A Minha Sogra Alimentava o Meu Filho com Comida do Lixo: Entre a Traição e a Coragem de Recomeçar

— Não, mãe, não pode ser verdade… — sussurrei, sentindo o chão fugir-me dos pés. O cheiro azedo que vinha da cozinha misturava-se com o nó na minha garganta. O pequeno Tomás, com apenas dois anos, olhava para mim com os olhos grandes e inocentes, enquanto mastigava algo que eu não reconhecia.

A minha sogra, Dona Lurdes, estava de costas, a remexer num saco de plástico encardido. — Oh filha, não faças essa cara. Comida é comida, e hoje em dia não se pode desperdiçar nada! — disse ela, sem sequer se virar para mim.

Senti o sangue ferver-me nas veias. — Dona Lurdes, de onde veio isso? — perguntei, apontando para o prato do Tomás.

Ela encolheu os ombros. — Do caixote lá em baixo. Estava tudo embrulhadinho, nem estava sujo. Não sejas esquisita.

O meu coração disparou. Senti-me traída, humilhada, impotente. Como era possível? Como podia alguém dar restos do lixo a uma criança? O meu filho? O MEU filho?

Corri até ao telefone e liguei ao Miguel, o meu marido. A voz dele soou cansada do outro lado.

— O que foi agora, Sofia? Estou no trabalho…

— Miguel, a tua mãe está a dar comida do lixo ao nosso filho! — gritei, incapaz de controlar as lágrimas.

Do outro lado, silêncio. Depois um suspiro pesado.

— Sofia… não exageres. A minha mãe sempre foi assim. Crescemos todos saudáveis.

Senti-me sozinha. Mais sozinha do que nunca. O Miguel nunca me defendia perante a mãe dele. Para ele, tudo o que ela fazia era normal. Mas eu sabia que não era normal. Não podia ser.

Nessa noite, depois de adormecer o Tomás — que felizmente não mostrou sinais de estar maldisposto — sentei-me no sofá à espera do Miguel. Quando ele chegou, olhou para mim como se eu fosse um problema para resolver.

— Isto tem de acabar — disse-lhe, com a voz firme. — Ou a tua mãe deixa de ficar com o Tomás ou eu vou-me embora.

Ele riu-se, nervoso. — Vais-te embora? Por causa disto? Estás a ser dramática.

— Dramática? Miguel, ela pôs em risco a saúde do nosso filho! Não percebes?

Ele passou as mãos pelo cabelo, frustrado. — A minha mãe só quer ajudar…

— Ajudar? Ajudar como? Dando-lhe comida estragada? E se ele ficasse doente? E se fosse algo pior?

O silêncio entre nós era pesado como chumbo. O Miguel não disse nada durante minutos intermináveis. Finalmente levantou-se e foi tomar banho sem me responder.

Na manhã seguinte, Dona Lurdes apareceu como se nada fosse. Trouxe um saco de pão duro e uma caixa de iogurtes fora de prazo.

— Olha aqui, Sofia, isto ainda está bom! Não sejas fina…

Peguei nos iogurtes e atirei-os para o lixo à frente dela.

— Aqui em casa não entra mais nada do lixo! — gritei, incapaz de me conter.

Ela olhou para mim como se eu fosse louca. — Tu é que és mal-agradecida! Se não fosse eu, nem tinhas onde deixar o miúdo!

O Miguel entrou na cozinha nesse momento e ficou a olhar para nós as duas, sem saber o que fazer.

— Miguel, decide-te — disse-lhe eu. — Ou ela ou eu.

Ele ficou calado. Não disse nada. E nesse silêncio percebi tudo.

Arrumei as coisas do Tomás numa mochila pequena e saí de casa sem olhar para trás. Fui para casa da minha irmã em Almada. Ela recebeu-me de braços abertos e lágrimas nos olhos.

— Sofia… mas o que aconteceu?

Contei-lhe tudo entre soluços. Ela abraçou-me com força.

— Fizeste bem. O Tomás é o mais importante.

Os dias seguintes foram um turbilhão de emoções. O Miguel ligava-me todos os dias, ora zangado ora arrependido. A Dona Lurdes mandava mensagens cheias de veneno: “És uma ingrata! Vais destruir esta família!”

Eu só queria paz para o meu filho. Mas sentia-me culpada por ter separado o Tomás do pai dele. Sentia-me perdida entre o medo e a raiva.

Uma tarde, enquanto dava banho ao Tomás, reparei numa pequena borbulha vermelha na pele dele. Entrei em pânico. Liguei ao pediatra às lágrimas.

— Calma, Sofia — disse ele com voz calma — É só uma reação alérgica leve. Mas fez bem em ligar.

Senti um alívio imenso misturado com culpa: e se tivesse sido pior? E se aquela comida tivesse trazido uma doença grave?

O Miguel apareceu em casa da minha irmã dois dias depois. Trazia olheiras fundas e um ar derrotado.

— Sofia… precisamos conversar.

Sentei-me à mesa com ele enquanto a minha irmã levava o Tomás para brincar no quarto.

— Eu amo-te — começou ele — mas não posso escolher entre ti e a minha mãe assim…

— Não te estou a pedir isso — interrompi-o — Só quero que escolhas o nosso filho! Que escolhas protegê-lo!

Ele baixou os olhos.

— A minha mãe sempre foi assim… Eu cresci assim…

— Mas tu não és mais uma criança! Agora és pai! Tens de proteger o teu filho!

Ele chorou pela primeira vez desde que nos conhecemos. Eu também chorei. Chorámos juntos pela família que estava a desmoronar-se.

No fim da conversa, percebi que ele não estava pronto para cortar o cordão umbilical com a mãe dele. E eu não podia esperar mais.

Procurei um advogado e iniciei o processo de separação. Foi doloroso, foi injusto, foi cruel até. Mas cada vez que olhava para o Tomás sabia que estava a fazer o certo.

Os meses passaram devagarinho. O Miguel visitava o filho aos fins-de-semana mas nunca sozinho; trazia sempre Dona Lurdes consigo e eu recusava-me a deixá-la ficar sozinha com o Tomás.

A família dele virou-me as costas: chamaram-me exagerada, histérica, má mãe até. Os meus pais apoiaram-me mas sentiam-se impotentes perante tanta confusão.

Houve noites em que me perguntei se tinha feito bem; noites em que desejei voltar atrás só para sentir outra vez aquela ilusão de família feliz.

Mas depois via o sorriso do Tomás ao acordar todos os dias saudável e seguro e sabia que não podia ter escolhido outro caminho.

Hoje vivo sozinha com ele num pequeno apartamento em Setúbal. Trabalho muito mas sinto-me finalmente em paz.

Às vezes pergunto-me: será possível perdoar uma traição destas? Será que algum dia vou conseguir confiar noutra pessoa para cuidar do meu filho? Ou será que esta ferida nunca vai sarar?