O Dia em que o Meu Mundo Ruiu: Uma Mãe, Um Filho e o Silêncio que Nos Separou
— Então, já soubeste? O teu Rui vai casar-se! — disse a Dona Amélia, a vizinha do terceiro esquerdo, com aquele tom entre o entusiasmo e a pena.
Fiquei parada à porta, com as compras ainda nos braços, sentindo o sangue gelar-me nas veias. O Rui, o meu menino, ia casar-se? E eu… eu não sabia de nada. Oiço o eco da voz da Dona Amélia a repetir-se na minha cabeça, como se fosse uma sentença. Senti uma pontada no peito, uma dor surda que me tirou o fôlego. Como é possível? Como é que uma mãe descobre pela vizinha que o filho vai dar um passo tão importante?
Entrei em casa sem responder, larguei os sacos no chão da cozinha e sentei-me à mesa, as mãos a tremer. O relógio da parede marcava 16h17. Lembro-me porque olhei para ele vezes sem conta naquela tarde, como se o tempo pudesse voltar atrás e desfazer aquela notícia. As lágrimas começaram a cair antes de eu conseguir sequer pensar no que fazer. Senti-me traída, esquecida, como se todo o amor que dei ao Rui tivesse sido apagado num instante.
A nossa relação nunca foi fácil desde que ele começou a namorar com a Andreia. Sempre achei que ela não gostava de mim. Era fria, distante, olhava-me como se eu fosse um obstáculo entre ela e o Rui. E ele… ele foi-se afastando aos poucos. Primeiro deixou de vir aos almoços de domingo, depois já não atendia sempre o telefone. Eu tentava não insistir, dizia a mim mesma que era normal, que os filhos crescem e fazem a sua vida. Mas agora… agora isto era demais.
Peguei no telefone e disquei o número do Rui. Uma, duas, três vezes. Só à quarta chamada atendeu.
— Mãe? Está tudo bem?
A voz dele soou distante, quase impaciente.
— Rui… é verdade? Vais casar-te?
Houve um silêncio do outro lado. Ouvi um suspiro.
— Quem te disse?
— Não interessa quem me disse! Interessa é porque é que não fui eu a saber primeiro! — A minha voz saiu mais alta do que queria.
— Mãe… não queria que soubesses assim. Íamos contar-te este fim de semana.
— Este fim de semana? Rui, sou tua mãe! Não merecia saber antes?
Ele ficou calado. Senti uma raiva misturada com tristeza a crescer dentro de mim.
— Olha, mãe… depois falamos melhor, está bem? Agora não posso.
E desligou.
Fiquei ali sentada, com o telefone na mão, a olhar para o vazio. Senti-me tão sozinha como nunca antes na vida. O meu marido morreu há dez anos e desde então o Rui era tudo para mim. Criei-o sozinha, fiz sacrifícios para lhe dar tudo. E agora… agora era isto que recebia em troca?
Naquela noite não dormi. Revirei-me na cama, a pensar em tudo o que tinha feito mal. Teria sido demasiado protetora? Teria dito alguma coisa à Andreia sem me aperceber? Passei horas a recordar cada conversa, cada olhar atravessado nos jantares de família.
No dia seguinte, decidi que não podia continuar assim. Tinha de falar com a Andreia. Não podia deixar que ela me tirasse o meu filho sem lutar.
Esperei até ao final da tarde e fui até ao apartamento deles em Benfica. O Rui não estava em casa; só a Andreia abriu a porta.
— Boa tarde, Andreia. Podemos falar?
Ela hesitou antes de me deixar entrar. Sentámo-nos na sala, cada uma numa ponta do sofá.
— Eu sei que vais casar com o Rui — comecei, tentando controlar as lágrimas. — E sei também que não gostas de mim.
Ela olhou para mim com surpresa.
— Não é verdade…
— É sim! Sempre senti isso! Desde o início! — interrompi-a. — Mas eu sou a mãe dele! Não podes simplesmente apagar-me da vida dele!
A Andreia ficou calada durante uns segundos.
— Dona Maria do Carmo… nunca quis afastar o Rui da senhora. Mas ele sente-se sufocado às vezes. Diz que não consegue ser ele próprio quando está consigo.
As palavras dela foram como facas no meu peito.
— Eu só quero o melhor para ele…
— Eu sei — respondeu ela, mais suave. — Mas às vezes o melhor é deixá-lo viver a vida dele.
Senti-me humilhada. Levantei-me devagar.
— Só quero que saibas uma coisa: eu amo o meu filho mais do que tudo neste mundo. E vou estar sempre aqui para ele, aconteça o que acontecer.
Saí dali com a cabeça erguida mas por dentro sentia-me derrotada.
Os dias seguintes foram um tormento. O Rui não me ligava; eu via as fotos deles nas redes sociais: sorrisos falsos, felicidade encenada. Os meus amigos diziam para eu dar tempo ao tempo, mas como é que uma mãe consegue esperar quando sente o filho a fugir-lhe por entre os dedos?
Na semana seguinte recebi um convite pelo correio: “Maria do Carmo Ferreira está convidada para o casamento de Rui Ferreira e Andreia Silva”. Um convite impresso, igual ao dos outros convidados. Nem uma palavra escrita à mão, nem um telefonema antes.
No dia do casamento vesti-me com o melhor vestido que tinha guardado para ocasiões especiais. Fui sozinha à igreja de São Domingos. Quando cheguei vi-os à porta: o Rui nervoso, a Andreia radiante no vestido branco. Ele olhou para mim de relance e sorriu timidamente; ela nem me cumprimentou.
Durante toda a cerimónia senti-me invisível. Ninguém veio ter comigo; os amigos deles nem sabiam quem eu era. No copo d’água sentei-me numa mesa afastada dos noivos. Vi-os dançar, rir, tirar fotografias com todos menos comigo.
Quando finalmente consegui falar com o Rui já era tarde; ele estava cansado e disse apenas:
— Mãe… obrigado por teres vindo.
Olhou-me nos olhos por um segundo e depois virou costas para ir ter com os amigos.
Voltei para casa sozinha naquela noite fria de outubro. Sentei-me na sala escura e chorei até adormecer no sofá.
Hoje faz seis meses desde aquele dia. O Rui liga-me de vez em quando mas as conversas são curtas; fala do trabalho, da casa nova, nunca pergunta por mim realmente. Sinto falta dele todos os dias — do meu menino risonho que corria para os meus braços quando chegava da escola.
Pergunto-me muitas vezes: onde foi que errei? Será que amar demais pode afastar quem mais queremos? Ou será que há dores no coração de mãe que nunca se curam?
E vocês… já sentiram este vazio? Já perderam alguém sem saber como ou porquê?