Vestidos de Sonhos, Corações Partidos: Entre o Amor de Mãe e o Julgamento Alheio
— Outra encomenda, Sofia? — A voz da minha mãe ecoou pelo corredor, carregada de desaprovação, enquanto eu abria a caixa com o novo vestido da Leonor, ainda com cheiro a seda e etiqueta dourada. — Achas mesmo que uma bebé precisa disso?
Fiquei parada, sentindo o calor subir-me ao rosto. O vestido era lindo, azul celeste, com pequenos bordados à mão. Tinha-o visto numa loja online portuguesa, e não resisti. Desde que engravidei, as compras tornaram-se o meu ritual secreto, uma forma de acalmar a ansiedade que me consumia noite após noite. Mas agora, com a minha mãe ali à porta do quarto, sentia-me como uma criança apanhada a mentir.
— Mãe, é só um vestido… — tentei sorrir, mas a voz saiu-me trémula.
Ela entrou no quarto, olhou para o berço onde Leonor dormia profundamente, e depois para mim. — Sofia, tu sabes quanto custa criar uma criança neste país. E tu… tu gastas dinheiro em roupas de marca para um bebé que nem percebe o que veste. Achas isso normal?
O silêncio caiu pesado entre nós. Lembrei-me das noites em que ficava acordada a ver Leonor respirar, com medo de que algo lhe acontecesse. Lembrei-me do parto difícil, do medo de não ser suficiente, do vazio que sentia sempre que alguém me dizia que eu devia estar feliz por ser mãe.
— Eu só quero o melhor para ela — murmurei.
A minha mãe suspirou e sentou-se na beira da cama. — O melhor não é isto, filha. O melhor é amor, é tempo, é paciência. Não são vestidos caros.
Senti as lágrimas a ameaçarem cair. Não queria chorar à frente dela. Não queria mostrar fraqueza. Mas a verdade é que me sentia perdida.
O meu marido, Miguel, entrou nesse momento. Trazia as compras do supermercado e parou ao ver-nos ali, em silêncio. — Está tudo bem?
A minha mãe levantou-se e saiu sem dizer palavra. Miguel pousou os sacos e veio até mim.
— Outra vez? — perguntou baixinho.
Assenti. — Ela acha que estou a estragar tudo.
Ele abraçou-me. — Tu és uma boa mãe. Só tens de confiar mais em ti.
Mas como confiar? Desde pequena que sentia que nunca era suficiente para ninguém. O meu pai abandonou-nos quando eu tinha oito anos. A minha mãe fez tudo sozinha, trabalhou horas sem fim para me dar uma vida digna. Sempre me disse que o dinheiro era para coisas importantes: comida na mesa, contas pagas, saúde garantida. Nunca houve espaço para luxos.
Talvez por isso agora eu quisesse tanto dar à Leonor tudo aquilo que nunca tive. Talvez fosse uma forma de compensar a criança assustada que ainda vivia dentro de mim.
Na semana seguinte, as discussões continuaram. A minha irmã Marta veio visitar-nos e não perdeu tempo a comentar:
— Vi no Instagram aquela foto da Leonor com o vestido novo… Não achas um bocadinho exagerado? As pessoas comentam…
— Que pessoas? — perguntei, irritada.
— Toda a gente! As amigas da mãe, as vizinhas… Dizem que estás a viver acima das tuas possibilidades.
Senti-me humilhada. Como se cada escolha minha fosse escrutinada por um tribunal invisível.
À noite, depois de adormecer Leonor, sentei-me no sofá com Miguel.
— Achas que estou a exagerar? — perguntei-lhe.
Ele pensou durante uns segundos antes de responder:
— Acho que estás a tentar ser perfeita. Mas ninguém é perfeito, Sofia. Nem tu nem eu.
Olhei para as minhas mãos e vi nelas as mãos da minha mãe: calejadas pelo trabalho, marcadas pelo tempo. Senti uma onda de culpa.
No dia seguinte, fui buscar Leonor à creche mais cedo. Quando cheguei lá, vi-a no recreio com outras crianças. Estava vestida com um simples body branco porque as educadoras tinham trocado a roupa dela depois de um acidente com o almoço. Sorriu ao ver-me e estendeu os braços.
Nesse momento percebi: ela não precisava dos vestidos caros para ser feliz. Precisava de mim — presente, inteira, disponível.
Quando cheguei a casa, sentei-me com a minha mãe na cozinha.
— Mãe… desculpa se te magoei — disse-lhe baixinho.
Ela pegou na minha mão e apertou-a com força.
— Eu só quero o melhor para ti e para a Leonor. Sei que queres dar-lhe tudo… mas não te esqueças de ti própria no processo.
Chorei ali mesmo, sem vergonha desta vez. Senti o peso dos meses anteriores a sair-me dos ombros.
Os dias seguintes foram diferentes. Comecei a sair mais com Leonor para o parque, a brincar com ela no chão da sala sem me preocupar se sujava as roupas novas. Deixei de publicar tantas fotos nas redes sociais e foquei-me mais nos momentos reais do nosso dia-a-dia.
Claro que as críticas não desapareceram por completo. Sempre há alguém pronto a julgar as escolhas dos outros — especialmente quando se trata de maternidade.
Mas aprendi a ouvir menos os outros e mais o meu coração.
Hoje olho para Leonor a dormir no meu colo e penso: será que algum dia vou sentir que sou suficiente? Ou será este sentimento de dúvida algo que todas as mães carregam em silêncio?
E vocês? Também já sentiram este peso do julgamento alheio? Como lidam com as vossas próprias inseguranças?