Expulsei a Tia do Meu Marido: O Limite da Insolência
— Ela está a chegar, Sofia. Por favor, tenta ser simpática. — O Tomás olhava para mim com aquele olhar de quem pede paz antes da tempestade. Eu respirei fundo, ajeitei o cabelo e sorri, mas por dentro sentia-me como uma panela de pressão prestes a explodir.
Dona Lurdes era a tia mais velha do Tomás, irmã do seu pai, e tinha passado os últimos vinte anos em Paris. Nunca nos tínhamos conhecido porque ela não pôde vir ao nosso casamento. Sempre ouvi histórias sobre ela: mulher de personalidade forte, língua afiada e opiniões que não guardava para si. Mas nada me preparou para o que estava prestes a acontecer.
A campainha tocou e o Tomás correu para abrir a porta. Ouvi risos altos e um sotaque carregado de francês misturado com português:
— Mon Dieu, Tomás! Estás tão crescido! E esta é a tua mulher? — Ela entrou como se fosse dona da casa, perfume intenso a invadir o corredor, lenço de seda colorido no pescoço e um olhar que me analisou dos pés à cabeça.
— Muito prazer, Dona Lurdes. Finalmente conhecemo-nos! — estendi a mão, mas ela puxou-me para um beijo no rosto, deixando um rasto de batom vermelho na minha bochecha.
— És mais baixinha do que eu imaginava — disse ela, sem cerimónia. — Mas tens uns olhos bonitos. Pena esse vestido… não favorece nada a tua figura.
Senti o rosto arder. Tomás riu nervosamente e tentou mudar de assunto:
— Vamos para a sala. O almoço está quase pronto.
Durante a refeição, Dona Lurdes monopolizou a conversa. Falou dos anos em Paris, das festas chiques, dos homens que conheceu e das mulheres invejosas que deixou para trás. A cada frase, lançava indiretas sobre como em Portugal as pessoas eram “atrasadas” e “sem ambição”.
— E tu, Sofia? O que fazes da vida? — perguntou ela, espetando-me com os olhos.
— Sou professora primária — respondi, tentando sorrir.
Ela revirou os olhos:
— Professora? Que falta de ambição! Em Paris ninguém se contenta com tão pouco. Não pensaste em fazer algo mais… importante?
O silêncio caiu sobre a mesa. Senti o olhar do Tomás, aflito. A mãe dele pigarreou, mas Dona Lurdes continuou:
— E filhos? Já deviam pensar nisso. Não vão ficar jovens para sempre.
Engoli em seco. Era um assunto sensível; estávamos a tentar há meses sem sucesso. Tomás apertou-me a mão por baixo da mesa.
— Ainda estamos a tentar — disse ele, num tom calmo.
— Pois… não deixem passar muito tempo. A idade não perdoa — insistiu ela.
O almoço arrastou-se entre comentários passivo-agressivos e críticas veladas ao nosso apartamento modesto, à comida portuguesa (“em Paris nunca se come tanto bacalhau!”), até à decoração da sala (“tão simples… falta-lhe alma!”).
Quando finalmente nos levantámos da mesa, Dona Lurdes pediu para ver o resto da casa. Mostrei-lhe o nosso quarto, o escritório onde dou aulas online e até a pequena varanda onde cultivo ervas aromáticas.
— Isto é tudo? — perguntou ela, com desdém. — Em Paris tenho uma casa três vezes maior. E tu contentas-te com isto?
Senti uma raiva surda crescer dentro de mim. Tentei respirar fundo, mas ela não parava:
— Não percebo como o Tomás aceitou isto… Ele sempre foi tão ambicioso! Podias fazer mais por ele.
Nesse momento, perdi o controlo:
— Dona Lurdes, chega! Esta é a nossa casa e temos orgulho nela. Não admito que venha aqui insultar-nos e menosprezar tudo o que construímos juntos!
Ela olhou para mim como se eu fosse louca:
— Que falta de respeito! No meu tempo as mulheres sabiam ouvir os mais velhos!
Tomás tentou intervir:
— Tia, por favor…
Mas eu já não conseguia parar:
— Se não consegue respeitar-nos, então talvez seja melhor ir embora!
O silêncio foi ensurdecedor. Dona Lurdes pegou na mala com um ar ofendido e saiu porta fora sem olhar para trás. Tomás ficou parado no corredor, entre chocado e aliviado.
As horas seguintes foram um turbilhão de emoções: culpa por ter perdido a cabeça, alívio por finalmente ter dito o que sentia há tanto tempo, medo das consequências familiares. A mãe do Tomás ligou-me mais tarde:
— Sofia… talvez tenhas exagerado um bocadinho. Mas compreendo-te. A Lurdes sempre foi assim… Só espero que isto não afaste ainda mais a família.
Tomás abraçou-me naquela noite:
— Fizeste o que eu devia ter feito há anos. Obrigado por defenderes o nosso lar.
Mas as repercussões não tardaram: primos a enviar mensagens indignadas, tias a tomar partido, jantares de família cancelados à última hora. Senti-me isolada, mas ao mesmo tempo livre de um peso antigo.
Agora olho para trás e pergunto-me: será que fiz bem? Ou será que há coisas que deviam ficar por dizer em nome da paz familiar? Até onde vai o limite entre respeito pelos outros e respeito por nós próprios?