Sem Privacidade da Minha Filha Adulta: Amar Como se Tivesse 16 Anos
— Mãe, outra vez a sair à noite? — A voz da Inês ecoou pelo corredor, carregada de desconfiança e um toque de mágoa. Senti o coração apertar-se no peito, como se tivesse sido apanhada a fazer algo proibido. Olhei para ela, parada à porta do meu quarto, braços cruzados, olhar inquisidor. Tinha 27 anos, mas naquele momento parecia-me a adolescente de 14 que ficou a olhar para mim, perdida, quando me separei do pai dela.
— Vou só jantar com umas amigas — menti, sentindo-me ridícula. Aos 52 anos, estava a mentir à minha filha como uma miúda que foge de casa para ir a uma festa. Mas não tinha coragem de lhe dizer a verdade: ia encontrar-me com o Francisco.
O Francisco apareceu na minha vida como um raio de sol num dia de inverno. Conhecemo-nos numa reunião de pais na escola onde dou aulas. Ele era o novo professor de História. Trocámos olhares, depois palavras, depois cafés. E agora, depois de tantos anos sozinha — verdadeiramente sozinha — sentia-me viva outra vez. Mas a Inês não conseguia aceitar isso.
A primeira vez que lhe falei do Francisco foi num domingo à tarde, enquanto preparávamos juntas o almoço. — Conheci alguém — disse-lhe, tentando soar casual. Ela largou a faca em cima da bancada e olhou para mim como se eu tivesse acabado de anunciar que ia emigrar para o outro lado do mundo.
— Estás a falar a sério? — perguntou, a voz embargada.
— Estou. Ele chama-se Francisco. É professor.
O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase podia tocá-lo. Desde esse dia, tudo mudou entre nós. A Inês começou a controlar os meus horários, a perguntar onde ia, com quem estava. Senti-me vigiada na minha própria casa. E eu, que sempre fui uma mãe presente, compreensiva, sentia agora que tinha de esconder partes da minha vida para proteger o pouco de felicidade que tinha encontrado.
As discussões tornaram-se frequentes. Uma noite, quando cheguei tarde do jantar com o Francisco, encontrei-a sentada no sofá à minha espera.
— Não achas que já chega desta palhaçada? — atirou ela assim que entrei.
— Palhaçada? Inês, estou só a tentar ser feliz.
— Felicidade? Depois de tudo o que passámos? Depois do pai nos deixar? Agora queres começar tudo outra vez?
Senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos. O divórcio tinha sido duro para as duas. O pai da Inês saiu de casa sem olhar para trás e eu fiquei a juntar os cacos. Durante anos fui só mãe — mãe a tempo inteiro, mãe sem vida própria, mãe sem direito ao erro ou ao desejo. Agora que finalmente me permitia sentir outra vez, era a minha filha quem me punha limites.
Comecei a encontrar-me com o Francisco às escondidas. Marcávamos cafés longe do bairro, jantares em sítios onde ninguém nos conhecia. Ele ria-se da situação — “Parece que temos 16 anos outra vez!” — mas eu sentia-me cada vez mais sufocada pela culpa e pelo medo de magoar a Inês.
Uma tarde chuvosa de novembro, o Francisco apareceu à porta de casa com um ramo de flores. A Inês abriu-lhe a porta antes de mim.
— O que é que está aqui a fazer? — perguntou-lhe, fria como gelo.
— Vim ver a sua mãe — respondeu ele, tentando sorrir.
— Ela não está interessada.
Ouvi tudo da cozinha e senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Saí disparada para o corredor.
— Inês! Chega! Isto não é justo!
Ela olhou para mim com olhos marejados.
— Não quero perder-te outra vez…
Aquelas palavras desarmaram-me. Abracei-a com força e chorei com ela ali mesmo, no corredor. O Francisco ficou parado à porta, sem saber o que fazer.
Nos dias seguintes tentei conversar com ela. Expliquei-lhe que o amor não tem idade e que eu merecia uma segunda oportunidade. Ela ouvia-me em silêncio, mas percebi que algo nela tinha mudado. Começou a sair mais vezes com as amigas, deixou de me interrogar tanto sobre os meus horários.
Mas o desconforto pairava sempre no ar. Cada vez que o Francisco vinha cá a casa, sentia os olhares dela cravados em nós. Às vezes parecia-me ouvir sussurros atrás das portas: “A mãe anda diferente…” “Será que vai casar outra vez?”
A pressão aumentou quando os meus pais souberam da relação. A minha mãe ligou-me num tom alarmado:
— Teresa, já não tens idade para essas aventuras! Pensa na tua filha!
Senti-me esmagada pelas expectativas dos outros: ser mãe perfeita, filha exemplar, mulher discreta. Mas dentro de mim crescia uma revolta antiga: quando é que seria a minha vez?
O Francisco foi paciente. Esperou por mim nos dias em que eu precisava de espaço. Ouviu os meus desabafos sem julgar. Uma noite levou-me até ao miradouro de Santa Catarina e disse:
— Teresa, não quero ser um segredo na tua vida.
Olhei para Lisboa iluminada aos nossos pés e percebi que estava na altura de escolher: continuar a viver na sombra dos outros ou assumir finalmente quem eu era e o que sentia.
No dia seguinte sentei-me com a Inês à mesa da cozinha.
— Filha, preciso que me ouças até ao fim — pedi-lhe, segurando-lhe as mãos nas minhas. — Sei que te magoei sem querer. Sei que tens medo de me perder outra vez. Mas eu também preciso de viver. Preciso de amar e ser amada.
Ela chorou baixinho e eu chorei com ela. Pela primeira vez em muitos anos falámos das nossas dores sem máscaras nem acusações: do medo da solidão, das saudades do pai ausente, dos sonhos adiados.
Aos poucos fomos encontrando um novo equilíbrio. A Inês começou a aceitar o Francisco na nossa vida — devagarinho, com reservas, mas aceitou. Eu deixei de mentir sobre os meus encontros e comecei a sentir-me livre outra vez.
Hoje olho para trás e vejo como é difícil ser mãe e mulher ao mesmo tempo. Como é fácil perdermo-nos nos papéis que nos impõem e esquecer quem somos realmente.
Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem assim — divididas entre o amor pelos filhos e o direito à própria felicidade? Quantas escondem os seus desejos por medo do julgamento dos outros?
E vocês? Já sentiram esta culpa por quererem ser felizes?