Um Coração de Mãe Partido: O Meu Nome é Helena
— Não me peças para escolher, Miguel! — gritei, sentindo a garganta apertada, enquanto os olhos do meu filho mais velho se enchiam de lágrimas. A porta da cozinha batia com força atrás de mim, abafando o choro da minha filha, Mariana, que se escondia no quarto. Era uma noite fria de janeiro em Lisboa, e o silêncio pesado da casa parecia esmagar-me.
Nunca pensei que a minha vida chegasse a este ponto. O divórcio com o António tinha sido um processo lento e doloroso, feito de discussões baixas e silêncios cortantes. Quando ele saiu de casa, deixou-me com duas crianças e uma hipoteca impossível de pagar. Mas eu era mãe — e mães não desistem.
Acordava todos os dias às seis da manhã. Fazia torradas para o Miguel e a Mariana, preparava-lhes as mochilas e levava-os à escola antes de apanhar dois autocarros até ao hospital onde trabalhava como auxiliar de ação médica. O salário mal dava para as contas, mas nunca lhes faltou comida na mesa. Ainda assim, sentia-me sempre em dívida para com eles.
O Miguel, com os seus 15 anos, era rebelde e calado. Sentia a ausência do pai como uma ferida aberta. A Mariana, mais nova, refugiava-se nos desenhos e nos livros. Eu tentava ser mãe e pai ao mesmo tempo, mas havia dias em que o cansaço me vencia.
Uma noite, depois de um turno duplo no hospital, cheguei a casa e encontrei o Miguel sentado à mesa da cozinha, rodeado de papéis. — Mãe, preciso falar contigo — disse ele, sem me olhar nos olhos. Sentei-me à sua frente, já a adivinhar problemas.
— O pai ligou-me. Quer que vá viver com ele no Porto. Diz que lá vou ter mais oportunidades…
Senti o chão fugir-me dos pés. — E tu… tu queres ir?
Ele encolheu os ombros, mas vi-lhe o brilho nos olhos. — Não sei… Só sei que aqui não aguento mais. Estou farto de ver-te sempre cansada, mãe. Farto de não termos nada.
As palavras dele cortaram-me como facas. Tentei explicar-lhe que tudo o que fazia era por eles, mas ele já não me ouvia. Levantou-se e saiu para a rua, deixando-me sozinha com a minha culpa.
Nessa noite não dormi. O António nunca tinha sido um pai presente — sempre mais preocupado com o trabalho do que com os filhos. Mas agora queria levar-me o Miguel? Senti raiva e medo ao mesmo tempo.
No dia seguinte, liguei à minha mãe. — Mãe, não aguento mais… O Miguel quer ir viver com o pai.
Ela suspirou do outro lado da linha. — Helena, às vezes temos de deixar ir para eles perceberem o valor do que têm.
Chorei baixinho, sem saber se era capaz desse sacrifício.
Os dias seguintes foram um tormento. O António ligava-me todos os dias, pressionando-me para deixar o Miguel ir. A Mariana começou a ter pesadelos e a fazer xixi na cama. Eu sentia-me a desmoronar.
Uma tarde, ao chegar a casa, encontrei a Mariana sentada no chão do corredor, abraçada ao urso de peluche.
— Mãe… O mano vai mesmo embora?
Ajoelhei-me ao lado dela e abracei-a com força. — Não sei, filha… Não sei.
O Miguel tornou-se cada vez mais distante. Passava horas fora de casa, chegava tarde e evitava falar comigo. Uma noite chegou com os olhos vermelhos e cheiro a álcool. Perdi a cabeça.
— Achas que é assim que resolves alguma coisa? Achas que fugir dos problemas te vai ajudar?
Ele gritou comigo como nunca antes. — Tu não percebes nada! Só sabes trabalhar e chorar! Eu quero sair daqui!
A discussão foi tão violenta que os vizinhos bateram à porta. Senti vergonha e desespero.
No dia seguinte, recebi uma carta do tribunal: o António tinha avançado com um pedido formal de guarda partilhada. Senti-me traída — como podia ele fazer isto depois de tudo?
Procurei ajuda junto da assistente social do hospital. Ela ouviu-me em silêncio e depois disse:
— Helena, às vezes proteger os filhos é deixá-los fazer as suas escolhas…
Essas palavras ficaram a ecoar na minha cabeça durante dias.
Finalmente, numa manhã chuvosa de março, sentei-me com o Miguel na sala.
— Se é isso que queres mesmo… eu deixo-te ir viver com o teu pai.
Ele olhou para mim com lágrimas nos olhos. — Desculpa, mãe…
Abracei-o como se fosse a última vez.
A casa ficou vazia sem ele. A Mariana chorava todas as noites pela ausência do irmão. Eu sentia-me uma fracassada — uma mãe incapaz de manter a família unida.
Os meses passaram devagar. O Miguel ligava pouco; dizia sempre que estava ocupado com a escola nova e os amigos do Porto. A Mariana fechou-se ainda mais no seu mundo.
Um dia recebi uma chamada do António: — O Miguel fugiu de casa esta noite… Não sabemos onde está.
O meu coração parou. Corri para o Porto sem pensar duas vezes. Procurei-o por toda a cidade: hospitais, esquadras, parques… Nada.
Foram dois dias de angústia até receber uma mensagem dele: “Mãe, desculpa… Preciso de tempo.”
Quando finalmente voltou para casa, estava magro e cansado. Abraçámo-nos em silêncio.
— Mãe… Posso voltar?
Chorei como nunca antes tinha chorado.
Hoje olho para trás e pergunto-me: fiz bem em deixá-lo ir? Ou devia ter lutado mais? Será que alguma vez vamos sarar estas feridas?
E vocês? Até onde iriam para proteger quem mais amam? Será que o amor de mãe é suficiente para curar tudo?