Depois do Parto Descobri a Verdade: O Duplo Jogo de Ricardo
— Mariana, preciso falar contigo… — A voz da minha sogra ecoou pelo quarto do hospital, carregada de uma urgência que me fez estremecer. Eu acabara de dar à luz a Leonor há poucas horas. Ainda sentia o corpo dormente, o cheiro do hospital misturado ao suor do parto, e já pressentia que algo estava errado.
Olhei para ela, tentando decifrar-lhe o rosto. A minha mãe estava sentada ao meu lado, segurando-me a mão, mas até ela pareceu encolher-se com o tom da sogra. O Ricardo, meu companheiro de sete anos, tinha saído há pouco para “buscar café” — ou assim disse.
— Agora não é altura, Dona Teresa — sussurrou a minha mãe, mas a sogra insistiu:
— Mariana, é importante. É sobre o Ricardo.
O coração bateu-me mais forte. Senti um frio a subir-me pela espinha. O que poderia ser tão urgente? Tentei sentar-me melhor na cama, ignorando a dor.
— O que se passa? — perguntei, a voz trémula.
Dona Teresa hesitou. Olhou para a minha mãe, depois para mim. Finalmente, baixou os olhos e disse:
— Recebi uma mensagem… de uma mulher chamada Sofia. Ela diz que tem estado com o Ricardo há meses. Que ele lhe prometeu deixar-te.
O mundo parou. Senti o sangue fugir-me do rosto. A minha mãe apertou-me a mão com força.
— Deve ser engano — balbuciei, mas já sabia que não era. Havia sinais: as ausências inexplicáveis, as mensagens apagadas do telemóvel dele, as discussões sem motivo aparente.
— Mariana… — A minha mãe tentou abraçar-me, mas eu afastei-a. Precisava de ar. Precisava de respostas.
Nesse momento, o Ricardo entrou no quarto com um sorriso forçado e dois cafés nas mãos.
— O que se passa aqui? — perguntou, olhando de relance para as três mulheres.
— Pergunta tu à Sofia — atirei-lhe, sentindo as lágrimas a queimarem-me os olhos.
Ele ficou pálido. O silêncio caiu sobre nós como uma manta pesada.
— Mariana… eu posso explicar…
— Explicar o quê? Que andas com outra enquanto eu estava grávida da tua filha?
A minha voz saiu mais alta do que queria. Leonor começou a chorar no berço ao lado da cama. O som dela cortou-me o coração em dois.
Ricardo largou os cafés na mesa e aproximou-se do berço, mas eu gritei:
— Não lhe toques!
Ele recuou, as mãos trémulas.
— Eu… foi um erro… Não queria magoar-te…
— Um erro? Meses de mentiras são um erro?
A minha mãe levantou-se e abraçou-me. Dona Teresa chorava baixinho num canto do quarto.
As horas seguintes foram um borrão de lágrimas, discussões e telefonemas. Sofia enviou mensagens com provas: fotografias dos dois juntos em restaurantes onde eu nunca tinha ido, conversas trocadas durante as minhas consultas de gravidez.
Senti-me ridícula. Como pude não ver? Como pude confiar tanto?
Os dias seguintes foram ainda piores. Voltei para casa dos meus pais com a Leonor nos braços e o coração despedaçado. O Ricardo tentou ligar-me dezenas de vezes. Mandou flores, cartas, até apareceu à porta dos meus pais a pedir perdão.
A família dividiu-se: uns diziam que eu devia perdoar pelo bem da Leonor; outros achavam que devia seguir em frente e não aceitar migalhas.
A minha irmã Inês foi das poucas que ficou sempre do meu lado:
— Ele traiu-te no momento em que mais precisavas dele. Não te esqueças disso, Mariana.
Mas havia noites em que duvidava de tudo. Olhava para Leonor a dormir no berço improvisado no meu antigo quarto de adolescente e perguntava-me se conseguiria ser mãe sozinha. Tinha medo do futuro, medo de não ser suficiente.
Uma noite, enquanto embalava Leonor ao colo, ouvi os meus pais discutirem na cozinha:
— Ela precisa de estabilidade! — dizia o meu pai. — Não pode criar uma filha sozinha!
— O que ela precisa é de respeito! — respondeu a minha mãe. — E isso o Ricardo não lhe deu.
Senti-me pequena, esmagada entre opiniões alheias e os meus próprios receios.
O tempo passou devagar. Cada dia era uma luta: noites mal dormidas, fraldas para mudar, contas para pagar com o meu ordenado de professora primária. Os amigos afastaram-se aos poucos; alguns não sabiam o que dizer, outros achavam que eu devia “dar uma segunda oportunidade” ao pai da minha filha.
O Ricardo continuava a insistir. Mandava presentes para Leonor, tentava marcar encontros “para conversar”. Um dia apareceu na escola onde eu trabalhava e fez uma cena à porta dos alunos:
— Mariana, por favor! Eu amo-te! Dá-me outra oportunidade!
Senti vergonha e raiva ao mesmo tempo. Os colegas cochichavam nos corredores; os pais dos alunos olhavam-me com pena ou julgamento nos olhos.
Foi nesse dia que decidi cortar tudo. Mudei de número de telemóvel, pedi transferência para outra escola numa vila próxima e comecei terapia.
A terapia foi dura. Tive de enfrentar verdades dolorosas: o medo de ficar sozinha, a culpa por não ter visto os sinais antes, a vergonha de ser “a mulher traída” numa terra pequena onde todos sabem tudo sobre todos.
Mas também foi libertador. Aprendi a valorizar-me outra vez, a perceber que não era responsável pelas escolhas do Ricardo. Que ser mãe solteira não era um fracasso — era um ato de coragem.
Com o tempo, Leonor tornou-se o centro do meu mundo. Cada sorriso dela era um bálsamo para as feridas abertas pela traição. Comecei a sair mais com a Inês e as amigas dela; voltei a pintar, algo que tinha deixado para trás quando comecei a viver com o Ricardo.
Um dia, ao buscar Leonor à creche nova, cruzei-me com o Miguel — um colega antigo da faculdade que também tinha passado por um divórcio difícil. Conversámos durante horas num café perto da praia; partilhámos dores e sonhos adiados.
Não foi amor à primeira vista — estava demasiado magoada para isso — mas foi uma amizade sincera que me ajudou a acreditar novamente nas pessoas.
Hoje olho para trás e vejo aquela Mariana perdida no hospital como alguém distante. Ainda dói lembrar tudo o que vivi, mas sei que sou mais forte agora.
Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem histórias como a minha em silêncio? Quantas se culpam por erros que não são seus? Será possível recomeçar depois de uma traição tão profunda?
E vocês? O que fariam no meu lugar? Perdoariam ou seguiriam em frente?