Durante Anos, Tratámos os Nossos Vizinhos Como Família — Até Que Tudo Mudou

— Não acredito que me fizeste isto, Sofia! — gritei, sentindo a voz embargar-se de raiva e tristeza. O eco das minhas palavras perdeu-se no corredor do prédio, misturando-se com o cheiro a café acabado de fazer e a humidade das paredes antigas. O Tiago, meu marido, olhava para mim com olhos arregalados, sem saber se devia intervir ou deixar-me descarregar tudo o que sentia.

Nunca pensei que a minha vida se transformasse num desses dramas de novela portuguesa, mas ali estava eu, de pijama às três da tarde, a discutir com a minha melhor amiga e vizinha do lado. Tudo começou há quatro anos, quando eu e o Tiago nos mudámos para este prédio em Benfica. O apartamento era pequeno, mas tinha uma varanda onde cabia uma mesa de dois lugares e um vaso de manjerico. Era o nosso primeiro lar juntos.

Um ano depois, o apartamento ao lado ficou finalmente habitado. Lembro-me perfeitamente do dia em que a Sofia e o Miguel chegaram, carregados de caixas e sonhos. Tinham mais ou menos a nossa idade e pareciam tão perdidos quanto nós quando ali chegámos. No primeiro fim de semana, bati-lhes à porta com um bolo de laranja ainda quente. A Sofia abriu a porta com um sorriso tímido e olhos cansados.

— Que querida! Nem sei como agradecer — disse ela, aceitando o bolo com as duas mãos.

A partir desse dia, tornámo-nos inseparáveis. Jantávamos juntos quase todas as sextas-feiras, partilhávamos séries na Netflix e confidências sobre os nossos empregos miseráveis. Quando o Miguel perdeu o trabalho na consultora, foi o Tiago quem lhe arranjou entrevistas. Quando eu tive um aborto espontâneo, foi a Sofia quem ficou comigo noite após noite, segurando-me a mão enquanto eu chorava baixinho para não acordar o prédio inteiro.

A nossa amizade era tão intensa que as nossas famílias começaram a juntar-se nos Natais e Páscoas. Os meus pais adoravam a Sofia; diziam que ela era como uma filha. O Miguel era o irmão que o Tiago nunca teve. Até os nossos gatos aprenderam a saltar de varanda para varanda para se visitarem.

Mas há sempre segredos escondidos nas paredes finas dos prédios antigos de Lisboa. E foi numa dessas noites quentes de verão que tudo começou a desmoronar-se.

O Tiago começou a chegar mais tarde do trabalho. Dizia que havia muito stress no escritório, que precisava de descomprimir antes de vir para casa. Eu acreditava nele — sempre fui ingénua demais para desconfiar de quem amo. Mas a Sofia também começou a mudar. Tornou-se mais distante, evitava os nossos jantares e inventava desculpas para não sair.

Uma noite, acordei com sede e fui à cozinha buscar água. Pela janela entreaberta ouvi vozes baixas na varanda ao lado. Reconheci o riso do Tiago misturado com o sussurrar da Sofia. Fiquei ali parada, com o copo na mão, a tentar perceber se estava a imaginar coisas ou se aquilo era mesmo real.

No dia seguinte, tentei ignorar o que ouvira. Convenci-me de que estavam apenas a conversar sobre algum problema do Miguel ou do trabalho. Mas a dúvida ficou a corroer-me por dentro como ferrugem numa fechadura antiga.

As semanas passaram e os sinais tornaram-se impossíveis de ignorar. O Tiago evitava olhar-me nos olhos quando falava comigo. A Sofia deixou de responder às minhas mensagens. O Miguel parecia alheio a tudo, sempre enfiado no computador ou ausente em viagens de trabalho.

Até que um dia, ao regressar mais cedo do trabalho por causa de uma greve do metro, encontrei-os juntos na nossa sala. O Tiago estava sentado no sofá com as mãos na cabeça; a Sofia chorava baixinho ao lado dele.

— O que se passa aqui? — perguntei, sentindo o coração bater tão forte que pensei que ia desmaiar.

O silêncio foi ensurdecedor. O Tiago levantou-se devagar e tentou tocar-me no braço, mas eu recuei instintivamente.

— Temos de falar — disse ele, com uma voz que eu mal reconhecia.

A verdade veio à tona como um tsunami: durante meses, o Tiago e a Sofia tinham-se aproximado demais. Não foi apenas uma traição física; foi uma traição emocional, uma cumplicidade construída nas minhas costas enquanto eu confiava cegamente nos dois.

O Miguel ficou devastado quando soube. Durante dias, ouvi-o chorar no apartamento ao lado, batendo portas e atirando objetos contra as paredes. A nossa pequena comunidade desfez-se num instante: deixámos de nos cumprimentar nas escadas, os gatos deixaram de saltar entre varandas e até os meus pais deixaram de perguntar pela Sofia.

O prédio ficou mais frio, mais silencioso. As paredes pareciam agora mais grossas, como se quisessem proteger-nos da dor dos outros. Eu e o Tiago tentámos reconstruir alguma coisa dos escombros da nossa relação, mas nada voltou a ser igual. A confiança é como um prato partido: por mais que se cole, as fissuras nunca desaparecem.

A Sofia mudou-se pouco tempo depois; ouvi dizer que foi viver para casa dos pais em Setúbal. O Miguel ficou mais uns meses antes de arranjar um emprego no Porto e desaparecer também da minha vida.

Agora passo os dias a olhar para aquela varanda vazia ao lado da minha e pergunto-me onde errámos todos nós. Será que alguma vez conhecemos verdadeiramente quem está ao nosso lado? Ou será que nos iludimos com a ideia de família só porque partilhamos paredes finas?

Às vezes dou por mim a pensar: valeu a pena confiar tanto? Ou será que é melhor manter sempre uma distância segura? Gostava de saber o que vocês fariam no meu lugar.