Entre a Fé e o Desespero: Como a Oração Me Salvou Durante a Crise Financeira da Minha Família

— Não é justo, Mariana! Eu tenho direito à minha parte! — gritou o Rui, batendo com o punho na mesa da cozinha. O som ecoou pela casa, misturando-se com o cheiro do café acabado de fazer e o silêncio tenso da minha mãe, sentada ao lado dele, com as mãos trémulas a apertar o lenço.

Naquele instante, senti o chão fugir-me dos pés. O Rui, meu irmão mais novo, sempre foi impulsivo, mas nunca imaginei que chegasse ao ponto de exigir a venda da casa dos nossos pais só porque queria casar e não tinha dinheiro para alugar um apartamento. O meu pai, já falecido há dois anos, tinha deixado tudo em nosso nome, confiando que saberíamos resolver as coisas em família. Mas agora, parecia que tudo aquilo que nos unia estava prestes a desmoronar.

— Rui, por favor… — tentei apaziguar, mas ele interrompeu-me.

— Não venhas com sermões! Eu já decidi. Ou me dão a minha parte ou vou para tribunal. Preciso de começar a minha vida com a Sofia e não vou ficar à espera que vocês se decidam!

A minha mãe chorava baixinho. Eu sentia-me dividida entre a raiva e o desespero. Como podia ele ser tão frio? A nossa casa era mais do que paredes e telhado; era onde crescemos, onde o meu pai morreu, onde a minha mãe ainda vivia. Vender aquilo era como arrancar-lhe o coração.

Nessa noite, não consegui dormir. Oiço ainda os passos da minha mãe no corredor, o ranger das tábuas antigas e os soluços abafados no quarto dela. Levantei-me e fui até à sala. Sentei-me no sofá, abracei as pernas e deixei as lágrimas correrem. Olhei para o crucifixo pendurado na parede — herança da minha avó — e murmurei uma oração. Não era uma oração bonita ou articulada; era um pedido desesperado por força, por clareza, por um milagre.

Os dias seguintes foram um pesadelo. O Rui evitava-me, falava apenas com advogados e com a Sofia, que me olhava de lado sempre que vinha cá a casa. A minha mãe definhava a olhos vistos. Os vizinhos começaram a comentar — numa aldeia pequena como a nossa, tudo se sabe — e eu sentia o peso do julgamento de todos.

Uma tarde, ao regressar do trabalho no supermercado local, encontrei a minha mãe sentada no jardim, com os olhos perdidos no horizonte.

— Mãe… — sentei-me ao lado dela.

Ela agarrou-me na mão.

— Mariana, eu não aguento ver-vos assim. O teu pai não queria isto…

— Eu sei, mãe. Mas não sei o que fazer. Se vendermos a casa, para onde vais? E eu? Não temos dinheiro para comprar outra…

Ela suspirou.

— Talvez seja altura de confiar em Deus. Ele nunca nos abandonou.

Naquela noite rezei como nunca tinha rezado antes. Pedi orientação, pedi paz para o coração do Rui, pedi coragem para mim. E foi nesse momento que senti uma calma estranha invadir-me. Como se alguém me dissesse: “Vai correr tudo bem”.

No dia seguinte tomei uma decisão. Liguei ao Rui e pedi-lhe para falarmos os três — eu, ele e a mãe — sem advogados nem terceiros.

Sentámo-nos à mesa da cozinha, como tantas vezes antes.

— Rui — comecei — eu entendo que queiras começar a tua vida com a Sofia. Mas vender esta casa vai destruir-nos a todos. Propus-lhe: E se eu te pagar a tua parte aos poucos? Não é muito, mas posso dar-te metade agora e o resto em prestações durante dois anos.

Ele olhou-me desconfiado.

— E se tu perderes o emprego? E se não conseguires pagar?

— Confia em mim — pedi-lhe. — E confia na mãe. Não queremos guerra contigo.

Houve um silêncio pesado. A minha mãe chorava de novo, mas desta vez eram lágrimas de esperança.

O Rui aceitou relutantemente. Fizemos um acordo escrito à mão, com testemunhas da Junta de Freguesia. Não foi fácil: tive de pedir um empréstimo ao banco e trabalhar horas extra no supermercado. Houve meses em que mal tinha dinheiro para comer. A Sofia continuou fria comigo durante muito tempo.

Mas aos poucos as coisas foram acalmando. O Rui casou-se e mudou-se para um pequeno apartamento em Vila Nova de Gaia. A minha mãe recuperou algum ânimo e voltou a cuidar do jardim como antes. Eu aprendi a viver com menos e a valorizar mais aquilo que realmente importa.

Houve dias em que quase desisti. Dias em que me ajoelhei no chão do quarto e chorei até não ter mais lágrimas. Mas cada vez que sentia que não aguentava mais, rezava. E cada vez que rezava, sentia uma força inexplicável dentro de mim.

Um ano depois do acordo, o Rui ligou-me numa noite chuvosa.

— Mariana… queria pedir-te desculpa por tudo o que te fiz passar. Fui egoísta…

Chorei ao ouvir aquelas palavras. Perdoei-o ali mesmo, porque sabia que guardar rancor só me faria mal.

Hoje olho para trás e vejo quanto cresci com tudo isto. A fé não me deu dinheiro nem resolveu os meus problemas de um dia para o outro. Mas deu-me força para continuar quando tudo parecia perdido.

Às vezes pergunto-me: quantas famílias se destroem por causa de dinheiro? Quantas vezes deixamos que o orgulho fale mais alto do que o amor? Talvez devêssemos rezar mais uns pelos outros… O que acham vocês?