Amor em Segredo: Quando a Minha Filha Não Acredita na Minha Felicidade
— Mãe, tu não percebes? Ele só quer o teu dinheiro! — A voz da Inês ecoou pela cozinha, tão fria e cortante como o vento de janeiro que entrava pela janela mal fechada.
Fiquei ali, de costas para ela, a mexer o café já frio, sentindo as mãos tremerem. Tinha cinquenta e sete anos e, pela primeira vez desde que o António morreu, sentia-me viva. O Manuel apareceu na minha vida como uma brisa inesperada, com o seu sorriso tímido e as mãos calejadas de quem trabalhou toda a vida. Mas agora, diante da minha filha, tudo parecia desmoronar-se.
— Inês, por favor… — tentei manter a voz firme, mas ela saiu-me trémula. — O Manuel não é assim. Ele nunca me pediu nada. Só quer estar comigo.
Ela bufou, cruzando os braços. — Claro, mãe. E eu sou a Rainha de Inglaterra. Já viste quantas vezes ele te ligou esta semana? E aquelas mensagens todas? Não achas estranho?
Sentei-me à mesa, olhando para as minhas mãos envelhecidas. Lembrei-me do António, do nosso casamento longo e seguro, mas também tão rotineiro. Depois da sua morte, a casa ficou grande demais para mim. Os dias eram todos iguais até conhecer o Manuel no mercado municipal, junto à banca das laranjas.
— Inês… — comecei, mas ela interrompeu-me.
— Não percebes que estás vulnerável? — Os olhos dela brilhavam de preocupação e raiva. — Eu só quero proteger-te!
Aquelas palavras magoaram mais do que qualquer acusação. Sempre fui uma mãe presente, talvez até demais depois que o pai dela morreu. E agora era ela quem queria cuidar de mim, mas à sua maneira — controlando tudo.
Naquela noite, depois de ela sair batendo a porta, fiquei sozinha na sala escura. Peguei no telemóvel e escrevi ao Manuel: “Preciso de te ver”. Ele respondeu logo: “Estou aqui para ti”.
No dia seguinte, encontrámo-nos no café da vila. O Manuel chegou com um ramo de flores do campo e um sorriso nervoso.
— Está tudo bem? — perguntou ele, sentando-se à minha frente.
Olhei-o nos olhos e vi ali uma ternura que já não esperava sentir nesta idade.
— A Inês acha que tu me queres enganar — disse-lhe sem rodeios.
Ele baixou os olhos, mexendo no café.
— Eu percebo… — murmurou. — Se fosse a minha filha também desconfiava. Mas eu não quero nada de ti que não seja companhia…
As palavras dele aqueceram-me o peito. Mas a dúvida ficou ali, como uma pedra no sapato.
Durante semanas vivi neste limbo: os jantares com o Manuel eram seguidos de discussões com a Inês. Ela começou a aparecer em casa sem avisar, vasculhando papéis, perguntando por extratos bancários.
— Mãe, ele já te pediu dinheiro? — perguntou um dia, quase em sussurro.
— Não! — gritei. — E mesmo que pedisse… eu sei cuidar de mim!
Ela chorou nesse dia. Chorou como quando era pequena e tinha medo do escuro. Abracei-a e senti o peso dos anos entre nós.
O Manuel tentou aproximar-se dela. Convidou-a para jantar connosco num sábado à noite. Preparou bacalhau à Brás e comprou um vinho do Dão especial.
Durante o jantar, Inês manteve-se calada, olhando-o de soslaio.
— Então, Inês — disse ele com cuidado —, gostavas de conhecer a minha neta? Ela tem quase a tua idade.
Ela sorriu amarelo.
— Talvez um dia…
Depois do jantar, ela puxou-me para a cozinha.
— Mãe, não vês? Ele está a tentar manipular-te! Até já fala da família dele!
Senti-me exausta. Queria gritar-lhe que estava cansada de ser tratada como uma criança. Queria dizer-lhe que merecia ser feliz outra vez.
Nessa noite sonhei com o António. Ele estava sentado na nossa velha poltrona azul, sorrindo-me com tristeza.
— Não tenhas medo de viver — disse ele no sonho.
Acordei com lágrimas nos olhos e uma decisão tomada: ia viver este amor até ao fim, custasse o que custasse.
No domingo seguinte, convidei o Manuel para almoçar em minha casa. Fiz arroz de pato como ele gostava. Quando a Inês apareceu sem avisar — como já era hábito — encontrou-nos a rir na varanda.
Ela ficou parada à porta, olhando-nos como se fôssemos estranhos.
— Mãe… preciso falar contigo — disse ela baixinho.
Fomos para o quarto. Ela sentou-se na cama e eu sentei-me ao lado dela.
— Se tu confias nele… eu vou tentar confiar também — disse ela finalmente. — Mas promete-me que vais ter cuidado.
Abracei-a com força.
— Prometo, filha. Mas também preciso que confies em mim. Eu não sou ingénua.
Ela assentiu devagar e saiu do quarto em silêncio.
Os meses passaram e o Manuel tornou-se parte da minha vida. Começámos a fazer pequenas viagens juntos: fomos ao Douro ver as vinhas em setembro, passeámos por Óbidos nas festas medievais. A Inês foi aceitando aos poucos, embora nunca completamente à vontade.
Um dia, ao regressar de uma dessas viagens, encontrei a Inês sentada na sala com um envelope na mão.
— Chegou isto para ti — disse ela secamente.
Abri o envelope: era uma carta do banco sobre uma transferência suspeita na minha conta. O coração disparou-me no peito.
— Mãe… diz-me que não foste tu! — suplicou ela.
Olhei para os papéis: era um erro do banco, uma transferência automática duplicada da minha pensão. Suspirei aliviada e mostrei-lhe os documentos.
Ela chorou outra vez nesse dia. Chorou por medo de me perder para alguém ou para um erro qualquer da vida.
Naquela noite sentei-me sozinha na varanda e olhei as estrelas. Pensei em tudo o que tinha vivido: as dores da viuvez, o medo da solidão, a alegria inesperada do reencontro com o amor…
Será que alguma vez deixamos de ser filhas ou mães? Será que é possível amar sem medo depois dos cinquenta? Ou será que estamos sempre condenadas a escolher entre a nossa felicidade e a paz da família?
Gostava de saber: alguém já passou por isto? Como se aprende a confiar outra vez — nos outros e em nós próprios?