Quando a Fatura do Casamento Chegou: Amor à Prova
— Mariana, não podemos pagar isto. — A voz do meu pai ecoou pela cozinha, trémula, quase um sussurro envergonhado. O papel da fatura tremia-lhe na mão, como se fosse um animal selvagem prestes a morder. Olhei para ele, depois para a minha mãe, que desviava o olhar para o chão, as mãos crispadas no avental.
Por dentro, senti o chão fugir-me dos pés. Tantos meses a planear, a sonhar com aquele dia perfeito… E agora? O Miguel, sentado ao meu lado, apertou-me a mão debaixo da mesa. O silêncio pesava mais do que qualquer palavra.
— Mas… vocês disseram que iam ajudar — murmurei, tentando controlar as lágrimas. — Sempre disseram que queriam que eu tivesse o casamento que nunca tiveram.
A minha mãe levantou finalmente os olhos, vermelhos de cansaço. — Mariana, as coisas mudaram. O teu pai perdeu horas no trabalho, a renda aumentou… Não conseguimos. Não assim.
O Miguel tentou intervir, mas eu já não ouvia nada. Só conseguia pensar nos vestidos de renda, nas flores brancas, no salão reservado há meses. E agora? Iria tudo por água abaixo?
Saí da cozinha sem dizer palavra. No meu quarto, atirei-me para a cama e chorei como uma criança. Lembrei-me de quando era pequena e os meus pais me prometiam o mundo. Agora, sentia-me traída. Egoísta? Talvez. Mas era o meu sonho.
Naquela noite, Miguel veio ter comigo. Sentou-se ao meu lado na cama e ficou em silêncio durante minutos. Finalmente falou:
— Mariana, não precisamos de tudo aquilo para sermos felizes. Podemos casar no jardim dos teus avós, com os nossos amigos e família mais próximos…
— Não percebes! — gritei-lhe, sem querer. — Não é só sobre o casamento. É sobre as promessas quebradas, sobre confiar nas pessoas…
Ele ficou calado. Vi-lhe nos olhos a mágoa e a frustração. Talvez eu estivesse a ser injusta, mas não conseguia evitar.
Os dias seguintes foram um inferno. A minha mãe tentava falar comigo e eu evitava-a. O meu pai andava cabisbaixo pela casa. O Miguel tentava animar-me, mas eu só queria estar sozinha.
Uma noite, ouvi os meus pais discutirem na cozinha:
— Ela não percebe o que estamos a passar! — dizia o meu pai.
— É o sonho dela… — respondia a minha mãe.
— E o nosso? Quando é que alguém pensa em nós?
Senti-me miserável. Pela primeira vez vi-os como pessoas reais, com medos e limitações. Mas a raiva ainda me consumia.
No trabalho, andava distraída. A minha chefe, Dona Teresa, chamou-me ao gabinete:
— Mariana, está tudo bem? Pareces noutra dimensão.
Desabei em lágrimas e contei-lhe tudo. Ela ouviu-me com paciência e depois disse:
— Sabes, quando casei com o António só tínhamos dinheiro para um bolo e uns pastéis de nata. Mas foi o dia mais feliz da minha vida porque estávamos juntos e rodeados de quem nos amava.
As palavras dela ficaram-me na cabeça durante dias.
Entretanto, o Miguel começou a afastar-se. Chegava tarde do trabalho, evitava conversas sobre o casamento. Uma noite, explodi:
— Já nem queres casar comigo?
Ele olhou-me nos olhos:
— Quero casar contigo, Mariana. Mas não quero esta guerra constante. Não quero ver-te infeliz por causa de um dia quando temos uma vida inteira pela frente.
Fiquei sem palavras. Pela primeira vez percebi que estava a perder mais do que um casamento de sonho: estava a perder o homem que amava.
No fim de semana seguinte fui visitar os meus avós em Sintra. Sentei-me no jardim onde tantas vezes brinquei em criança e chorei tudo outra vez. A minha avó sentou-se ao meu lado e passou-me a mão pelos cabelos.
— Sabes, quando casei com o teu avô foi aqui mesmo neste jardim — disse ela com um sorriso nostálgico. — Não tínhamos quase nada, mas tínhamos amor e isso bastou-nos.
Olhei à minha volta: as roseiras antigas, o cheiro da terra molhada, os risos das crianças na rua. Senti uma paz estranha.
Voltei para casa decidida a falar com os meus pais e com o Miguel.
Naquela noite jantámos todos juntos pela primeira vez em semanas. O silêncio era desconfortável até que tomei coragem:
— Desculpem-me… Fui egoísta. Só pensava no meu sonho e esqueci-me do que realmente importa: vocês todos.
A minha mãe chorou baixinho. O meu pai levantou-se e abraçou-me como quando era pequena.
O Miguel sorriu-me com ternura:
— Então… Casamos no jardim dos teus avós?
Sorri-lhe de volta:
— Sim… E vai ser perfeito porque vamos estar juntos.
Começámos a planear tudo de novo: simples, íntimo, verdadeiro. Os amigos ajudaram com as flores; a minha tia fez o bolo; os vizinhos trouxeram comida caseira; até o padre da paróquia aceitou celebrar ali mesmo no jardim.
No grande dia choveu torrencialmente de manhã, mas à tarde abriu um sol radioso. Casei-me descalça na relva molhada, rodeada de risos e abraços sinceros. Os meus pais dançaram juntos como nunca os tinha visto antes; o Miguel olhou-me como se fosse a única pessoa no mundo.
Hoje olho para trás e percebo: as promessas quebradas podem magoar mas também nos ensinam a crescer e a perdoar. O amor não está nas festas grandiosas nem nas fotografias perfeitas — está nos gestos simples e nas pessoas que ficam ao nosso lado quando tudo parece desabar.
Pergunto-me: quantas vezes deixamos que sonhos perfeitos nos impeçam de ver a beleza do que realmente temos? E vocês? Já passaram por algo assim?