Quando a Verdade Mora ao Lado: Uma História de Traição e Coragem em Lisboa

— Mariana, preciso de te dizer uma coisa, mas prometes que não te zangas comigo? — sussurrou a Dona Lurdes, a vizinha do 2º esquerdo, enquanto me encontrava nas escadas do prédio, com as mãos trémulas a apertar o avental.

O coração disparou-me no peito. O tom dela era grave, quase conspirativo. — O que se passa, Dona Lurdes? — perguntei, tentando sorrir, mas sentindo já um frio a subir-me pela espinha.

Ela olhou para os lados, certificando-se de que ninguém ouvia. — O Rui… o teu marido… ele tem trazido uma mulher cá a casa. Vi-os duas vezes esta semana. Não queria meter-me, mas achei que devias saber.

O mundo parou. Senti as pernas fraquejarem. O Rui? O meu Rui? Não podia ser. Ele sempre fora tão carinhoso, tão presente — pelo menos quando estava comigo. Mas nos últimos meses, havia qualquer coisa diferente nele: chegava mais tarde, evitava olhar-me nos olhos, o telemóvel sempre em silêncio ou virado para baixo.

— Tem a certeza do que viu? — perguntei, a voz quase sumida.

Dona Lurdes assentiu com pesar. — Mariana, filha, se fosse só uma vez… mas já não é. E não fui só eu que vi. O Sr. António também comentou.

Agradeci-lhe com um aceno de cabeça e entrei em casa como um fantasma. A sala parecia-me agora estranha, como se cada objeto escondesse um segredo. Sentei-me no sofá e olhei para as fotografias na estante: o nosso casamento na Sé de Lisboa, as férias em Tavira com os miúdos ainda pequenos, os Natais em família. Tudo aquilo era real? Ou tinha sido apenas uma ilusão?

O relógio marcava 18h45 quando ouvi a chave na porta. O Rui entrou, pousou a pasta e sorriu-me como sempre.

— Olá, amor. Que tal o dia?

Olhei-o nos olhos e vi ali uma sombra que nunca tinha reparado antes. — Precisamos de falar.

Ele hesitou um segundo antes de se sentar ao meu lado. — O que se passa?

— Rui… alguém tem vindo cá a casa quando eu não estou?

Ele franziu o sobrolho, fingindo surpresa. — Como assim?

— Não mintas. Os vizinhos viram-te com outra mulher aqui em casa.

O silêncio caiu pesado entre nós. Ele desviou o olhar e passou as mãos pelo cabelo.

— Mariana… eu posso explicar.

— Explicar o quê? Que me traíste na nossa própria casa?

Ele tentou agarrar-me as mãos, mas eu afastei-me. — Não é o que parece…

Ri-me amargamente. — Não é? Então diz-me tu o que é!

Os olhos dele encheram-se de lágrimas. — Eu… sinto-me perdido. O trabalho está a correr mal, sinto-me velho, inútil… Conheci a Carla num café perto do escritório. Ela ouviu-me quando precisei de falar…

— E trouxeste-a para nossa casa? Para o nosso lar? — gritei, incapaz de conter a raiva e a dor.

Ele baixou a cabeça. — Não aconteceu nada entre nós… ainda. Mas eu precisava de alguém que me ouvisse.

Levantei-me de rompante. — E eu? Eu não te ouço? Não estou aqui todos os dias?

Ele ficou calado.

Nessa noite dormi no quarto dos miúdos, sozinha, com as lágrimas a ensoparem a almofada. A cabeça rodopiava: será que falhei como mulher? Como esposa? Ou será ele que nunca soube valorizar o que tinha?

No dia seguinte, fui trabalhar como um autómato. Os colegas notaram o meu ar ausente, mas ninguém perguntou nada. Lisboa parecia mais cinzenta do que nunca; até o Tejo me pareceu triste quando olhei pela janela do autocarro.

Quando cheguei a casa, encontrei um bilhete do Rui: “Fui pensar. Preciso de tempo.” Senti uma mistura de alívio e medo. E agora? Como explicar isto aos nossos filhos? Como enfrentar os vizinhos? Como continuar a viver num prédio onde todos sabiam da minha vergonha?

A minha mãe ligou-me nessa noite. — Mariana, estás bem? Senti a tua voz estranha ontem ao telefone.

Desabei em lágrimas e contei-lhe tudo. Ela ficou em silêncio durante uns segundos antes de responder:

— Filha, os homens às vezes perdem-se, mas tu não te podes perder contigo mesma. Lembra-te de quem és.

As palavras dela ecoaram em mim durante dias. Comecei a reparar em pequenos detalhes: os olhares solidários dos vizinhos no elevador; a Dona Lurdes a deixar um bolo à minha porta; os miúdos a perguntarem porque é que o pai não vinha jantar.

O Rui voltou passados quatro dias. Trazia um ar cansado e envelhecido.

— Mariana… Perdoa-me. Fui um cobarde. Não sei se consigo recuperar o teu amor, mas quero tentar.

Olhei-o longamente. Parte de mim queria gritar-lhe todas as mágoas; outra parte queria apenas abraçá-lo e fingir que nada disto tinha acontecido. Mas percebi que não podia apagar o passado.

— Rui… Eu preciso de tempo também. Preciso de perceber se ainda consigo confiar em ti.

Ele assentiu e foi dormir para o sofá.

Os dias passaram arrastados. Os miúdos sentiam a tensão no ar; até o gato parecia mais nervoso. No trabalho, comecei a abrir-me com a minha colega Ana, que me contou que também ela passara por uma traição há anos atrás.

— Sabes, Mariana — disse ela um dia à hora do almoço — às vezes é preciso perder tudo para nos encontrarmos outra vez.

Essas palavras ficaram comigo enquanto caminhava pelas ruas de Alfama ao fim da tarde, ouvindo os pregões dos vendedores e sentindo o cheiro das castanhas assadas no ar frio de novembro.

Uma noite, sentei-me com o Rui à mesa da cozinha.

— Rui… quero ser honesta contigo. Não sei se consigo perdoar-te já. Mas também não quero viver agarrada à mágoa para sempre.

Ele olhou-me nos olhos pela primeira vez em semanas.

— Eu amo-te, Mariana. Quero reconstruir tudo contigo… se tu quiseres.

Respirei fundo e deixei cair as lágrimas que tinha guardado durante tanto tempo.

— Vamos tentar… mas desta vez tem de ser diferente. Quero sentir que somos uma equipa outra vez.

E assim começámos devagarinho: conversas longas à noite depois dos miúdos irem dormir; passeios ao fim-de-semana pelo Jardim da Estrela; idas ao cinema como nos velhos tempos. Não foi fácil — ainda hoje há dias em que olho para ele e sinto uma pontada no peito — mas aprendi que o perdão não é esquecer; é escolher seguir em frente apesar da dor.

Hoje olho para trás e vejo uma mulher mais forte do que alguma vez pensei ser possível. Aprendi que às vezes são os vizinhos que nos abrem os olhos para verdades difíceis — mas são também eles que nos seguram quando tudo desaba.

E vocês? Já sentiram o chão fugir-vos dos pés por causa de uma traição? O que fariam se tivessem de reconstruir tudo do zero?