Porque o meu filho me disse que não estava convidada para o seu casamento: Confissão de uma mãe portuguesa
— Mãe, não quero que venhas ao meu casamento.
As palavras do Tomás ecoaram na cozinha fria, entre o cheiro do café acabado de fazer e o som distante da chuva a bater nos vidros. Fiquei ali, com a chávena a tremer-me nas mãos, sem saber se tinha ouvido bem. O meu filho, o meu único filho, a dizer-me aquilo. Senti o chão fugir-me dos pés.
— Como assim, Tomás? — perguntei, tentando controlar a voz, mas ela saiu-me num sussurro trémulo. — O que é que eu fiz para merecer isto?
Ele desviou o olhar, fixando-se na porta como se quisesse fugir dali. — Não é nada pessoal, mãe. Só acho que… não vais perceber. Não quero problemas no dia mais importante da minha vida.
Problemas? Eu? Fui eu que estive ao lado dele quando o pai nos deixou, quando ele chorava à noite e eu fingia que não ouvia para não o envergonhar. Fui eu que trabalhei em dois empregos para lhe pagar os estudos, que vendi as minhas alianças para lhe comprar o primeiro computador. E agora era um problema?
Sentei-me à mesa, as lágrimas a ameaçarem cair. — Tomás, por favor… Explica-me. Não me deixes assim.
Ele suspirou fundo, passou as mãos pelo cabelo castanho, igual ao do pai. — A Marta não quer. Diz que tu nunca gostaste dela, que sempre arranjaste maneira de a pôr de parte. E eu… eu não quero começar esta nova fase com discussões.
A Marta. Sempre ela. Desde o início que senti que ela me via como um obstáculo, alguém a ultrapassar. Lembro-me do primeiro jantar cá em casa: ela mal me olhou nos olhos, respondeu-me com monossílabos e passou a noite agarrada ao telemóvel. Tentei aproximar-me, mas cada tentativa era recebida com frieza ou ironia.
— Eu só queria proteger-te — disse-lhe, quase num sussurro. — Sempre quis o melhor para ti.
Ele levantou-se abruptamente. — Pois agora deixa-me ser feliz à minha maneira! — gritou, antes de sair e bater com a porta.
Fiquei ali sentada, sozinha, a ouvir o eco da porta a fechar-se e a sentir uma dor no peito como nunca antes. A casa parecia maior, mais fria. O relógio da parede marcava as horas devagar, como se gozasse comigo.
Os dias seguintes foram um tormento. Tentei ligar-lhe, mandei mensagens, até fui ao trabalho dele — mas ele evitava-me. A vizinha do lado, a Dona Emília, veio perguntar se estava tudo bem porque já não via o Tomás há dias.
— Está tudo bem, Dona Emília — menti, forçando um sorriso. — O Tomás anda ocupado com o casamento.
Ela olhou para mim com pena nos olhos. — Os filhos crescem e esquecem-se das mães… — murmurou.
As palavras dela ficaram-me na cabeça como uma praga. Será que falhei como mãe? Será que fui demasiado protetora? Ou talvez demasiado exigente? Lembrei-me das vezes em que ralhei com ele por causa das notas, das discussões sobre as saídas à noite, dos castigos quando chegava tarde a casa. Mas também me lembrei dos abraços apertados quando ele tinha pesadelos, das tardes de domingo no parque, dos sorrisos cúmplices quando fazíamos panquecas ao pequeno-almoço.
Uma semana depois recebi um envelope branco no correio. Abri-o com as mãos trémulas: era o convite para o casamento do Tomás e da Marta. Mas no fim do convite vinha uma nota manuscrita: “Mãe, por favor respeita a minha decisão.”
Chorei como há muito não chorava. Senti-me traída, rejeitada, como se todo o esforço de uma vida tivesse sido em vão. Passei dias sem sair de casa, sem vontade de comer ou falar com alguém.
A minha irmã Clara veio visitar-me.
— Tu tens de reagir! — disse ela, sentando-se ao meu lado no sofá. — Não podes deixar que eles te tratem assim!
— Mas é o meu filho… — respondi, limpando as lágrimas.
— E tu és a mãe dele! Não te esqueças disso nunca.
As palavras dela deram-me alguma força. Decidi escrever uma carta ao Tomás. Não sabia se ele a iria ler ou rasgar sem abrir, mas precisava de lhe dizer tudo aquilo que me sufocava.
“Meu querido filho,
Não sei onde errei contigo. Talvez tenha sido demasiado dura ou demasiado presente. Só sei que tudo o que fiz foi por amor. Nunca quis afastar-te da tua felicidade, apenas proteger-te das dores do mundo. Se a Marta é quem tu escolheste para partilhar a vida, só posso desejar-te toda a felicidade do mundo. Mas lembra-te: uma mãe nunca deixa de amar um filho, mesmo quando ele a rejeita.”
Fui eu própria entregar-lhe a carta ao trabalho. Esperei no carro até ele sair. Quando me viu, hesitou por um momento antes de se aproximar.
— O que é que estás aqui a fazer?
— Vim dar-te isto — disse-lhe, estendendo-lhe a carta.
Ele pegou nela sem dizer nada e entrou apressado no prédio.
Voltei para casa com o coração apertado mas aliviada por ter dito tudo o que precisava.
Na véspera do casamento recebi uma mensagem dele: “Obrigado pela carta. Preciso de tempo.”
O dia do casamento chegou e eu fiquei em casa sozinha. Ouvi os sinos da igreja ao longe e imaginei o Tomás de fato escuro, nervoso mas feliz ao lado da Marta. Senti orgulho e tristeza em doses iguais.
À noite recebi uma chamada inesperada: era o meu ex-marido, António.
— Ouvi dizer que o nosso filho casou hoje — disse ele com voz embargada.
— Sim… e eu não fui convidada.
Houve um silêncio pesado do outro lado da linha.
— Eu também não fui — confessou ele por fim. — Talvez tenhamos falhado os dois…
Desliguei sem saber o que pensar. Será que os erros dos pais se pagam sempre pelos filhos?
Os dias passaram devagar. A casa parecia cada vez mais vazia sem o Tomás. A Dona Emília trazia-me sopa e bolos para animar-me, mas nada preenchia aquele vazio.
Um mês depois ouvi baterem à porta. Era o Tomás.
— Posso entrar? — perguntou baixinho.
Assenti sem conseguir falar.
Sentou-se à mesa da cozinha onde tudo tinha começado.
— Li a tua carta muitas vezes — começou ele. — Percebi que fui injusto contigo… Mas também preciso que percebas que agora tenho outra família para construir.
— Eu só quero que sejas feliz — respondi-lhe com lágrimas nos olhos.
Ele sorriu pela primeira vez em muito tempo e abraçou-me como quando era pequeno.
— Desculpa, mãe.
Nesse momento percebi que o amor de mãe resiste a tudo: às zangas, às ausências e até às palavras mais duras.
Agora pergunto-me: quantas mães vivem este silêncio? Quantos filhos se afastam sem perceberem quanto dói? Será possível reconstruir pontes depois de tanto sofrimento?