“Queres um filho? Primeiro, sai da minha casa”: Como a minha sogra quase destruiu o nosso casamento
— Não aguento mais, Jorge! Ou ela sai, ou eu saio! — gritou a Mariana, com os olhos vermelhos de tanto chorar, enquanto atirava as chaves para cima da mesa da cozinha.
Fiquei parado, com o coração aos pulos, a olhar para a minha mulher. A minha mãe, sentada no sofá da sala, fingia que não ouvia, mas eu sabia que cada palavra era como uma faca a cortar-lhe o orgulho. O cheiro do café queimado pairava no ar, misturado com o peso de anos de silêncios e pequenas mágoas acumuladas.
Nunca pensei que a minha vida chegasse a este ponto. Sempre fui um filho dedicado, um marido presente. Mas, desde que o meu pai morreu e a minha mãe ficou sozinha, achei que era meu dever trazê-la para nossa casa. Mariana aceitou, no início, com aquele sorriso tenso que só eu sabia decifrar. Mas os meses passaram e a casa encolheu. A minha mãe implicava com tudo: a forma como Mariana cozinhava o arroz, como dobrava as toalhas, até com o modo como educávamos a nossa filha, a pequena Leonor.
— Jorge, tu não vês? Ela não me respeita! — Mariana insistia, quase suplicando por um gesto meu.
Eu tentava ser mediador:
— Mãe, por favor… Não podes ser tão dura com a Mariana. Ela faz tudo para te agradar.
A minha mãe respondia sempre com aquele tom magoado:
— Eu só quero o melhor para esta família. Se não fosse por mim, nem tinhas aprendido a fazer um arroz decente!
As discussões tornaram-se rotina. Leonor começou a fechar-se no quarto, tapando os ouvidos com música alta. Eu sentia-me esmagado entre duas mulheres que amava de formas diferentes e igualmente profundas. O pior era à noite, quando me deitava ao lado da Mariana e sentia o seu corpo rígido, distante.
Uma noite, depois de mais uma discussão sobre quem ia buscar Leonor à escola — porque a minha mãe achava que Mariana não tinha jeito para lidar com crianças — ouvi Mariana sussurrar:
— Eu já não sou feliz aqui.
Essas palavras ficaram-me gravadas na pele como uma queimadura. Comecei a chegar mais tarde do trabalho, inventando reuniões que não existiam só para evitar o ambiente pesado em casa. A minha mãe percebia e fazia-se de vítima:
— Agora já nem falas comigo…
O ponto de rutura chegou numa manhã de sábado. Mariana estava na cozinha a preparar panquecas para Leonor quando a minha mãe entrou e começou a criticar:
— Isso não é pequeno-almoço de gente! Sempre foste mimada demais…
Mariana largou tudo e saiu porta fora. Fui atrás dela até ao jardim.
— Não posso mais, Jorge. Ou ela sai desta casa ou eu vou-me embora com a Leonor.
Fiquei ali parado, sem saber o que dizer. Senti-me um cobarde por não conseguir escolher. No fundo, tinha medo de magoar qualquer uma delas.
Os dias seguintes foram um inferno. Mariana começou a dormir no quarto da Leonor. A minha mãe chorava baixinho à noite. Eu sentia-me cada vez mais sozinho.
Até que um dia cheguei a casa e encontrei um bilhete em cima da mesa:
“Preciso de respirar. Fui para casa da Sofia. Não me procures.”
O chão fugiu-me dos pés. Liguei-lhe dezenas de vezes, mas ela não atendeu. Leonor ficou comigo, mas mal me falava. A minha mãe tentou consolar-me:
— Ela vai voltar. As mulheres são assim…
Mas eu sabia que algo tinha mudado para sempre.
Durante semanas tentei convencer Mariana a voltar. Prometi procurar uma casa para a minha mãe. Prometi mudar tudo. Mas ela estava fria, distante.
Um dia, ao ir buscar Leonor à escola, encontrei Mariana à porta com um homem ao lado. Senti uma dor surda no peito.
— Este é o Miguel — disse ela, sem me olhar nos olhos.
Percebi que tinha perdido tudo.
A minha mãe continuou comigo durante meses. A casa parecia um túmulo. Leonor passou a dividir-se entre nós e Mariana. Eu tentava manter as rotinas, mas sentia-me vazio.
Foi então que conheci a Ana numa reunião de pais na escola da Leonor. Ela era divorciada, simpática e parecia entender o meu sofrimento sem precisar de muitas palavras. Começámos a sair juntos, devagarinho.
Quando contei à minha mãe que estava apaixonado outra vez, ela ficou furiosa:
— Já te esqueceste da tua família? Agora vais trocar tudo por uma mulher qualquer?
Senti-me novamente preso na mesma armadilha.
Ana foi clara comigo desde o início:
— Jorge, eu quero construir uma vida contigo. Mas não consigo viver com a tua mãe em casa. Se queres mesmo ter um filho comigo… tens de escolher.
As palavras dela ecoaram na minha cabeça durante dias. Lembrei-me das noites em claro ao lado da Mariana, das lágrimas da Leonor, do vazio que ficou depois da separação.
Falei com a minha mãe numa tarde chuvosa:
— Mãe… preciso que procures outra casa. Eu ajudo-te em tudo o que precisares, mas preciso de viver a minha vida.
Ela chorou como nunca tinha visto antes.
— Depois de tudo o que fiz por ti… agora queres abandonar-me?
Senti-me o pior filho do mundo. Mas sabia que era preciso cortar o cordão umbilical se queria ser feliz.
Ajudámo-la a encontrar um apartamento perto do centro de saúde e dos amigos dela. Aos poucos foi habituando-se à nova vida.
Ana e eu casámos no verão seguinte. Tivemos um filho, o Tomás. A Leonor aceitou-o como irmão e voltou a sorrir.
Mas às vezes ainda acordo de madrugada com o peso da culpa no peito. Será que fiz bem? Será que algum dia vou conseguir perdoar-me por ter escolhido a minha felicidade em vez da da minha mãe?
E vocês? Já tiveram de escolher entre o amor e a família? Como se sobrevive ao peso destas decisões?