Entre Dois Mundos: Quando o Trabalho e a Família Me Puxam em Sentidos Opostos

— Mariana, já te disse que não posso ficar com o Tomás amanhã. Tenho a minha vida, sabes? — A voz da minha mãe ecoou fria do outro lado da linha, enquanto eu apertava o telemóvel com força, sentindo as lágrimas ameaçarem cair.

Respirei fundo, tentando controlar o tremor na voz. — Mãe, por favor… Só preciso de ti por umas horas. O Pedro está a trabalhar até tarde e eu não posso faltar outra vez ao emprego. Já estou por um fio…

O silêncio dela foi como uma parede. Senti-me pequena, esmagada entre as exigências do mundo lá fora e o vazio dentro de casa. O Tomás, com apenas três anos, brincava no tapete da sala, alheio ao turbilhão que me consumia.

Desliguei sem resposta. Fiquei ali, imóvel, a olhar para o teto, enquanto a culpa me corroía. Será que estou a pedir demais? Será que sou uma má filha por esperar que a minha mãe me ajude? Ou sou uma má mãe por não conseguir estar sempre presente para o meu filho?

A verdade é que nunca imaginei que a maternidade fosse assim tão solitária. Quando engravidei do Tomás, pensei que a família se uniria ainda mais. Mas desde que o meu pai morreu, a minha mãe fechou-se no seu mundo. Diz que já criou os filhos dela, que agora é tempo de viver para ela. Eu compreendo… mas custa tanto.

O Pedro tenta ajudar, mas o trabalho dele na construção civil é incerto. Há dias em que chega exausto, coberto de pó e silêncio. Às vezes discutimos por coisas pequenas: quem vai buscar o Tomás à creche, quem faz o jantar, quem tem direito a cinco minutos de descanso.

— Mariana, não vês que estou morto de cansaço? — gritou ele uma noite, quando lhe pedi para dar banho ao nosso filho.

— E eu? Achas que não estou? — respondi, sentindo a voz embargar-se. — Passo o dia inteiro a correr entre o trabalho e a creche. Não tenho ninguém…

Ele calou-se. Ficámos os dois em lados opostos da sala, separados por um abismo de frustração e cansaço. O Tomás apareceu à porta, com os olhos grandes e assustados.

— Mamã? Papá?

A culpa voltou a morder-me. O meu filho não merece isto. Mas como é que se faz tudo bem? Como é que se é boa mãe, boa esposa, boa filha e ainda se sobrevive ao fim do mês?

No trabalho, as coisas também não são fáceis. Sou assistente administrativa numa pequena empresa em Setúbal. O patrão já me chamou duas vezes ao gabinete por causa das minhas faltas.

— Mariana, eu percebo que tem um filho pequeno, mas precisamos de alguém fiável — disse-me ele, olhando-me por cima dos óculos.

Senti-me humilhada. Não sou fiável? Só porque sou mãe solteira de facto? Porque não tenho uma rede de apoio como as outras colegas?

Às vezes invejo a Carla, que tem os pais sempre prontos a ajudar. Ou a Joana, cuja sogra vai buscar os miúdos à escola todos os dias. Eu só tenho a mim mesma.

Uma noite, depois de adormecer o Tomás — finalmente rendido ao cansaço depois de mais uma birra — sentei-me na varanda com uma chávena de chá frio nas mãos. Olhei para as luzes da cidade e deixei as lágrimas correrem livremente.

Lembrei-me da infância: dos domingos em casa dos avós, das tardes passadas no quintal da minha mãe, das histórias antes de dormir. Porque é que agora tudo parece tão distante? Porque é que a minha mãe não consegue ser para mim aquilo que foi para mim em criança?

No dia seguinte, tentei falar com ela outra vez.

— Mãe, eu sei que tens direito à tua vida. Mas eu preciso mesmo de ti agora. Só por umas horas…

Ela suspirou do outro lado.

— Mariana, tu tens de aprender a desenrascar-te sozinha. Eu já fiz a minha parte.

Desliguei antes que ela ouvisse o soluço preso na garganta.

Comecei a procurar alternativas: pedi à vizinha do lado para ficar com o Tomás durante uma tarde; tentei negociar horários no trabalho; até pensei em deixar o emprego e viver do subsídio de desemprego por uns meses. Mas depois lembro-me das contas para pagar: renda, luz, comida…

O Pedro sugeriu pedir um empréstimo ao banco para contratar uma ama.

— E depois? Vamos endividar-nos ainda mais? — perguntei-lhe.

Ele encolheu os ombros. — Não sei… Só queria ver-te menos triste.

Às vezes penso em fugir. Pegar no Tomás e ir para longe daqui, começar do zero numa aldeia qualquer onde ninguém nos conheça. Mas depois olho para ele a dormir e percebo que não posso fugir dos meus próprios fantasmas.

Uma tarde, quando fui buscar o Tomás à creche mais cedo porque ele estava doente, encontrei-o sentado sozinho num banco, com os olhos vermelhos de tanto chorar.

— Mamã… — disse ele baixinho, agarrando-se às minhas pernas.

Senti-me a pior mãe do mundo. Porque é que não consigo estar sempre presente? Porque é que tenho de escolher entre ser mãe e ganhar dinheiro para lhe dar uma vida digna?

Naquela noite, liguei à minha mãe mais uma vez. Não para pedir ajuda — já não tinha forças para isso — mas só para ouvir a voz dela.

— Olá mãe… Está tudo bem?

Ela hesitou antes de responder.

— Está tudo bem contigo?

Quis dizer-lhe tudo: o medo, o cansaço, a solidão. Mas calei-me. Talvez ela nunca compreenda o peso que carrego todos os dias.

Agora escrevo esta história na esperança de encontrar outras Marianas por aí. Outras mulheres presas entre dois mundos: o da família e o do trabalho; o da culpa e da necessidade; o do amor e da solidão.

Será possível ser boa mãe e boa filha ao mesmo tempo? Ou estamos todas condenadas a falhar em algum lado? E vocês… também sentem este vazio?