Quando a Verdade Dói: Amizade, Traição e um Segredo de Família
— Não olhes assim para mim, Inês. — A voz da Catarina tremia, mas havia uma firmeza estranha nos seus olhos. — Por favor, não compliques as coisas.
Eu não conseguia desviar o olhar do bebé que dormia no berço do hospital. O pequeno Tomás tinha acabado de nascer, e eu, como madrinha escolhida, deveria estar radiante. Mas havia algo nos seus olhos — aqueles olhos castanhos profundos, tão familiares — que me gelou o sangue. O mesmo olhar que tantas vezes vi refletido no espelho do meu marido, Mário.
O silêncio entre mim e Catarina era pesado, quase insuportável. O cheiro a desinfetante misturava-se com o perfume suave do bebé recém-nascido, mas tudo me parecia irreal, como se estivesse a viver um pesadelo acordada.
— Inês? — insistiu Catarina, agora mais baixo. — Preciso de ti aqui. Não faças isto.
Mas como podia ficar? Como podia fingir que não via o óbvio? O Tomás era filho do Mário. Não podia ser coincidência: o formato dos olhos, o sorriso enviesado mesmo enquanto dormia. Senti as pernas fraquejarem e apoiei-me na parede fria do quarto.
“Como é que isto aconteceu?”, perguntava-me em silêncio. “Como é que não percebi nada?”
A minha cabeça rodopiava com memórias: as noites em que Mário chegava tarde a casa, as mensagens trocadas com Catarina que pareciam tão inocentes, os risos partilhados entre eles quando pensavam que eu não estava a ver. Sempre confiei neles. Sempre achei que a nossa amizade era à prova de tudo.
— Preciso de apanhar ar — murmurei, saindo do quarto antes que as lágrimas me traíssem.
No corredor, encostei-me à janela e deixei-me afundar na dor. O telefone vibrou no bolso: era uma mensagem do Mário.
“Como está a Catarina? Precisa de alguma coisa?”
A ironia quase me fez rir. Ele sabia perfeitamente como estava a Catarina. Sabia até demais.
Voltei para casa sem saber como agir. O apartamento parecia-me estranho, como se cada objeto guardasse um segredo. Sentei-me no sofá e olhei para as fotografias na estante: eu, Mário e Catarina na praia da Nazaré; nós os três num jantar de Natal; Catarina a segurar-me a mão no dia do meu casamento.
A campainha tocou. O coração disparou-me no peito.
— Inês? — Era Mário, com o rosto preocupado. — Está tudo bem? Pareces estranha ao telefone.
Olhei para ele como se fosse um estranho. Como é que nunca reparei? Como é que fui tão cega?
— Preciso de te perguntar uma coisa — disse, tentando controlar a voz. — O Tomás… é teu filho?
O silêncio dele foi a resposta mais cruel de todas. Baixou os olhos, passou as mãos pelo cabelo e sentou-se pesadamente à minha frente.
— Inês… Eu nunca quis magoar-te. Foi um erro, uma noite só…
— Uma noite? — interrompi, sentindo a raiva crescer dentro de mim. — Uma noite chega para destruir uma vida inteira?
Ele tentou aproximar-se, mas recuei.
— Eu amo-te — disse ele, quase num sussurro. — Mas estava tudo tão difícil entre nós… E a Catarina estava sozinha…
As palavras dele soavam vazias. Lembrei-me das discussões constantes sobre o dinheiro, das noites em que eu chorava sozinha na casa de banho porque não conseguíamos engravidar. E agora isto: o meu marido tinha tido um filho com a minha melhor amiga.
Durante dias vivi num torpor. Não conseguia comer, nem dormir. A minha mãe ligava todos os dias:
— Inês, filha, tens de reagir! Não podes deixar que eles te destruam assim!
Mas eu não sabia por onde começar. Odiava Mário e Catarina com todas as minhas forças, mas odiava-me ainda mais por não ter percebido nada.
Uma semana depois, recebi uma carta da Catarina. Não teve coragem de me ligar ou aparecer à porta. Na carta, pedia desculpa mil vezes, dizia que nunca quisera magoar-me e que Tomás era fruto de um momento de fraqueza dos dois. Dizia também que precisava de mim na vida dela e do filho.
Rasguei a carta em pedaços pequenos e atirei-os pela janela. Pela primeira vez na vida senti-me verdadeiramente sozinha.
Os meses passaram devagar. O divórcio foi inevitável; Mário tentou pedir perdão, tentou convencer-me a dar-lhe outra oportunidade, mas eu já não conseguia olhar para ele sem ver a traição estampada no rosto.
Catarina mudou-se para outra cidade com o Tomás. Mandava mensagens de vez em quando, mas eu nunca respondi. Os meus pais tentaram apresentar-me novos amigos, novos interesses, mas eu sentia-me vazia por dentro.
Até ao dia em que recebi uma fotografia pelo correio: era o Tomás, já com seis meses, a sorrir para a câmara com aqueles olhos castanhos tão familiares. No verso da fotografia vinha escrito: “Ele pergunta por ti todos os dias.”
Chorei durante horas nesse dia. Pela amizade perdida, pelo amor traído e pelo filho que nunca tive.
Hoje vivo sozinha num pequeno apartamento em Lisboa. Trabalho numa livraria perto do Chiado e passo os dias rodeada de histórias alheias para esquecer a minha própria dor.
Às vezes penso em perdoar. Penso em procurar Catarina e conhecer o Tomás. Mas depois lembro-me da dor e retraio-me outra vez.
Será possível recomeçar depois de uma traição destas? Ou será que há feridas que nunca saram?
E vocês? Já sentiram que tudo aquilo em que acreditavam podia desmoronar-se num instante? Como se volta a confiar depois de perder tudo?