Quando a Minha Sogra Escolheu a Filha — E Eu Fiquei para Trás

— Não posso, Mariana. Estou muito cansada, já não tenho idade para andar atrás de bebés — disse a minha sogra, Dona Lurdes, com aquele tom definitivo que não admitia discussão. Eu estava sentada à mesa da cozinha, com o meu filho Tomás de apenas três meses ao colo, os olhos vermelhos de noites mal dormidas e o coração apertado pela solidão. O Miguel, meu marido, estava no trabalho e eu sentia-me cada vez mais afogada naquele mar de fraldas, choro e insegurança.

Olhei para ela, tentando encontrar algum vestígio de compreensão ou compaixão no seu rosto. Mas Dona Lurdes estava irredutível. — Mariana, eu já criei dois filhos sozinha. Agora preciso de descansar. — O Tomás começou a chorar e eu senti as lágrimas a quererem saltar-me dos olhos também. — Só queria que ficasse com ele uma tarde, para eu poder dormir um pouco… — pedi, quase num sussurro.

Ela levantou-se, pegou na mala e disse apenas: — Não posso mesmo. Fica bem, filha. — E saiu, deixando-me ali, sozinha com o meu desespero.

Durante semanas tentei convencer-me de que era normal. Que talvez estivesse mesmo cansada, que não tinha obrigação nenhuma para comigo. Mas a dor não passava. O Miguel tentava animar-me: — A minha mãe sempre foi assim, Mariana. Não leves a peito… — Mas como não levar? Eu via as outras mães rodeadas de avós disponíveis, tias prestáveis, vizinhas solícitas. E eu? Eu só tinha o silêncio da casa e o peso da responsabilidade.

O tempo foi passando e fui aprendendo a sobreviver sozinha. O Tomás crescia saudável, mas eu sentia-me cada vez mais invisível dentro daquela família. As visitas da sogra tornaram-se raras e curtas. Quando vinha, limitava-se a olhar para o neto à distância e a perguntar se ele já comia sopa.

Até que um dia tudo mudou. A minha cunhada, Sofia, engravidou. A notícia foi recebida com festa: Dona Lurdes chorou de alegria, organizou um jantar especial e passou semanas a tricotar casaquinhos e mantas para o bebé que aí vinha. Eu observava tudo em silêncio, tentando não deixar transparecer o nó que se formava na minha garganta.

Quando a Sofia teve a bebé — a pequena Matilde — Dona Lurdes transformou-se noutra pessoa. Ia todos os dias a casa da filha, levava refeições feitas, ficava noites inteiras para que a Sofia pudesse descansar. — A minha filha precisa de mim agora — dizia ela ao telefone, quando eu tentava marcar uma visita ou pedir ajuda.

O Miguel começou a perceber o meu desconforto. — Achas que devíamos falar com ela? — perguntou-me uma noite, enquanto embalávamos o Tomás para dormir. — Não vale a pena — respondi, já sem forças para lutar por algo que nunca seria meu.

Mas o ressentimento crescia dentro de mim como uma erva daninha. Comecei a evitar os almoços de família, as festas de aniversário. Sentia-me deslocada, como se fosse uma intrusa naquela casa onde todos sorriam menos eu.

Um domingo à tarde, fomos convidados para um lanche em casa da Sofia. Quando chegámos, Dona Lurdes estava sentada no sofá com a Matilde ao colo, sorridente e rejuvenescida. — Olha quem chegou! — exclamou ela ao ver-nos entrar. O Tomás correu para ela com os braços abertos, mas ela limitou-se a dar-lhe uma palmadinha na cabeça antes de voltar toda a atenção para a neta.

Sentei-me num canto da sala e observei aquela cena: Sofia descansada na cozinha, Dona Lurdes a cantar canções de embalar à Matilde, o Miguel a tentar animar o Tomás com um carrinho de brincar. Senti-me tão pequena naquele momento que quase desejei desaparecer.

No regresso a casa, não consegui conter as lágrimas. O Miguel tentou consolar-me: — Mariana…
— Não entendo! O que é que fizemos de mal? Porque é que ela consegue ser tudo para a Sofia e nada para nós?
— Não sei… Talvez porque és nora e não filha…
— Mas o Tomás é neto dela! Não merece menos amor só porque nasceu do lado errado da família!

As discussões começaram a ser frequentes entre mim e o Miguel. Eu sentia-me injustiçada; ele sentia-se dividido entre mim e a mãe. Houve dias em que pensei em desistir de tudo: do casamento, da família, de tentar pertencer àquele lugar onde nunca seria aceite por inteiro.

Certa noite, depois de mais uma discussão acesa, sentei-me na varanda com o Tomás adormecido nos meus braços e perguntei-me se algum dia ele sentiria esta mesma dor: a dor de ser preterido por quem devia amar-nos incondicionalmente.

O tempo foi passando e aprendi a construir uma rede de apoio fora da família do Miguel: fiz amizades com outras mães do bairro, aproximei-me mais dos meus próprios pais e irmãos. Mas nunca consegui perdoar verdadeiramente Dona Lurdes.

No último Natal em casa dela, enquanto todos trocavam presentes e risos à volta da árvore, vi Dona Lurdes ajoelhar-se para ajudar a Matilde com um brinquedo novo. O Tomás olhou para mim e perguntou baixinho:
— Porque é que a avó gosta mais da Matilde?

Senti o coração partir-se em mil pedaços. Abracei-o com força e respondi:
— A avó gosta de ti à maneira dela…

Mas por dentro gritava: “Porque é que algumas pessoas só conseguem amar metade da família? Será que algum dia vou conseguir aceitar isto sem me magoar?”

E vocês? Já sentiram que foram deixados para trás por quem devia estar sempre ao nosso lado?