Chega de Invadir: Os Fins de Semana com a Irmã do Meu Marido
— Outra vez, Diogo? — perguntei, tentando controlar o tom da minha voz enquanto via a mala cor-de-rosa da Aurora encostada à porta da sala. — Não achas que já chega?
Ele suspirou, desviando o olhar para o chão. — Marta, é só mais este fim de semana. Ela anda em baixo desde que se separou do Rui. Não consigo dizer-lhe que não.
O meu coração apertou-se. Eu compreendia a dor da Aurora, mas já lá iam seis meses desde a separação. Seis meses em que todos os nossos fins de semana eram invadidos pelo som das suas botas de salto alto, das suas conversas intermináveis ao telefone e dos seus dramas espalhados pela casa.
Lembro-me do primeiro sábado em que ela apareceu. Trouxe um bolo de laranja e um sorriso forçado. — Preciso de companhia — disse, e eu abri-lhe a porta com o coração aberto. Mas o tempo foi passando e a minha paciência foi-se esgotando. O nosso lar deixou de ser o nosso refúgio.
No domingo passado, acordei com o barulho da televisão na sala. Aurora estava estendida no sofá, com as pernas sobre a mesa de centro, a ver um reality show qualquer. O cheiro do seu perfume doce misturava-se com o aroma do café que eu preparava na cozinha.
— Bom dia, cunhada! — disse ela, sem desviar os olhos do ecrã.
— Bom dia — respondi, tentando soar cordial.
Diogo entrou na cozinha e pousou a mão no meu ombro. — Aguenta só mais um pouco, Marta. Ela vai melhorar.
Mas eu já não aguentava. Sentia-me uma estranha na minha própria casa. Os nossos planos a dois eram sempre adiados: o jantar romântico transformava-se em pizza para três; as noites de cinema eram interrompidas pelas histórias intermináveis da Aurora sobre o Rui; até os momentos de silêncio eram preenchidos pelo som das suas mensagens de voz.
Uma noite, depois de Aurora se fechar no quarto de hóspedes para mais uma chamada dramática com uma amiga, sentei-me ao lado do Diogo no sofá.
— Isto não pode continuar assim — disse-lhe, com lágrimas nos olhos. — Sinto-me sufocada. Preciso do nosso espaço.
Ele olhou-me com tristeza. — Não quero magoar a minha irmã…
— E eu? Não te importas comigo? — perguntei, sentindo a voz tremer.
O silêncio entre nós era pesado. Pela primeira vez em anos, senti que o nosso casamento estava em risco por causa de alguém de fora.
No sábado seguinte, Aurora chegou com duas malas e um saco cheio de roupa suja.
— Trouxe tudo para lavar aqui, Marta! A máquina lá em casa avariou outra vez…
Respirei fundo e sorri amarelo. — Claro, Aurora.
Mas por dentro sentia-me invisível. Passei o dia a lavar roupa que não era minha, a ouvir lamentos que não me pertenciam e a engolir palavras que me queimavam na garganta.
À noite, quando Diogo foi buscar vinho à cozinha, segui-o e fechei a porta atrás de mim.
— Ou falas com ela ou falo eu — disse-lhe, firme. — Não aguento mais.
Ele percebeu que não era um ultimato vazio. Pela primeira vez vi nos seus olhos o medo de me perder.
No domingo, depois do almoço, Diogo chamou Aurora à varanda.
— Aurora, precisamos conversar — começou ele, hesitante.
Eu fiquei na sala, mas ouvia cada palavra através da porta entreaberta.
— Eu e a Marta precisamos de tempo para nós…
— Estás a correr-me daqui? — interrompeu ela, magoada.
— Não é isso… Só precisamos de recuperar o nosso espaço. Tu também precisas de encontrar o teu caminho, Aurora.
Ela chorou. Eu chorei baixinho na sala. Senti-me culpada e aliviada ao mesmo tempo.
Aurora saiu nesse dia mais cedo do que o habitual. Deixou as malas e levou apenas uma mochila pequena. Antes de sair, olhou para mim com olhos vermelhos:
— Desculpa, Marta. Não queria ser um peso…
Abracei-a. — Tu és família. Só precisamos de limites.
Os fins de semana seguintes foram estranhos no início. A casa parecia grande demais para dois. Mas aos poucos voltámos a encontrar o nosso ritmo: jantares demorados à luz das velas, conversas sem interrupções, silêncios confortáveis.
Aurora ligava-nos às vezes. Contava novidades sobre um novo curso que estava a fazer, sobre amigos novos que conhecia no ginásio. Percebi que ela também precisava desse empurrão para recomeçar.
Hoje olho para trás e penso: quantas vezes deixamos que os outros invadam o nosso espaço por medo de magoar? E quantas vezes esquecemos de cuidar do nosso próprio coração?
E vocês? Já sentiram que precisavam de impor limites para proteger aquilo que é vosso? Como lidaram com isso?