Quando o coração se parte ao meio: Uma história de traição dentro de casa

— Maria, tu tens mesmo a certeza do que estás a dizer? — perguntei, com a voz trémula, enquanto segurava o telemóvel com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos.

Do outro lado da linha, a minha vizinha hesitou. — Leonor, eu não queria meter-me, mas… vi o Rui a entrar em casa com uma mulher. Não era a primeira vez. Achei que devias saber.

O chão fugiu-me dos pés. Senti o coração a bater tão forte que temi que os meus filhos, na sala ao lado, ouvissem. O Rui? O meu Rui? O homem com quem partilhei vinte anos de vida, duas gravidezes difíceis, noites sem dormir e sonhos de uma velhice tranquila na nossa casa em Almada?

Desliguei o telefone sem saber o que dizer. Oiço as gargalhadas do Diogo e da Matilde, tão inocentes, tão alheios ao abismo que se abria debaixo dos nossos pés. Sentei-me à mesa da cozinha e chorei em silêncio, com medo de que o mundo desabasse se alguém me visse fraca.

Durante dias, vivi num nevoeiro. O Rui chegava tarde, cheirava a perfume estranho e evitava olhar-me nos olhos. Eu fingia não ver, não saber, não sentir. Mas cada vez que ele me tocava, sentia-me suja, traída, como se cada gesto fosse uma mentira.

Na escola, as mães olhavam para mim com pena. Algumas desviavam o olhar. Outras cochichavam. A minha mãe ligava todos os dias: — Leonor, estás bem? Precisas de alguma coisa? — Eu respondia sempre o mesmo: — Está tudo bem, mãe. — Mas não estava.

Uma noite, não aguentei mais. Esperei que os miúdos adormecessem e fui ter com o Rui à sala.

— Rui, precisamos de falar.

Ele pousou o comando da televisão e olhou-me como quem olha para um estranho.

— O que foi agora?

— Sabes perfeitamente o que foi. Quem é ela?

O silêncio dele foi mais cruel do que qualquer palavra. Baixou os olhos e suspirou.

— Leonor… isto já não está a funcionar há muito tempo.

Senti uma raiva surda a crescer dentro de mim.

— Não está a funcionar porque tu desististe! Porque preferiste procurar lá fora o que nunca tiveste coragem de pedir aqui dentro!

Ele levantou-se, passou as mãos pelo cabelo e murmurou:

— Eu também tenho direito a ser feliz.

As palavras dele ecoaram na minha cabeça durante dias. E eu? Não tinha direito à felicidade? Aos meus sonhos? À família que construímos juntos?

Os dias seguintes foram um inferno. O Rui começou a dormir fora de casa. As crianças perguntavam por ele e eu inventava desculpas: — O pai está a trabalhar até tarde. O pai foi viajar em serviço. — Cada mentira era uma punhalada no peito.

A minha sogra ligou-me furiosa:

— Leonor, o que é que fizeste ao meu filho? Ele diz que já não aguenta viver aí!

Engoli em seco e respondi:

— Pergunte-lhe antes o que ele fez a esta família.

A família dividiu-se. Uns do lado dele, outros do meu. Os amigos desapareceram. Só a Maria, a vizinha, me trazia sopa quente e um abraço apertado quando sentia que ia desabar.

Uma tarde, fui buscar a Matilde à escola e encontrei-a sentada sozinha no recreio, com os olhos vermelhos.

— O que se passa, filha?

Ela olhou para mim e sussurrou:

— As outras meninas dizem que o pai tem outra família… É verdade?

O mundo parou naquele instante. Abracei-a com força e prometi-lhe que tudo ia ficar bem, mesmo sem acreditar nisso.

As noites tornaram-se longas e frias. Deitava-me na cama vazia e perguntava-me onde tinha falhado. Revia cada discussão, cada silêncio, cada gesto não dito. Será que devia ter sido mais carinhosa? Será que devia ter lutado mais? Ou menos?

Um dia, o Rui apareceu para buscar algumas roupas. Olhou para mim como quem olha para um fantasma.

— Vou ficar uns tempos na casa da Andreia — disse ele, sem rodeios.

Andreia. O nome dela soou como um trovão na minha cabeça.

— E as crianças? Vais abandoná-las também?

Ele hesitou.

— Vou vê-los sempre que puder…

Fechei a porta atrás dele com tanta força que os quadros tremeram na parede. Senti-me vazia, mas também estranhamente aliviada. Já não havia mais mentiras. Só restava a verdade crua e dolorosa.

Os meses passaram devagar. Aprendi a fazer tudo sozinha: pagar contas, arranjar avarias em casa, consolar os filhos nas noites de pesadelos. A Matilde começou a ter ataques de ansiedade; o Diogo fechou-se no quarto e deixou de falar comigo durante semanas.

Procurei ajuda numa psicóloga do centro de saúde. Chorei tudo o que tinha para chorar naquela sala pequena cheirando a desinfetante barato.

— Leonor — disse ela — ninguém merece viver com culpa por erros dos outros. Tens de te perdoar e seguir em frente.

Mas como seguir em frente quando tudo à minha volta me lembrava dele? O cheiro da roupa dele ainda estava nas almofadas; as fotografias sorridentes continuavam penduradas na parede da sala; até as músicas no rádio me faziam chorar no trânsito.

A minha mãe insistia para eu ir viver com ela em Setúbal:

— Aqui tens apoio, filha! Não fiques sozinha nessa casa cheia de fantasmas!

Mas eu não queria fugir. Queria provar a mim mesma — e ao mundo — que era capaz de recomeçar ali mesmo onde tudo tinha acabado.

Comecei a sair mais com as crianças: piqueniques no parque da cidade, tardes na praia da Costa da Caparica, idas ao cinema aos domingos. Aos poucos, fomos criando novas memórias por cima das antigas feridas.

Um dia, ao buscar o Diogo ao futebol, vi o Rui do outro lado da rua com a Andreia e uma menina pequena pela mão. Ele sorriu-me timidamente; eu sorri de volta por educação. Senti um aperto no peito, mas também uma estranha sensação de liberdade.

À noite, escrevi no meu diário:
“Hoje percebi que sobrevivi ao pior dia da minha vida… e continuo aqui.”

A dor ainda está cá — talvez nunca desapareça completamente — mas aprendi a viver com ela. Aprendi que sou mais forte do que pensava; que posso ser mãe e pai ao mesmo tempo; que mereço respeito e amor verdadeiro.

Às vezes pergunto-me: quantas mulheres vivem histórias como a minha em silêncio? Quantas fingem sorrisos enquanto choram sozinhas à noite? Será possível voltar a confiar depois de uma traição destas?

E vocês… já sentiram o vosso coração partir-se ao meio? Como se volta a juntar os pedaços?