De Pilar da Família a Esquecida: Só Me Lembram nos Feriados

— Mãe, podes ficar com o Tiago este fim de semana? — A voz da minha filha, Inês, soava apressada do outro lado da linha. Era sempre assim: só me ligava quando precisava de mim. Olhei para o relógio, já passava das oito da noite. O jantar arrefecia na mesa posta para dois, mas só eu estava ali.

— Claro, filha — respondi, tentando esconder a mágoa na voz. — Traz o Tiago quando quiseres.

Desliguei o telefone e fiquei a olhar para a parede, onde as fotografias antigas me recordavam outros tempos. O António, meu marido, sorria ao meu lado numa delas, rodeados pelos nossos três filhos pequenos. Naquela altura, a casa era cheia de risos, discussões e correria. Agora, só o silêncio me fazia companhia.

Quando os meus netos eram pequenos, era eu quem os levava à escola, quem lhes fazia o lanche preferido, quem ficava acordada nas noites de febre. Os meus filhos diziam sempre: “Mãe, precisamos tanto de ti!” Eu sentia-me importante, necessária. Mas agora… agora só me procuram quando não têm outra solução.

Lembro-me de um Natal há três anos. A casa estava cheia, todos à volta da mesa. O António ainda estava connosco. Ele olhou-me nos olhos e disse baixinho:

— Maria, fizemos tudo por eles. Mas será que um dia vão fazer por nós?

Na altura sorri e disse que sim, que os filhos são o nosso reflexo. Mas hoje… hoje já não tenho tanta certeza.

O António partiu no ano seguinte. O funeral foi cheio de gente, mas depois disso as visitas rarearam. O Miguel, o mais velho, vive em Lisboa e diz sempre que o trabalho não lhe permite vir mais vezes. A Inês tem a vida dela, os filhos crescidos e um casamento complicado. O Rui… bem, o Rui sempre foi mais distante.

Uma vez tentei falar com eles sobre como me sentia:

— Sinto falta de vocês — disse-lhes num almoço de domingo.

O Miguel olhou para o telemóvel e respondeu:

— Oh mãe, sabes como é… a vida não pára.

A Inês limitou-se a sorrir e mudou de assunto. O Rui nem sequer apareceu nesse dia.

Comecei a perceber que já não fazia parte dos planos deles. Só me ligavam para pedir favores ou para saber se eu podia ficar com os netos. Nos aniversários e nos feriados lá vinha uma chamada apressada ou uma visita rápida. No resto do tempo… silêncio.

A solidão começou a pesar-me nos ombros. Ia ao café da esquina só para ouvir vozes humanas. A dona Rosa, que também já perdeu o marido, dizia-me:

— Maria, os filhos são todos iguais. Quando precisam de nós, lembram-se. Quando não precisam… esquecem-se.

Mas eu não queria acreditar nisso. Sempre fui mãe presente, dei tudo o que tinha e mais ainda. Como podia ser agora apenas uma sombra na vida deles?

Certa noite, acordei sobressaltada com um barulho na rua. Fui à janela e vi dois jovens a discutir junto ao portão. O coração acelerou-se-me no peito — e se tentassem entrar? Peguei no telefone e liguei ao Rui.

— Rui… desculpa ligar-te a esta hora, mas ouvi barulhos estranhos cá fora.

Ele suspirou do outro lado:

— Mãe, deve ser só miúdos. Fecha as janelas e vai dormir.

Desligou antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa. Senti-me ridícula por ter esperado outra resposta.

No dia seguinte fui ao centro de saúde para uma consulta de rotina. A enfermeira perguntou:

— Tem família por perto?

Sorri amarelo:

— Tenho filhos… mas estão sempre ocupados.

Ela olhou-me com compaixão e disse:

— Não hesite em pedir ajuda se precisar.

Mas pedir ajuda… a quem? Aos meus filhos? Aos vizinhos? Senti-me mais sozinha do que nunca.

No aniversário do António decidi fazer um bolo como antigamente. Liguei aos meus filhos:

— Venham cá jantar hoje, fiz o bolo preferido do vosso pai.

O Miguel disse que tinha uma reunião importante. A Inês estava com uma enxaqueca. O Rui nem atendeu.

Comi uma fatia sozinha à mesa posta para cinco pessoas. As velas arderam até ao fim sem ninguém as apagar.

Na Páscoa seguinte tentei novamente reunir a família. Preparei tudo com carinho: bacalhau à Brás, arroz doce, pão-de-ló caseiro. Desta vez vieram todos — mas só porque precisavam de deixar os netos comigo enquanto iam ao cinema.

Enquanto arrumava a cozinha ouvi-os rir na sala sobre filmes e viagens que nunca partilharam comigo. Senti-me invisível dentro da minha própria casa.

Nessa noite escrevi uma carta que nunca cheguei a entregar:

“Queridos filhos,
Sei que têm as vossas vidas e problemas, mas às vezes sinto que deixei de existir para vocês. Não quero ser um peso nem uma obrigação, só queria sentir que ainda faço parte da vossa família.”

Guardei a carta na gaveta da mesa-de-cabeceira e chorei baixinho até adormecer.

Os dias foram passando iguais uns aos outros: café da manhã sozinha, passeios curtos até ao mercado, tardes longas a ver novelas repetidas. Às vezes pensava em inscrever-me num grupo de idosos ou numa aula de pintura… mas faltava-me coragem.

Um domingo à tarde ouvi baterem à porta. Era a minha neta mais velha, Mariana.

— Avó… posso entrar?

Os olhos dela brilhavam com lágrimas contidas.

— Claro que sim, filha! — abri-lhe os braços e ela correu para mim.

Sentámo-nos no sofá e ela desabafou:

— Sinto falta de quando éramos todos juntos aqui em casa… Agora cada um anda para seu lado e parece que ninguém se importa com nada.

Abracei-a com força e percebi que talvez não fosse só eu a sentir aquele vazio.

Depois daquela visita comecei a ligar mais vezes à Mariana e aos outros netos. Eles respondiam com entusiasmo — talvez porque ainda não aprenderam a esquecer como os adultos.

Mas os meus filhos continuavam distantes. No Natal seguinte recebi todos em casa novamente — mas só porque precisavam de mim para organizar tudo.

No final da noite sentei-me sozinha na varanda enquanto as luzes da cidade brilhavam ao longe. Pensei em tudo o que vivi, em tudo o que dei… e no pouco que recebi de volta.

Será este o destino de todas as mães? Serem lembradas apenas quando fazem falta? Ou será que ainda há esperança de voltar a ser vista como alguém importante na vida dos meus filhos?

E vocês… também sentem que deram tudo pela família e agora vivem à margem? O amor dos filhos é mesmo assim tão passageiro?