“Vamos Só Dividir a Conta”, Disse o Solteirão: Um Encontro em Lisboa Que Mudou a Minha Vida
— Vamos só dividir a conta, pode ser? — disse ele, com um sorriso que parecia pedir desculpa antes mesmo de eu ter tempo de reagir.
O garçom aguardava, bloco na mão, enquanto eu olhava para o copo de vinho meio vazio e sentia o rubor subir-me ao rosto. Não era pelo dinheiro. Era pelo gesto. Pela forma como aquela frase, dita com tanta naturalidade, desmontava tudo o que eu tinha imaginado sobre aquele encontro. O restaurante em Alfama estava cheio, as luzes baixas e as conversas misturavam-se com o fado ao fundo, mas naquele instante só existíamos nós e aquela conta.
Chamo-me Mariana. Tenho 32 anos, sou professora de História numa escola secundária em Lisboa e, como tantos outros, decidi experimentar o mundo dos encontros online depois de um divórcio difícil. O meu ex-marido, Rui, era daqueles homens que nunca esquecia uma data importante, mas esquecia-se de mim todos os dias. Quando finalmente me vi sozinha, prometi a mim mesma que não voltaria a ignorar os sinais. Mas ali estava eu, sentada à frente do João — engenheiro informático, solteirão assumido, sorriso fácil — e a sentir-me ingénua outra vez.
— Claro — respondi, tentando sorrir também. — Faz sentido.
Ele relaxou os ombros e começou a dividir mentalmente os pratos. Eu olhava para as mãos dele: unhas impecáveis, dedos longos, mas sempre inquietos. Perguntei-me se ele estaria nervoso ou apenas habituado a controlar tudo à sua volta.
— Sabes — disse ele, enquanto fazia contas no telemóvel — acho que é mais justo assim. Cada um paga o seu. Já tive experiências más…
A frase ficou no ar. Experiências más? Com mulheres interesseiras? Ou seria apenas uma defesa? Lembrei-me das conversas com a minha mãe, Dona Lurdes, sempre pronta a dar conselhos:
— Mariana, não aceites menos do que mereces. Mas também não julgues antes de conheceres.
A verdade é que eu queria conhecer o João. Trocámos mensagens durante semanas. Falámos de livros, de viagens, de sonhos adiados pela pandemia. Ele parecia diferente dos outros: atento, culto, até sensível. Mas ali, naquela mesa, sentia-me como uma adolescente a tentar decifrar sinais contraditórios.
O jantar continuou entre silêncios e sorrisos forçados. Ele contou-me sobre a infância em Setúbal, os pais divorciados e o medo de se comprometer. Eu partilhei histórias da escola, dos alunos difíceis e das saudades do meu pai, que morreu há dois anos. Quando falava do meu pai, sentia sempre um nó na garganta. Ele era o oposto do Rui: generoso até ao exagero, capaz de dar o casaco a um estranho numa noite fria.
— O meu pai dizia que gentileza não se mede em gestos grandes, mas nos pequenos detalhes — murmurei.
João sorriu:
— Concordo. Por isso é que prefiro ser transparente desde o início.
Transparente ou defensivo? Não sabia responder. O jantar terminou sem sobressaltos. Pagámos cada um a sua parte — até ao último cêntimo — e saímos para a rua. O ar estava húmido e frio. Caminhámos juntos até ao Largo do Chiado.
— Gostei muito de te conhecer — disse ele, parando junto à estátua do Pessoa.
— Também eu — menti.
Ele hesitou antes de me dar dois beijos na face. Depois afastou-se rapidamente, como se fugisse de algo invisível.
Fiquei ali parada alguns minutos, olhando para as luzes da cidade e sentindo uma solidão antiga a apertar-me o peito. Peguei no telemóvel e liguei à minha irmã mais nova, Sofia.
— Então? Como correu?
— Correu… normal — respondi. — Dividimos a conta.
Ela riu-se:
— Isso é bom ou mau?
— Não sei… Senti-me estranha. Como se tivesse falhado num teste sem saber qual era a matéria.
Sofia ficou em silêncio do outro lado da linha. Sempre foi mais prática do que eu:
— Mariana, às vezes esperamos demasiado dos outros porque temos medo de esperar mais de nós mesmas.
Desliguei sem saber se concordava ou não. Passei o resto da noite a pensar no João e no que aquela divisão da conta realmente significava. Era só dinheiro? Ou era um sinal de algo maior?
No dia seguinte, na escola, tentei concentrar-me nas aulas. Mas bastava um intervalo para os pensamentos voltarem. As colegas repararam no meu ar distraído.
— Então, novidades do Tinder? — brincou a Ana Paula.
— Só desilusões — respondi.
Elas riram-se e começaram a partilhar histórias ainda piores: homens casados à procura de aventuras; encontros que acabaram em silêncio constrangedor; promessas vazias trocadas por mensagens.
À noite, recebi uma mensagem do João:
“Gostei mesmo de te conhecer ontem. Se quiseres repetir, diz.”
Fiquei a olhar para o ecrã durante minutos. Queria responder “sim”, mas algo me travava. Lembrei-me do olhar do meu pai quando me dizia para confiar no instinto. E lembrei-me também das noites em que vi a minha mãe chorar porque o meu pai era bom demais para este mundo e ela sentia-se pequena ao lado dele.
Respondi apenas:
“Obrigada pelo jantar. Preciso de pensar.”
Durante dias tentei esquecer aquele encontro. Mas tudo à minha volta parecia lembrar-me dele: casais nos cafés; colegas a planear fins-de-semana românticos; até os meus alunos falavam sobre namoros e corações partidos.
Uma semana depois, fui visitar a minha mãe em Almada. Ela percebeu logo que algo não estava bem.
— Conta lá…
Contei-lhe tudo: o jantar, a divisão da conta, as dúvidas.
Ela ouviu em silêncio e depois disse:
— Sabes, Mariana… O teu pai dividia tudo comigo: alegrias e tristezas. Mas nunca dividiu uma conta num primeiro encontro. Não era pelo dinheiro; era pelo gesto. Era por mostrar que queria cuidar de mim, nem que fosse só naquela noite.
Fiquei calada. Senti-me ridícula por dar tanta importância àquele detalhe. Mas percebi que não era só sobre dinheiro ou gestos: era sobre sentir-me vista e valorizada.
Na semana seguinte aceitei sair com outro homem: Miguel, professor de Filosofia na escola ao lado da minha. No final do jantar ele insistiu em pagar:
— Deixa estar… Para mim faz sentido assim.
Sorri e aceitei sem protestar. Não porque precisasse que alguém pagasse por mim, mas porque naquele gesto vi algo mais: vontade de cuidar, de partilhar.
O João continuou a mandar mensagens durante algum tempo. Sempre educado, sempre distante. Nunca mais aceitei sair com ele.
Hoje olho para trás e percebo quantas vezes ignorei sinais em nome da esperança ou do medo da solidão. Quantas vezes aceitei menos do que merecia porque achava que pedir mais era ser exigente demais.
Pergunto-me: quantas mulheres continuam a dividir contas — não só no restaurante mas na vida — esperando que um dia alguém queira dividir tudo sem medo? E vocês? Já ignoraram sinais assim? O que fariam no meu lugar?