Mãe, preciso de ti: O desespero de uma mãe solteira em Lisboa

— Mãe, por favor, só preciso que fiques com eles esta tarde. O João está com febre e eu não posso faltar ao trabalho outra vez…

A voz da minha mãe do outro lado do telefone era fria, quase impessoal:

— Ana, já te disse que não posso. Tenho a minha vida. Não posso estar sempre a resolver os teus problemas.

Fiquei a olhar para o telefone, as lágrimas a ameaçarem cair. O João tossia no sofá, a Mariana chorava porque queria atenção e o Tiago, o mais velho, tentava fazer os trabalhos de casa no meio do caos. Senti-me esmagada por uma onda de desespero. Desde que o Pedro morreu naquele acidente estúpido na A2, há dois anos, tudo se tornou uma luta constante. Nunca pensei que a minha mãe — a mulher que me criou sozinha depois do meu pai nos ter deixado — me virasse as costas no momento em que mais precisava dela.

A minha vida antes era outra. Trabalhava como administrativa numa pequena empresa em Benfica, tinha um marido carinhoso e três filhos saudáveis. Agora, cada dia é uma batalha para manter o emprego, pagar as contas e garantir que os meus filhos não sentem tanto a falta do pai quanto eu sinto.

Lembro-me do funeral do Pedro como se fosse ontem. A chuva caía sem parar, os miúdos agarrados às minhas pernas, e a minha mãe ao meu lado, aparentemente forte. Mas depois disso, afastou-se. Dizia que eu tinha de aprender a ser independente, que ela já tinha feito a parte dela.

— Não posso ser tua muleta para sempre, Ana — repetia ela sempre que eu pedia ajuda.

Mas será pedir à própria mãe para ficar com os netos ser uma muleta? Ou será apenas amor?

Naquela tarde, depois de desligar o telefone, sentei-me no chão da cozinha e chorei baixinho. Não queria que os miúdos me vissem assim. O Tiago apareceu à porta:

— Mãe, estás bem?

Limpei as lágrimas rapidamente.

— Estou, querido. Só estou cansada.

Ele aproximou-se e abraçou-me. Senti-me ainda mais pequena por depender do carinho do meu filho de dez anos para aguentar o dia.

No trabalho, as coisas também não estavam fáceis. O meu chefe já me tinha chamado à atenção duas vezes por chegar atrasada. Não entendia — ou não queria entender — que sair de casa com três crianças pequenas é uma operação militar. Uma vez ouvi-o comentar com uma colega:

— A Ana está sempre cheia de problemas…

Senti vergonha e raiva. Não pedi para ficar viúva aos 34 anos. Não pedi para criar três filhos sozinha numa cidade cara como Lisboa.

À noite, depois de deitar os miúdos, sentei-me na varanda com um chá frio entre as mãos. Olhei para as luzes da cidade e perguntei-me onde tinha falhado. Porque é que a minha mãe não conseguia ver o quanto eu precisava dela? Porque é que tudo parecia tão difícil?

No Natal passado tentei reunir a família. Convidei a minha mãe para vir cá a casa.

— Não me apetece estar rodeada de crianças barulhentas — disse ela ao telefone.

Senti um nó na garganta. Os miúdos ouviram e ficaram calados durante horas. A Mariana perguntou-me:

— A avó não gosta de nós?

Como explicar a uma criança de cinco anos que o amor nem sempre é simples?

A minha irmã mais nova, a Sofia, vive no Porto e raramente liga. Diz que tem a vida dela, o trabalho dela, os amigos dela. Às vezes invejo-lhe a liberdade, mas depois lembro-me dos risos dos meus filhos e sinto-me grata por tê-los.

Mas há dias em que tudo pesa demasiado. Como quando recebi a carta da EDP com a ameaça de corte da luz por falta de pagamento. Ou quando tive de escolher entre comprar medicamentos para o João ou pagar o passe mensal do autocarro para ir trabalhar.

Numa dessas noites difíceis, liguei à minha mãe outra vez.

— Mãe… desculpa insistir… mas estou mesmo aflita.

Ela suspirou do outro lado.

— Ana, já te disse… Tens de te desenrascar sozinha. Eu também tive de o fazer quando o teu pai nos deixou.

— Mas eu não sou tu! — gritei sem querer. — Eu preciso de ti!

Houve um silêncio longo. Depois ela desligou.

Fiquei ali sentada no escuro da sala, com o telefone na mão e o coração aos pedaços.

No dia seguinte fui trabalhar como um autómato. O chefe chamou-me ao gabinete.

— Ana, precisamos de falar sobre o teu desempenho…

Senti as lágrimas a subir outra vez. Expliquei-lhe tudo: o marido morto, a mãe ausente, os filhos pequenos. Ele olhou-me com alguma compaixão mas também com impaciência.

— Eu percebo… mas a empresa precisa de pessoas fiáveis.

Saí dali humilhada e com medo de perder o emprego.

À noite, depois de adormecer os miúdos, sentei-me no chão da sala e escrevi uma carta à minha mãe. Não sabia se alguma vez lha iria entregar:

“Mãe,
Não sei se algum dia vais perceber o quanto preciso de ti agora. Sempre foste forte, mas eu sou diferente. Sinto-me perdida sem ti e sem o Pedro. Os miúdos perguntam por ti todos os dias. Só queria sentir que ainda tenho família…”

Guardei a carta na gaveta da mesa-de-cabeceira.

Os dias passaram assim: trabalho-casa-escola-supermercado-casa-trabalho… Um ciclo sem fim onde raramente havia espaço para mim própria.

Um sábado à tarde, enquanto lavava roupa à mão porque a máquina avariou-se há meses e não tenho dinheiro para arranjar outra, ouvi uma discussão na rua. Era a vizinha do terceiro andar aos gritos com o marido por causa das contas da casa. Pensei: “Não sou só eu…”

Às vezes encontro consolo nas pequenas coisas: um abraço apertado dos meus filhos, um desenho da Mariana colado no frigorífico com um íman partido, ou um café rápido com a vizinha Dona Rosa no patamar das escadas.

Mas continuo sem perceber porque é que a minha mãe se recusa a ajudar-me. Será orgulho? Será ressentimento antigo? Ou será apenas cansaço da vida?

No outro dia cruzei-me com ela no supermercado do bairro. Olhou para mim rapidamente e desviou-se para outro corredor antes que eu pudesse falar com ela. Senti-me invisível.

Às vezes penso em ir embora daqui, começar de novo noutra cidade onde ninguém me conheça nem saiba da minha história. Mas depois olho para os meus filhos e percebo que não posso fugir deles nem da minha própria vida.

Hoje escrevo esta história porque preciso de gritar ao mundo aquilo que me sufoca todos os dias: ser mãe solteira em Portugal é uma luta solitária e silenciosa. Não quero piedade — só queria compreensão e talvez um pouco mais de solidariedade entre mães e filhas.

Será pedir ajuda sinal de fraqueza? Ou será apenas humano querer sentir-se amparada? E vocês — alguma vez sentiram que quem mais devia estar ao nosso lado é quem mais nos vira as costas?