Como tentei afastar os parentes indesejados que destruíam cada festa de família

— Mariana, já viste quem está à porta? — sussurrou a minha mãe, com os olhos arregalados de pânico, enquanto eu acabava de pôr a travessa do bacalhau à Brás na mesa da sala. O cheiro do forno misturava-se com o perfume das flores frescas que tinha comprado naquela manhã, tentando criar um ambiente acolhedor para o aniversário do meu pai. Mas bastou aquele olhar da minha mãe para eu perceber: os tios António e Lurdes tinham chegado. Outra vez. Sem convite.

O meu coração disparou. Senti o sangue a subir-me à cara. Não era só o incómodo de ver a minha casa invadida por quem nunca respeitou os nossos limites; era também a recordação de todas as outras festas arruinadas por discussões, comentários maldosos e aquele ambiente pesado que só eles sabiam criar.

— Mariana, filha, vai tu abrir a porta — pediu a minha mãe, baixinho, como se assim pudesse evitar o inevitável.

Respirei fundo e caminhei até à porta. Antes de abrir, ouvi as vozes altas do tio António:

— Isto é que é festa! Já cheira a comida boa! — gritou ele, antes sequer de eu destrancar a porta.

Abri. Lá estavam eles, com sacos de supermercado cheios de cervejas baratas e um bolo comprado à pressa. A tia Lurdes já vinha com o casaco meio caído dos ombros e um sorriso forçado.

— Olá, querida! Não podíamos faltar ao aniversário do teu pai! — disse ela, ignorando completamente o facto de nunca terem sido convidados.

Apertei os lábios e tentei sorrir. — Entrem…

A sala encheu-se num instante com as vozes deles, abafando as conversas tranquilas dos meus primos e dos meus pais. O tio António sentou-se logo na cabeceira da mesa, como se fosse o anfitrião, e começou a servir-se do vinho caro que eu tinha guardado para um brinde especial.

— Mariana, este vinho é bom! — exclamou ele, enchendo o copo até transbordar. — O teu pai merece!

Olhei para o meu pai, que me lançou um olhar resignado. A minha mãe já estava na cozinha, a tentar esconder as lágrimas enquanto mexia no arroz.

Ao longo dos anos, tentei de tudo: convites discretos só para os mais próximos, festas em restaurantes longe da casa deles, até mudar datas à última hora. Mas eles descobriam sempre. E apareciam sempre.

Lembro-me de uma Páscoa em que a tia Lurdes fez um comentário sobre o meu namorado da altura:

— Então, Mariana, ainda andas com aquele rapaz que não sabe cortar presunto?

O silêncio caiu sobre a mesa como uma pedra. O meu namorado corou e nunca mais quis voltar às nossas festas.

A cada festa, sentia-me mais impotente. Os meus pais diziam sempre:

— Mariana, são família. Temos de aceitar.

Mas aceitar significava engolir em seco cada vez que eles faziam pouco dos meus sonhos ou criticavam as escolhas dos meus irmãos. Significava ver a minha mãe chorar depois das festas e o meu pai calar-se durante dias.

No ano passado, decidi que bastava. Falei com os meus pais:

— Não quero mais isto. Não quero mais festas arruinadas. Ou impomos limites ou deixo de organizar seja o que for.

O meu pai olhou-me com tristeza:

— Filha, não compliques… Eles são assim. Sempre foram.

Mas eu não aguentei mais. Naquele aniversário do meu pai, quando vi o tio António a servir-se do último pedaço do bolo sem perguntar se alguém queria mais, levantei-me e disse:

— Tio António, tia Lurdes… preciso de falar convosco.

O silêncio foi imediato. Todos olharam para mim.

— Eu sei que gostam de estar connosco, mas estas festas são para quem é convidado. Não é justo aparecerem sem avisar e tomarem conta da casa como se fosse vossa.

A tia Lurdes ficou vermelha como um tomate.

— Estás a dizer que não somos bem-vindos? — perguntou ela, com a voz trémula.

— Estou a dizer que precisamos de respeito — respondi, sentindo as mãos a tremer.

O tio António levantou-se num salto:

— Isto é uma vergonha! Depois de tudo o que fizemos por esta família!

A discussão foi feia. Os meus primos tentaram acalmar os ânimos, mas os meus pais ficaram paralisados. No fim, os tios saíram batendo com a porta e dizendo que nunca mais punham os pés na nossa casa.

Durante semanas ninguém falou sobre o assunto. A minha mãe andava triste e evitava olhar-me nos olhos. O meu pai fechou-se ainda mais no seu silêncio habitual.

Comecei a duvidar de mim mesma: teria sido demasiado dura? Teria destruído a pouca paz que restava na família?

No Natal seguinte, fizemos uma festa pequena, só com os meus irmãos e os meus pais. Foi tranquilo, mas senti falta daquele barulho caótico — não dos tios em si, mas da sensação de família grande.

Um dia, encontrei a minha mãe sentada na varanda, a olhar para o vazio.

— Mãe… desculpa se causei problemas — disse eu, sentando-me ao lado dela.

Ela suspirou:

— Mariana… às vezes penso que devíamos ter falado há muitos anos atrás. Mas nunca tivemos coragem. Sempre achei que era melhor aguentar do que enfrentar uma guerra.

Ficámos ali em silêncio durante muito tempo. O vento frio fazia dançar as folhas no jardim e eu senti um nó na garganta.

Os meses passaram e os tios continuaram afastados. Os meus pais foram-se habituando à nova rotina, mas havia sempre um vazio nas festas — um silêncio estranho onde antes havia gritos e gargalhadas forçadas.

Às vezes pergunto-me se fiz bem. Será que valeu a pena sacrificar a paz aparente por um pouco de respeito? Ou será que há coisas na família portuguesa que nunca mudam?

E vocês? Já tiveram de escolher entre impor limites ou manter a paz familiar? Até onde devemos ir para proteger o nosso espaço sem perder quem somos?