Trinta Anos Atrás, Criei Cinco Filhos: Agora, Nenhum Quer Ajudar os Pais Envelhecidos

— Mãe, não posso ir aí este fim de semana. O João tem futebol e a Mariana está cheia de trabalhos da escola. — A voz da minha filha mais velha, Sofia, ecoa fria pelo telefone. Tento engolir a mágoa, mas ela fica presa na garganta.

— Eu entendo, filha. — Minto. Não entendo. Não compreendo como é que, depois de trinta anos a criar cinco filhos, nenhum deles tem tempo para mim ou para o pai. O António, meu marido, está cada vez mais frágil desde o AVC. Eu própria já não tenho forças para subir as escadas sem parar para respirar. Mas parece que só nós sentimos o peso dos anos.

Lembro-me de quando a casa era cheia de vozes e risos. O cheiro do arroz doce ao domingo, as brigas pelo último pedaço de frango assado, as noites em que ficava acordada à espera que o Pedro chegasse da discoteca. Agora, só ouço o tique-taque do relógio e o vento a bater nas janelas.

O Pedro, o mais velho dos rapazes, raramente liga. Quando liga, é sempre apressado:

— Mãe, está tudo bem? Olha, estou a caminho de uma reunião, depois falo contigo.

Nunca mais fala. O Miguel emigrou para França há dez anos. Mandou dinheiro durante algum tempo, mas agora nem isso. Diz que a vida lá não é fácil, que tem dois empregos e pouco tempo para pensar em Portugal. A última vez que o vi foi no funeral da avó. Abraçou-me com força, chorou muito, mas depois voltou para Paris e nunca mais olhou para trás.

A Ana, a minha filha do meio, sempre foi a mais rebelde. Discutíamos muito quando era adolescente. Lembro-me de uma noite em que ela chegou tarde e eu lhe gritei:

— Achas que isto é uma pensão? Que podes entrar e sair quando te apetece?

Ela respondeu-me com um olhar frio:

— Se não gostas, posso ir embora.

E foi mesmo. Saiu de casa aos 18 anos para viver com um rapaz mais velho. Nunca me perdoou por não ter aceitado o namoro deles. Hoje vive em Lisboa, trabalha num escritório e raramente me atende o telefone.

O Tiago, o mais novo dos rapazes, foi sempre o mais calado. Quando era pequeno, agarrava-se às minhas saias e chorava se eu saísse de casa sem ele. Agora mal me olha nos olhos quando vem cá — que é raro.

— Mãe, tenho a minha vida — disse-me uma vez, quando lhe pedi ajuda para levar o pai ao hospital.

— E eu? Eu não tive vida durante anos para cuidar de vocês todos! — gritei-lhe, já sem conseguir conter as lágrimas.

Ele encolheu os ombros e saiu porta fora.

O António passa os dias sentado na poltrona a ver televisão. Às vezes olha para mim e diz:

— Onde é que errámos?

Não sei responder-lhe. Fomos pais presentes, demos tudo o que podíamos — e até o que não podíamos. Trabalhávamos os dois no campo, levantávamo-nos antes do sol nascer para garantir que nada faltava aos miúdos. Nunca fomos de grandes festas ou viagens caras, mas havia sempre comida na mesa e roupa lavada no armário.

Lembro-me do Natal em que fizemos um presépio com musgo apanhado no quintal e bonecos feitos de barro pelo Tiago. Os miúdos riam-se enquanto decoravam a árvore com fitas velhas e bolas partidas coladas com fita-cola. Era tudo tão simples — mas tão feliz.

Agora olho para as fotografias antigas na parede da sala: cinco crianças sorridentes ao lado de dois pais orgulhosos. Onde estão esses sorrisos agora? Onde está aquela família?

No outro dia fui ao centro de saúde sozinha porque o António estava demasiado fraco para sair de casa. Senti-me invisível na sala de espera cheia de idosos calados. Olhei à minha volta e vi outras mães como eu — mulheres que deram tudo pelos filhos e agora esperam por uma visita que nunca chega.

Quando voltei a casa, encontrei o António a dormir na poltrona com a televisão ligada num programa qualquer da tarde. Sentei-me ao lado dele e chorei baixinho para não o acordar.

À noite tentei ligar à Ana outra vez. Atendeu ao fim de vários toques:

— O que foi agora, mãe?

— Só queria ouvir a tua voz… — disse-lhe, sentindo-me ridícula.

— Estou ocupada. Depois ligo-te.

Desligou antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa.

No domingo seguinte tentei reunir todos cá em casa para um almoço. Liguei um por um:

— Sofia, vens almoçar?

— Não posso, mãe…

— Pedro?

— Tenho um jogo de padel marcado…

— Ana?

— Estou fora este fim de semana…

— Tiago?

— Tenho trabalho…

O Miguel nem sequer atendeu.

Fiz arroz de pato na mesma — como fazia quando eram pequenos — mas só eu e o António nos sentámos à mesa. Olhámos um para o outro em silêncio enquanto mastigávamos devagar.

À noite fui arrumar os pratos e encontrei um desenho antigo do Tiago colado no frigorífico: “Para a melhor mãe do mundo”. Senti uma pontada no peito tão forte que tive de me sentar.

Será que fui demasiado exigente? Será que lhes cobrei demais? Ou será simplesmente assim a vida — os filhos crescem e esquecem-se dos pais?

No dia seguinte recebi uma carta do lar da aldeia vizinha: “Temos vagas disponíveis para casais idosos”. Fiquei a olhar para aquele papel durante horas. Será este o destino de quem dá tudo pelos filhos?

À noite sentei-me à janela a ver as luzes da aldeia ao longe e pensei em tudo o que vivi nestes trinta anos: as noites sem dormir, os risos à volta da lareira, as discussões acesas e os abraços apertados depois das birras.

Agora resta-me esperar por uma visita inesperada ou por um telefonema tardio. E pergunto-me: será que algum dia os meus filhos vão perceber quanto custa ser esquecido por quem mais amamos? Será que ainda há tempo para reconstruir esta família antes que seja tarde demais?

E vocês? Já sentiram esta solidão? O que acham que leva os filhos a afastarem-se assim dos pais?