom podia vir dali.
— Sofia? O que se passa? — perguntei, tentando manter a compostura enquanto olhava para o Dário, que sorria para os convidados sem imaginar o que se passava.
— Preciso que saibas da verdade. Ele nunca deixou de me procurar. Nem depois de casar contigo. —
O mundo parou. O riso dos meus amigos e familiares tornou-se distante, como se eu estivesse submersa numa piscina gelada. Senti o sangue fugir-me do rosto e as mãos tremeram tanto que quase deixei cair o telemóvel.
— Estás a brincar comigo? — sussurrei, incapaz de acreditar no que ouvia.
— Não estou. Ele esteve comigo há duas semanas. Disse-me que ainda me amava. —
Desliguei sem saber o que dizer. Fiquei ali, parada no corredor, enquanto as vozes e os risos continuavam na sala. O cheiro do bacalhau com natas misturava-se com o perfume das flores que a minha mãe trouxera. Tudo parecia tão normal, tão feliz… menos eu.
Voltei à sala com um sorriso forçado. O Dário veio ter comigo, abraçou-me e sussurrou ao ouvido:
— Estás bem? Pareces pálida.
Afastei-me ligeiramente.
— Estou só cansada… — menti.
A festa continuou, mas eu já não estava ali. Cada palavra do Dário soava falsa, cada gesto parecia encenado. Observei-o rir com os amigos, brincar com a nossa filha Leonor, beijar-me na testa como sempre fazia. Mas agora tudo tinha outro peso.
Quando todos foram embora e a casa ficou em silêncio, sentei-me no sofá e encarei-o.
— Dário, preciso falar contigo.
Ele olhou para mim com aquele ar de quem não percebe nada.
— O que foi?
— Recebi uma chamada da Sofia hoje. Ela disse-me que tu ainda a procuras. Que estiveste com ela há duas semanas. —
O silêncio caiu entre nós como uma pedra. Ele desviou o olhar, passou as mãos pelo cabelo e suspirou.
— Mariana… não é o que parece.
— Então explica-me! — gritei, sentindo as lágrimas a escorrerem-me pelo rosto.
Ele hesitou, depois levantou-se e começou a andar de um lado para o outro.
— Eu… eu senti-me perdido. A nossa relação já não é como antes. Tu estás sempre ocupada, sempre preocupada com tudo menos comigo…
— E isso justifica traíres-me? Justifica mentires-me durante anos? —
Ele calou-se. Pela primeira vez vi-o sem desculpas, sem argumentos. Só um homem derrotado.
— Eu amo-te, Mariana. Mas às vezes sinto falta do que tinha com ela…
Essas palavras foram como facas no meu peito. Lembrei-me de todas as noites em que ele chegava tarde do trabalho, de todas as mensagens que dizia serem dos colegas, de todos os fins-de-semana em que inventava desculpas para sair sozinho.
Levantei-me e fui até ao quarto da Leonor. Ela dormia tranquila, alheia ao caos que se instalava na nossa casa. Sentei-me ao lado dela e chorei baixinho, sem saber o que fazer.
No dia seguinte, acordei com uma sensação de vazio. O Dário já tinha saído para o trabalho. Na mesa da cozinha deixou um bilhete: “Desculpa. Amo-te.”
Passei o dia em piloto automático. No trabalho ninguém percebeu nada — ou fingiram não perceber. Em Portugal somos mestres em esconder as dores por trás de sorrisos educados.
À noite, liguei à minha mãe.
— Mãe… preciso falar contigo.
Ela veio logo cá a casa. Quando lhe contei tudo, abraçou-me com força.
— Filha, tens de pensar em ti e na Leonor. Não podes viver assim.
Mas como é que se faz isso? Como é que se destrói uma família por causa de uma traição? Como é que se explica a uma criança de seis anos que o pai já não vai dormir em casa?
Os dias passaram arrastados. O Dário tentou falar comigo várias vezes, mas eu evitava-o. Dormia no sofá ou ia para casa da mãe dele. A Leonor começou a perguntar porque é que o pai já não jantava connosco.
Uma noite, sentei-me com ela na cama e tentei explicar-lhe:
— Às vezes os adultos zangam-se e precisam de tempo para pensar…
Ela olhou para mim com aqueles olhos grandes e inocentes.
— Mas tu ainda gostas do pai?
Fiquei sem resposta. Como explicar-lhe que o amor pode transformar-se em dor?
A minha irmã Inês veio visitar-me nesse fim-de-semana.
— Mariana, tu sempre foste forte. Não deixes que ele te destrua — disse ela enquanto bebíamos chá na varanda.
Mas eu sentia-me tudo menos forte. Sentia-me traída, enganada, mas também culpada por talvez não ter visto os sinais antes. Comecei a duvidar de tudo: das minhas escolhas, do meu valor como mulher, até da minha capacidade de ser mãe.
No trabalho comecei a falhar prazos, a esquecer reuniões importantes. A minha chefe chamou-me ao gabinete:
— Mariana, está tudo bem em casa? Precisas de uns dias?
Assenti em silêncio e tirei uns dias de férias para tentar pôr a cabeça em ordem.
Numa dessas tardes fui passear à beira-rio sozinha. Sentei-me num banco e olhei para as águas do Tejo a correrem indiferentes aos meus problemas. Lembrei-me dos primeiros tempos com o Dário: os passeios em Belém, os gelados partilhados no verão, as promessas sussurradas ao ouvido nas noites quentes de Lisboa.
Como é que tudo se perdeu assim?
O Dário continuava a tentar aproximar-se:
— Mariana, dá-me uma oportunidade para te provar que posso mudar…
Mas eu já não sabia se queria dar-lhe essa oportunidade ou se só tinha medo de ficar sozinha.
A pressão da família aumentava:
— Tens de pensar na Leonor! — dizia a minha sogra.
— Não podes perdoar assim tão facilmente! — dizia a minha mãe.
— Ele sempre foi assim… — murmurava o meu pai ao canto da sala.
Senti-me esmagada pelas opiniões de todos menos pela minha própria vontade.
Uma noite decidi confrontar o Dário pela última vez.
— Diz-me a verdade: tu amas-me mesmo ou só tens medo de ficar sozinho?
Ele ficou calado durante muito tempo antes de responder:
— Eu não sei… Sinto falta do que tínhamos mas também não consigo deixar a Sofia completamente para trás…
Foi nesse momento que percebi: estava presa numa ilusão construída sobre mentiras e medos antigos. Não podia continuar assim — nem por mim nem pela Leonor.
Na manhã seguinte pedi-lhe para sair de casa definitivamente. Ele chorou, implorou-me para reconsiderar, mas eu mantive-me firme pela primeira vez em meses.
Os primeiros dias foram horríveis: Leonor chorava todas as noites, eu sentia falta até das discussões banais sobre quem ia buscar o pão à padaria ao domingo. Mas aos poucos fui encontrando forças onde pensava já não existirem.
Comecei terapia, voltei a sair com amigas antigas, inscrevi-me num curso de fotografia — algo que sempre quis fazer mas nunca tive coragem enquanto estava casada.
Aos poucos fui reconstruindo a minha vida à minha maneira: sem mentiras nem desculpas esfarrapadas.
Hoje olho para trás e vejo aquela mulher perdida no corredor naquele aniversário fatídico e quase não me reconheço. Ainda dói — claro que dói — mas agora sei que mereço mais do que migalhas de amor ou promessas vazias.
Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem presas em relações assim só porque têm medo do desconhecido? Quantas sacrificam a sua felicidade por uma família perfeita aos olhos dos outros?
E vocês? Já tiveram de escolher entre perdoar ou recomeçar do zero?