Nunca Serei a Mãe do Diogo: Entre o Amor e a Culpa de uma Madrasta Portuguesa

— Não sou tua mãe, Diogo! — gritei antes de conseguir controlar-me. O silêncio que se seguiu foi tão pesado que quase me sufocou. O Rui olhou para mim, olhos arregalados, como se eu tivesse acabado de cometer um crime. O Diogo, com apenas oito anos, ficou parado à minha frente, os olhos cheios de lágrimas que ele tentava esconder. Senti imediatamente o peso da culpa a esmagar-me o peito, mas não consegui voltar atrás.

Tudo começou há três anos, quando conheci o Rui. Trabalhávamos na mesma empresa em Lisboa, ele no departamento financeiro, eu no de recursos humanos. O Rui era charmoso, divertido e tinha aquele sorriso triste que me fez querer saber mais. Só depois de alguns encontros é que me contou sobre o Diogo e sobre a ex-mulher, a Vera. “Ela foi embora para o Porto com outro homem”, disse-me numa noite chuvosa, enquanto partilhávamos uma garrafa de vinho barato na minha varanda. “O Diogo ficou comigo.”

No início, achei que estava preparada. Sempre quis ter filhos e pensei que ser madrasta seria parecido. Mas não é. Não é nada parecido.

A primeira vez que conheci o Diogo foi num sábado à tarde. O Rui estava nervoso, eu ainda mais. O miúdo entrou na sala com uma mochila do Benfica às costas e olhou para mim como se eu fosse uma intrusa no seu território. Tentei sorrir-lhe, oferecer-lhe um sumo, mas ele recusou tudo. “A minha mãe faz panquecas ao sábado”, disse-me ele, sem olhar nos meus olhos.

Os meses passaram e eu tentei de tudo: levá-lo ao cinema, cozinhar os pratos preferidos dele (que nunca eram tão bons como os da mãe), ajudar nos trabalhos de casa. Mas o Diogo mantinha-se distante, sempre a comparar-me à Vera, sempre a lembrar-me que eu era apenas “a Marta”.

O Rui dizia-me para ter paciência. “Ele precisa de tempo”, repetia como um mantra. Mas o tempo passava e eu sentia-me cada vez mais uma estranha na minha própria casa. Às vezes, quando o Diogo estava com a mãe no Porto, eu e o Rui éramos felizes. Falávamos sobre ter um filho nosso, sobre casar, sobre comprar uma casa maior. Mas quando o Diogo voltava, tudo mudava.

As discussões começaram a aparecer. Pequenas coisas: brinquedos espalhados pela sala, notas baixas na escola, birras à mesa do jantar. Eu tentava impor regras — “Aqui em casa não se grita”, “Tens de arrumar o quarto” — mas o Rui achava sempre que eu era demasiado dura. “Ele já passou por muito”, dizia-me ele. “Não compliques mais as coisas.”

Uma noite, depois de uma discussão especialmente feia sobre um teste de matemática em que o Diogo tirou negativa, sentei-me sozinha na cozinha a chorar. Senti-me injusta, má pessoa. Liguei à minha mãe em Setúbal e contei-lhe tudo.

— Filha, tu não és obrigada a amar o filho dele como se fosse teu — disse-me ela com aquela franqueza típica das mães portuguesas. — Mas tens de respeitá-lo e encontrar o teu lugar nessa família.

Mas qual é o meu lugar? Sou apenas a mulher do pai? Uma substituta temporária até a mãe voltar?

A situação piorou quando descobri que estava grávida. O Rui ficou radiante; eu entrei em pânico. Como é que ia conseguir amar um filho meu sem sentir que estava a trair o Diogo? E se amasse mais o meu filho do que ao Diogo? E se o Diogo sentisse isso?

O anúncio da gravidez foi um desastre. O Diogo ouviu-nos a falar e entrou na sala aos gritos:

— Agora vais ter um filho teu e eu vou ficar sozinho! — chorou ele, atirando um livro ao chão.

O Rui tentou acalmá-lo, mas eu fiquei ali parada, sem saber o que dizer ou fazer. Pela primeira vez percebi que nunca seria suficiente para aquele rapaz.

As semanas seguintes foram um inferno. O Diogo começou a fazer birras na escola, recusava-se a falar comigo e até ao pai respondia torto. A Vera ligou várias vezes a dizer que eu estava a estragar tudo, que devia afastar-me.

Uma noite, depois de mais uma discussão com o Rui — desta vez porque ele achava que eu devia pedir desculpa ao Diogo por estar grávida — fiz as malas e fui dormir para casa da minha amiga Joana em Almada.

— Tu tens direito à tua felicidade — disse-me ela enquanto me preparava um chá quente. — Não podes viver sempre à sombra da ex-mulher dele nem sacrificar-te pelo filho dela.

Mas será mesmo assim tão simples?

Voltei para casa dois dias depois porque sentia falta do Rui — e até do Diogo. Quando entrei em casa, encontrei-os os dois sentados no sofá a ver televisão em silêncio absoluto.

— Marta… — começou o Rui, mas eu interrompi-o.

— Eu não sou tua mãe, Diogo — disse-lhe calmamente desta vez. — E nunca vou ser. Mas gostava de ser tua amiga… ou pelo menos alguém em quem possas confiar.

O Diogo não respondeu naquele dia. Mas nessa noite deixou um desenho à porta do meu quarto: era ele, eu e o Rui de mãos dadas.

As coisas não ficaram perfeitas depois disso. Ainda discutimos muito; ainda sinto ciúmes da Vera quando ela liga ou vem buscar o Diogo para passar fins-de-semana no Porto. Ainda tenho medo de amar mais o meu filho do que ao Diogo — ou pior, de não conseguir amar o Diogo nunca.

Mas aprendi que não sou obrigada a substituir ninguém. Posso ser só eu: a Marta, a mulher do pai dele, alguém imperfeita mas honesta.

Agora pergunto-me: quantas Martas haverá por aí? Quantas madrastas vivem neste limbo entre querer pertencer e sentir-se sempre de fora? Será possível amar um filho que não é nosso sem nos perdermos pelo caminho?