Sete Dias Que Mudaram Tudo: A Luta de Uma Mãe Pelo Filho
— Não podes simplesmente ir embora assim, Mariana! — A voz da minha mãe ecoou pela cozinha, carregada de uma raiva contida que eu conhecia demasiado bem. O cheiro do café queimado misturava-se ao nervosismo que pairava no ar. Eu segurava as chaves do carro com tanta força que os meus dedos ficaram brancos.
— Mãe, por favor, não compliques. É só uma semana. Preciso mesmo deste descanso — tentei soar calma, mas a verdade é que o cansaço me consumia. O trabalho no hospital, as noites mal dormidas com o Tomás, tudo pesava sobre mim como uma manta molhada.
Ela cruzou os braços, olhando-me como se eu fosse uma criança outra vez. — Achas que é fácil para mim? Ficas sempre a fugir dos problemas. O teu filho precisa de ti, não de férias.
O Tomás apareceu à porta, com o pijama azul e o cabelo despenteado. — Mãe, posso ficar com a avó? — perguntou, os olhos brilhando de expectativa.
Ajoelhei-me ao lado dele e abracei-o. — Claro que podes, meu amor. Vais divertir-te imenso. A avó vai cuidar bem de ti.
Na verdade, eu repetia aquelas palavras para me convencer a mim própria. A relação com a minha mãe nunca foi fácil. Desde pequena que sentia o peso das suas expectativas, das críticas veladas, das comparações com a minha irmã mais velha, a perfeita Catarina. Mas naquele momento, precisava mesmo de uma pausa. Só uma semana para respirar.
No caminho para o Algarve, tentei afastar a culpa. Liguei o rádio, deixei o vento entrar pela janela e prometi a mim mesma que não ia pensar em nada. Mas ao terceiro dia, o telefone tocou. Era Catarina.
— Mariana, tens de voltar. O Tomás está estranho, não fala com ninguém e a mãe está fora de si.
O coração caiu-me aos pés. — O que aconteceu?
— Não sei ao certo. Só sei que ele não quer comer e chora sempre que alguém fala contigo.
A viagem de regresso pareceu interminável. Cada quilómetro era um nó no estômago. Quando cheguei a casa da minha mãe, encontrei-a sentada na sala, com os olhos vermelhos e um copo de vinho na mão.
— O que se passou? — perguntei, tentando controlar a voz.
Ela olhou para mim como se eu fosse uma estranha. — Ele perguntou pelo pai. Disse-lhe que não sabia onde estava e ele fechou-se no quarto. Não sei lidar com isto, Mariana. Nunca soube.
Subi as escadas a correr e encontrei o Tomás encolhido na cama, abraçado ao urso de peluche. Sentei-me ao lado dele e passei-lhe a mão pelo cabelo.
— Estou aqui, meu amor. A mãe está aqui agora.
Ele não disse nada durante muito tempo. Só quando as lágrimas começaram a cair é que murmurou:
— Porque é que o pai não gosta de mim?
O mundo desabou naquele instante. O pai do Tomás tinha-nos deixado quando ele tinha dois anos. Nunca mais deu notícias. Sempre tentei proteger o meu filho dessa ausência, mas percebi ali que não podia esconder-lhe a verdade para sempre.
Desci as escadas e encontrei a minha mãe na cozinha, a fumar um cigarro atrás do outro.
— Porque é que nunca me disseste nada? — perguntei-lhe, sentindo uma raiva antiga a crescer dentro de mim.
Ela encolheu os ombros. — Pensei que era melhor assim. Sempre foste fraca demais para lidar com estas coisas.
As palavras dela cortaram-me como facas. — Não sou fraca! Só queria proteger o meu filho!
— E achas que fugir resolve alguma coisa? Olha para ti! Sempre a fugir dos problemas! — gritou ela, batendo com força na mesa.
A Catarina apareceu à porta, tentando acalmar-nos. — Por favor, parem as duas! Isto não ajuda ninguém!
Mas era tarde demais. Tudo aquilo que ficou por dizer durante anos explodiu naquela cozinha: as mágoas antigas, as comparações com a Catarina, o abandono do meu pai quando eu era pequena, o medo de repetir os mesmos erros com o Tomás.
Nessa noite não dormi. Sentei-me ao lado do meu filho e prometi-lhe baixinho:
— Nunca mais te vou deixar sozinho. Nunca mais vou fugir dos nossos problemas.
No dia seguinte, sentei-me com ele no jardim e contei-lhe tudo: sobre o pai dele, sobre as minhas escolhas erradas, sobre o medo de falhar como mãe.
Ele ouviu em silêncio e depois abraçou-me com força.
— Eu só quero que fiques comigo — sussurrou.
A partir desse dia, tudo mudou entre nós. A relação com a minha mãe ficou ainda mais tensa durante algum tempo, mas aos poucos fomos aprendendo a perdoar-nos. A Catarina tornou-se o nosso apoio silencioso, sempre pronta para ajudar quando as palavras faltavam.
Hoje olho para trás e percebo que aqueles sete dias mudaram tudo: obrigaram-me a enfrentar os meus medos, a aceitar as minhas fragilidades e a lutar pelo meu filho acima de tudo.
Às vezes pergunto-me: quantas famílias vivem presas em silêncios e segredos? Quantas mães carregam culpas antigas sem nunca terem coragem de pedir ajuda? E vocês? Já sentiram esse peso?